Análise de 48 amígdalas e adenoides retiradas cirurgicamente de crianças entre 3 e 11 anos, sem sintomas respiratórios nem histórico de infecção recente, detectou diferentes linhagens do SARS-CoV-2
Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) identificaram que vírus respiratórios, inclusive o SARS-CoV-2, podem permanecer e se replicar nas amígdalas, adenoides e secreções de crianças sem sintomas da doença, nem histórico de infecção recente.
A partir da análise de
amígdalas e adenoides retiradas cirurgicamente de 48 crianças entre 3 e 11
anos, os pesquisadores detectaram RNA e proteína dos vírus em amígdalas,
lavados nasais e secreções respiratórias de crianças com hipertrofia tonsilar e
sem sintomas de doenças respiratórias e de COVID-19.
Os resultados publicados na
revista Microbiology Spectrum mostraram que diferentes
linhagens do vírus da COVID-19 infectaram um quarto das crianças que
participaram do estudo. A descoberta da persistência do SARS-CoV-2 nas
amígdalas e adenoides, além de contribuir para o entendimento da COVID-19,
indica uma nova via de interferência do vírus na resposta imune e uma potencial
fonte de transmissão da doença para a comunidade, mesmo a partir de pessoas
assintomáticas.
A investigação teve apoio da FAPESP por meio de um amplo estudo que busca compreender a biologia,
patogênese e prospecção de vírus emergentes.
“Não imaginávamos encontrar
tantos vírus nas tonsilas (amígdalas e adenoides) retiradas de crianças que não
tinham nenhum sintoma nem histórico de infecção respiratória. É inusitado saber
que, em uma mesma criança, podem ser detectados vários vírus respiratórios
persistentes e, dentre eles, diferentes linhagens do SARS-CoV-2. Então, é o
vírus de um resfriado de seis meses atrás, junto com outro de uma infecção mais
recente, que vão sendo colecionados nas tonsilas”, explica Eurico Arruda, professor de virologia da faculdade e autor do estudo. A pesquisa
contou com a colaboração da equipe de otorrinolaringologia da FMRP-USP,
liderada pela professora Fabiana Valera e por Carolina Miura.
“Porém, é também nas tonsilas,
como mostrou o nosso estudo, onde o vírus SARS-CoV-2 consegue persistir por
mais tempo, se replicar e ser secretado. A replicação e a potencial transmissão
de COVID-19, mesmo em pessoas assintomáticas, podem indicar uma nova via de
interferência do vírus na resposta imune. Isso porque amígdalas e adenoides são
órgãos secundários do sistema linfoide, onde atuam células de defesa como os
linfócitos, por exemplo”, completa Arruda.
Os pesquisadores acreditam que
a infecção de linfócitos B e T, macrófagos e células dendríticas por SARS-CoV-2
pode interferir na montagem de respostas imunes nesses órgãos linfoides
secundários. “Não foi possível, no entanto, identificar quanto tempo os vírus
persistem nas tonsilas analisadas”, afirma Arruda.
O RNA do SARS-CoV-2 foi
detectado por RT-qPCR (sigla em inglês para Transcrição Reversa e Reação
quantitativa em Cadeia de Polimerase) em mais de uma amostra de algumas das
crianças positivas para o vírus, com cargas virais variando de centenas a
milhares de cópias por cópia de RNA mensageiro para RNase-p (um ácido
ribonucleico normal da célula, que altera moléculas de RNA transportador),
sugerindo que as crianças podem ter sido submetidas a amigdalectomia em
diferentes tempos pós-infecção.
A descoberta reforça a
importância da vacinação de crianças. “Mostramos que o vírus persiste nas
tonsilas, mesmo em crianças que não apresentavam nenhum sintoma de infecção
respiratória. Isso ressalta a importância da vacinação para essa faixa etária, que
foi a última a ter o imunizante ofertado e ainda não atingiu bons índices de
cobertura”, diz Ronaldo Martins, autor do estudo.
Não é
apenas em crianças
Arruda explica que, embora o
estudo tenha sido realizado a partir da análise de tonsilas de crianças, a
persistência do SARS-CoV-2 nesses órgãos linfoides também é observada em
adultos. “Esse estudo foi realizado em tonsilas retiradas de crianças, pois se
trata de uma cirurgia muito mais comum em crianças que em adultos. Porém, em
outro estudo, conseguimos analisar amígdalas retiradas de um adulto, e o
resultado foi o mesmo. Portanto, é um achado que tem o potencial de mudar o
nosso entendimento sobre a fisiopatologia da COVID-19 e de outras doenças
respiratórias”, diz.
“O inusitado é o achado em si.
Se essas crianças ocasionalmente podem replicar e transmitir o vírus via
secreções, elas podem vir a ser focos de surtos”, contou Arruda.
O pesquisador afirma ainda que
o achado reforça o papel das tonsilas de abrigar uma variedade de vírus. “Os
resultados do nosso estudo sugerem que o tecido linfoide secundário é capaz de
albergar uma quantidade muito maior de vírus. No nosso estudo testamos apenas
os vírus respiratórios, e não testamos dengue, zika, chikungunya, febre amarela
e outros vírus, que podem estar persistindo nesses tecidos”, diz.
O artigo Tonsils are major sites of persistence of SARS-CoV-2 in children pode ser lido em: https://journals.asm.org/doi/10.1128/spectrum.01347-23.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/amigdalas-e-adenoides-sao-importantes-locais-de-persistencia-do-sars-cov-2-em-criancas/51637
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