O "homo",
irmãos do "sapiens", não são apenas estruturas biológicas.
A moderna física reconhece a característica do "homo" até mesmo em
insignificantes amebas. Até certo tempo, dizer que simples coisas materiais
tangenciavam o que conhecemos como mundo biológico seria risível, episódio de
manicômio. A física atual mais avançada já vislumbra elétrons reprodutores nas
coisas inanimadas. Evidentemente, físicos não são do tipo dos que dão a cara
para bater; conhecimentos novos somente depois de muitos estudos, pesquisas e
testes.
O que não podemos justificar é a expressão "homo sapiens"
(homens sábios). Talvez possamos admiti-la, se por sabedoria considerarmos
compreensão de fenômenos antes impenetráveis, a comunicação, não por gestos,
mas por signos que se completam como linguagem, e o raciocínio que se segue a
essas virtudes incomuns.
Se somos homens sábios, como narrar as guerras, os fundamentalismos, o
terrorismo, a exploração de um sábio por outro pretensioso e pretendente a
ser mais sábio, e, entre muitas outras hipóteses, no plano pessoal, as
depressões, os caráteres deficientes, a emoção que supera a razão em muitos
momentos, o suicídio, este desconhecido pelos irracionais, que, muito ao
contrário, até aos estertores fazem de tudo segundo o instinto da sobrevivência.
Esses "homo non sapiens" empreendem somente guerras
necessárias. Predam e são predados. De todo modo, agem em absoluto compasso com
o ritmo da natureza. A alimentação é o que importa. Numa savana generosa, não
haveria nenhum conflito. Ou, com o tempo, desapareceriam. O tigre a passear ao
lado do lobo nada teria de insólito, numa natureza que tivesse evoluído, sem a
presença do "homo sapiens", que a combate.
Ninguém pretende dizer, com isso, que a "sabedoria" do homem é
algo indesejável, ou que, sob muitos aspectos, não tenha contribuído à
evolução animal e ao aperfeiçoamento das coisas inanimadas. Há muitos parques
no mundo em que os bichos são cuidados como reis, sem agravo à sua liberdade. A
madeira tosca tomou forma de mesas esteticamente maravilhosas, pela mão dos
homens sábios. As desconstruções, porém, simultaneamente foram tantas ou
maiores, a ponto de não termos certeza de por quanto tempo perdurará o
planeta em que habitamos.
A presença de mínimos elétrons nas coisas inanimadas parece que lhes dão
uma capacidade de compreensão peculiar. Primeiro, dependentes dos materiais de
que são feitas, sobrevivem por largo tempo ao homem. Atravessam gerações, tão
belas quando de seu nascimento. Damos-lhes o nome de "antiguidades",
ora por gosto, ora por desgosto. Para muitos, o pós-moderno é que se agrega de
valor, salvo quando percebem que o "pós" é feito de valores e
desvalores, em relação ao progresso da humanidade, motivo último visto e
arrazoado pela axiologia.
Não sentem dores (pelo menos assim imaginamos), não sofrem, não odeiam e
não amam. Nascem e morrem. Não crescem e não vivem, pensamos nós. Mas em seu
interior lá estão os eletros, bósons, férmions e condensados de energia.
Potenciais que ainda, talvez, ganhem sabedoria num universo que somente se
expande. Sabedoria, façamos fé, menos precária que a nossa, profundamente
paradoxal.
Acabamos de ver uma Olimpíada, evento mundial de grandiosidade, paz
e conjugação dos espíritos. Mas, como disse nosso poeta, "amanhã será
outro dia". Todos perceberão o que fingiram e que deveras
sentiram. O tempo é implacável e o passado é apagado, salvo em nossa
considerada memória imaterial. A lembrança também compõe nosso presente, assim
como o fazem os sonhos em relação ao futuro. Não temos presente, a menos que
acreditemos em sua imaterialidade, no momento que acabou de
passar e já se fez passado.
Salvo acidentes, próprias do acaso (há os que creem que Deus nos fez num
momento de distração), medalhas de ouro, prata e bronze sobreviverão por muito
tempo a seus heróis.
Certamente foram conduzidas por seus elétrons a peitos merecedores, assim declinando suas vontades ocultas.
Certamente foram conduzidas por seus elétrons a peitos merecedores, assim declinando suas vontades ocultas.
Dessa
visão do todo advém a cosmovisão que nos levou a esboçar este
escrito: a do respeito ao outro "sapiens", para além de Kant, ao
"homo" biológico e às coisas que nos rodeiam, a dizer tudo, imóveis e
em silêncio.
Amadeu Roberto Garrido de Paula - advogado, membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
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