Bioma
tem média de 9,5
milhões de hectares queimados por ano, superando a Amazônia. Área total afetada
pelas chamas é maior do que a de países como Chile e Turquia.
O fogo queimou 88 milhões de hectares de Cerrado entre 1985 e
2023, uma média de 9,5 milhões de hectares todos os anos. Área queimada
equivale a 43% de toda a extensão do bioma e supera o território de países como
Chile e Turquia. Em média, o bioma perdeu 9,5 milhões de hectares por ano para
as chamas, superando os índices da Amazônia, que queimou 7,1 milhões de
hectares anualmente.
No mesmo período foram desmatados 38 milhões de
hectares, uma redução de 27% na vegetação original do bioma que, hoje, tem
quase metade de sua área alterada por atividades humanas. Atualmente, 26
milhões de hectares do Cerrado estão ocupados pela agricultura, dos quais 75%
são destinados ao cultivo de soja. O bioma responde por quase metade da área
cultivada com o grão no Brasil, totalizando 19 milhões de hectares, segundo
dados da Coleção 9 divulgados pela Rede MapBiomas, onde o IPAM (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia) coordena o mapeamento do Cerrado.
A outra metade, que ainda permanece em pé,
corresponde a 101 milhões de hectares, representando 8% de toda a vegetação
nativa do Brasil e garantindo o posto do Cerrado como savana mais biodiversa do
mundo. Desse remanescente, 48% está nos estados da região Matopiba (Maranhão,
Tocantins, Piaui e Bahia), que viu sua área de agricultura aumentar 24 vezes
desde 1985. A região também concentra 41% do desmatamento registrado no bioma
nos últimos 39 anos.
Atualmente, 55% da vegetação nativa restante do
Cerrado se encontra em áreas com CAR (Cadastro Ambiental Rural) autodeclarado.
O Código Florestal Brasileiro prevê que propriedades rurais no bioma mantenham
ao menos 20% de sua área como vegetação nativa, a chamada Reserva Legal. No
entanto, parcelas que excedam essa proporção podem ser legalmente desmatadas,
representando um risco para a preservação e a estabilidade do bioma.
“Precisamos de políticas públicas e mecanismos
financeiros que incentivem a conservação do Cerrado. Seguir com o desmatamento
nesse ritmo trará consequências ainda mais graves para a regulação do clima e
para os setores econômicos, principalmente o agronegócio, que depende do clima
e dos recursos hídricos no Cerrado”, ressalta Dhemerson Conciani, pesquisador
do IPAM.
Por outro lado, 14,7% estão em áreas protegidas
e públicas de uso coletivo, como unidades de conservação, terras indígenas e
territórios quilombolas, que mantêm mais de 93% da sua vegetação nativa
preservada. Apesar
da preservação, o desmatamento em terras indígenas no bioma, por exemplo,
aumentou 188% em 2023, comportamento oposto ao observado no restante do país,
que registrou uma redução de 27% da área desmatada.
Fogo
Embora possua tipos de vegetação que evoluíram
para lidar com queimadas, o regime natural do fogo tem sido alterado pelas
secas frequentes e temperaturas extremas. O uso indiscriminado do fogo também
está relacionado ao aumento dos incêndios, colocando em risco a biodiversidade
local e a integridade dos ecossistemas naturais.
"A crescente vulnerabilidade do Cerrado às
mudanças climáticas e impactos humanos exige ações decisivas para sua reversão.
É essencial implementar políticas públicas que promovam a conscientização,
reforcem sistemas de monitoramento e apliquem leis rigorosamente contra
queimadas ilegais. Além disso, o manejo integrado do fogo, que combina
prevenção, controle e uso planejado do fogo, é fundamental para manter a saúde
dos ecossistemas, além de minimizar riscos de incêndios e preservar benefícios
ecológicos”, destaca Vera Arruda, pesquisadora do IPAM.
De acordo com dados do Monitor do Fogo, entre janeiro e agosto de 2024, o bioma já teve 4
milhões de hectares afetados pelo fogo. Deste total, 79% (ou 3,2 milhões de
hectares) ocorreram em áreas de vegetação nativa. Esse valor representa um
aumento de 85% em relação ao mesmo período do ano passado, quando 2,2 milhões
de hectares foram queimados. O mês de agosto de 2024 registrou a maior área
queimada desde 2019, com mais de 2,4 milhões de hectares afetados no Cerrado,
superando os valores observados no mesmo período nos anos anteriores.
Em agosto, um levantamento do IPAM revelou que
dos 2,6 mil focos de calor registrados no estado de São Paulo entre os dias 22
e 24 de agosto, 81,29% se concentraram em áreas de uso agropecuário (como as ocupadas pela cana de açúcar e pela pastagem) e
surgiram em um espaço de 90 minutos.
Seca
O abastecimento hídrico do Cerrado também tem
sido afetado pelas mudanças no clima e um padrão de chuvas cada vez mais
imprevisível. A
área de superfície de água natural no Cerrado registrada em 2023 foi de 696 mil
hectares, 53% a menos do que o observado em 1985. Atualmente, o bioma possui 1,6 milhões de hectares cobertos
por água, maior valor registrado em 39 anos, mas apenas 37% estão em áreas
naturais, enquanto 51% estão em áreas de hidrelétricas.
Nascente de nove das doze bacias hidrográficas
brasileiras, o Cerrado também abrange uma região que abriga três grandes
aquíferos: Guarani, Bambuí e Urucuia. Além da sua importância para o
abastecimento da população, o ciclo da água no bioma é essencial para a maior
parte das lavouras brasileiras, que dependem das chuvas para sua irrigação.
Além disso, as secas mais extremas e as
mudanças climáticas que afetam o bioma têm atingido desproporcionalmente as
áreas úmidas do Cerrado. Com alta biodiversidade e papel fundamental na
manutenção de recursos hídricos, as áreas úmidas ocupam 6 milhões de hectares
no Cerrado - território maior que a do Estado da Paraíba - mas tem perdido
espaço para pastagens, agricultura, além da falta de uma legislação específica
para sua preservação.
De acordo com dados do MapBiomas, o Cerrado perdeu 500 mil
hectares de vegetação típica de áreas úmidas entre 1985 e 2023 – principalmente
para pastagem – o equivalente a uma redução de 7% de todas as áreas úmidas do
bioma.
“Temos
observado que as áreas úmidas no Cerrado estão secando. Ainda, a expansão da
agricultura sobre essas áreas vêm ocorrendo em algumas regiões no bioma, o que
pode afetar o abastecimento hídrico e resultar em escassez de água para a
população e para a agricultura, além de aumentar a vulnerabilidade a desastres
climáticos e a perda de biodiversidade”, alerta Joaquim Raposo, pesquisador do
IPAM.