Crises ensinam sociedades a se adequar para voltar
ao pleno funcionamento, como a COVID-19 já mudou a forma de atuar de empresas e
o comportamento de seus colaboradores e clientes * Por Marcelo Reis - Founder
MR16 Consultoria
Em 2020 quando a OMS reconheceu a situação da
COVID-19 como sendo uma pandemia, logo começou um movimento em que algumas
pessoas negavam a seriedade da situação. Em alguns países, o estado de
emergência demorou muito a ser reconhecido. Por este comportamento, os cenários
mais realistas que apontavam para uma plena recuperação econômica mundial, em
não menos de 2 anos, eram mal vistos e desacreditados. No entanto, agora, com 1
ano de pandemia é exatamente o que vem se mostrando real.
Esperar que o mundo volte a ser como antes é
utópico. A nova normalidade já vem sendo implantada na prática, a forma de
trabalhar, fazer negócios, consumir e gerir a vida mudou de forma definitiva.
Neste artigo, separei alguns aprendizados, melhorias e também pontos de atenção
que a COVID trouxe.
Varejo: sobrevivência depende de transformação
Logo no início de 2020 o comércio sofreu o impacto
inicial e começou a pedir ajuda ao governo, que também não estava preparado
para fornecer este tipo de socorro ao empresário. As empresas, principalmente
as pequenas e médias, que ficaram “sentadas esperando que tudo fosse passar em
3 ou 6 meses”, e não se transformaram, quebraram. Sem fôlego financeiro muita
gente fechou e, quem sobreviveu, tocou os negócios baseado no delivery.
O Calendário comercial ficou mais “lento”, não teve
a aceleração típica das datas sazonais ao longo do ano e nem o esperado pico de
consumo em dezembro. O sentimento que se estabeleceu é de 2021 quase como uma
continuação de 2020.
Online não é diferencial, é parte essencial da
operação de qualquer empresa
O online entrou de vez na estratégia das empresas,
não adianta pensar nele como uma parte isolada. O digital precisa ser parte do
planejamento principal. A unificação da qualidade e tipo de atendimento ao
cliente independente do canal foi um importante aprendizado.
Antes da pandemia, era comum o cliente ter um
tipo de experiência na sua jornada de compra presencial muito diferente da
ofertada pela mesma marca no canal online. Ou seja, dependendo da escolha do
canal para compra, o cliente terminaria sem a mesma assistência, sem acesso à
promoção ou sem a personalização do seu perfil de compra. Com clientes mais
exigentes e conscientes de suas compras as marcas precisaram adequar e garantir
a mesma qualidade em qualquer canal.
Logística como parte fundamental do sucesso nas
vendas
As adaptações realizadas nos processos logísticos
também acrescentaram qualidade na relação consumidor-marca. Podemos dizer que
esta multicanalidade está funcionando bem no momento em que o cliente pede um
produto pelo site e este pedido é encaminhado para a loja mais próxima da rede
e em seguida, entregue. Não vai mais para um centro de distribuição localizado
distante e que acrescenta tempo de espera.
A relação entre grandes marcas e clientes era
distante, cada um estava em uma ponta desta equação comercial, que era recheada
de intermediários. Com o fechamento dos comerciantes que faziam esta ponte, as
marcas entenderam que não tinham mais clientes pois na verdade eles eram dos
lojistas e não das indústrias. Agora, o fornecedor vende direto para o consumidor
final e se tornou também um concorrente do varejista, tornando ainda mais
acirrado o mercado para o pequeno empresário.
O consumidor mudou e mais do que nunca valoriza
experiência
A queda no consumo reflete também uma mudança de
hábito da população que está menos consumista. Antes, as pessoas iam aos
shoppings passear e sempre saiam com uma sacola, muitas vezes sem nem saber
direito o que estavam comprando. Do ponto de vista econômico, mantinha a roda
girando e gerava empregos. Ao mesmo tempo, a compra sem necessidade é
contraproducente do ponto de vista ambiental, também com muita geração de lixo.
Com esta mudança de comportamento, o desafio maior,
fica na mão das categorias que sobreviviam massivamente das compras por
impulso. Um bom exemplo são as papelarias e lojas de miudezas em que
comprávamos algo no meio do caminho por lembrar que precisávamos, mas que não
sairíamos de casa apenas em busca do item. Essas empresas precisarão encontrar
novas formas de sobreviver.
O consumo cada vez mais vai migrar para a
experiência, para o viver e aproveitar efetivamente o momento. Atualmente isto
está na contramão da queda no turismo internacional. Contudo, a tendência já se
apresenta na busca de turismo pelos moradores em suas próprias cidades. Os
residentes locais estão explorando mais os hotéis, parques e atrações
turísticas de sua região. No futuro, esta tendência se expandirá para além das
fronteiras, na retomada do turismo internacional.
Relação vida X trabalho - A vida desacelerou, a qualidade
de vida virou foco e agenda cheia não é mais sinônimo de produtividade
Todos nós nos transformamos muito como
profissionais e como empresa no último ano. Uma coisa que veio para ficar foi o
home office, híbrido ou integral. A desconfiança que se tinha sobre este modelo
de trabalho desapareceu à medida que se mostrou eficaz. Grandes empresas estão
adotando o home office.
Com o objetivo de ficar perto das suas famílias,
muitas pessoas se mudaram para cidades do interior, muitas vezes longe das
sedes das empresas. Quem fez este movimento, percebeu que poderia ter um custo
mais baixo associado a uma melhor qualidade de vida, e não querem mais voltar
ao modelo antigo. Vai ser um grande desafio para as empresas convencer os
funcionários de voltarem ao modelo fixo no escritório. O modelo de home office
ou trabalho de qualquer lugar é algo que veio para ficar.
Vemos a desaceleração da vida. Qualquer um de nós,
que faça uma reflexão dos dois últimos anos, pode perceber que tínhamos uma
vida extremamente agitada. Saíamos antes das 07h da manhã de casa, passávamos o
dia nos movimentando entre trabalho, reuniões, almoços e outras atividades. Em
algumas funções profissionais, isso incluía deslocamentos constantes entre
cidades, inclusive com aeroportos em alguns casos.
O setor aéreo segue extremamente afetado, e as
viagens de negócio praticamente desapareceram. A redução mais contundente foi
nos vôos internacionais, mas com um grande declínio nos nacionais também. As
pessoas começam a criar novos hábitos e as empresas precisam se adaptar a esta
mudança toda. A maioria das viagens executivas que aconteciam foram
substituídas e temos sobrevivido com ferramentas digitais, de forma 100%
remota.
A necessidade de reunião presencial ficou provada
em alguns casos, como conhecer clientes e fornecedores, para gerar uma conexão
mais pessoal. Porém, o mesmo não aconteceu na esmagadora maioria dos encontros
que demandavam esforço e dinheiro para se deslocar e reunir.
A agenda e a vida estão mais balanceadas para
família e trabalho, aprendemos e agora quereremos ter tempo para fazer nossas
coisas pessoais. As pessoas se desapegaram do vício de ter a agenda tão cheia
que não sobrasse nem tempo para parar e fazer uma refeição ou respirar.
Os riscos do comodismo em longo prazo
No outro prato da balança, está um efeito
colateral: se acomodar. Agora, para sair de casa para cumprir alguma tarefa
presencial as pessoas precisam de um empurrão a mais, mais incentivo do que era
necessário antes para sair da inércia. As pessoas estão questionando de forma
mais forte a necessidade de estar presencialmente nos lugares. A necessidade do
movimento passou a ser muito mais questionada.
Em longo prazo, este padrão de comportamento pode
levar à prostração e a ausência de movimento começar a causar problemas de
saúde ligados ao sedentarismo. A preocupação com a saúde física, com a
atividade consciente e com a saúde mental precisam estar constantemente sob
nossos olhos.
Dependência de suprimentos estrangeiros fez indústrias
repensarem as cadeias de suprimentos
Um aprendizado importante é que por mais que o
conceito de globalização funcione, na hora de uma crise como é a pandemia, vale
a defesa individual. Cada nação quis se proteger, cuidando de suas fronteiras,
providenciando suas vacinas e adotando políticas protetivas.
A dependência de fornecedores internacionais se
mostrou um “calcanhar de Aquiles” para muitos países que dependiam
exclusivamente de compras da China e ligou um alerta significativo sobre buscar
sua autonomia, ou soluções alternativas, caso não tenha importação em algum
momento no futuro.
Ou seja, começamos a ver um patriotismo nas
indústrias, visando garantir seus processos produtivos sem dependências
extremas externas. Agora, as produções são pensadas com planos B, C e D para
garantir que não pare.
Atenção ao planejamento
Vejo nas indústrias, especialmente as latinas, que
sempre foram muito orientadas à ação, uma tomada de atenção para o planejamento
estratégico com uma ênfase que não se via antes.
A análise de cenários ganhou força e passou a ser
mais valorizada. A tomada de decisões baseada em projeções embasadas em
previsões realistas, torna os rumos da empresa mais assertivos. Se a emoção
dominava antes da pandemia, foi o planejamento quem manteve as empresas vivas
durante o período.