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Coleta de material botânico em parcelas do projeto NewFor. Inventário de espécies de plantas é extremamente difícil de ser realizado e pode ser deixado para segundo momento de avaliação, segundo proposta de pesquisadores (foto: Rens Brouwer) |
Ausência de método para
classificar estágios da floresta em resolução vigente dá margem para supressão
de áreas que prestam importantes serviços ecossistêmicos. Segundo os autores,
alterações propostas tornariam medições mais acuradas e eliminariam etapa
custosa para proprietários e pouco efetiva
Um grupo de pesquisadores
apoiado pela FAPESP observou que critérios fundamentais para definir se uma
área de Mata Atlântica pode ou não ser suprimida por seus proprietários são
pouco claros. Com isso, podem dar margem para o desmatamento legal de áreas que
prestam importantes serviços ecossistêmicos.
O grupo propõe mudanças que
podem simplificar o processo de licenciamento para o proprietário, ao mesmo
tempo em que tornam a política de conservação mais efetiva. O estudo foi publicado na
revista Perspectives in Ecology and Conservation.
“A legislação, de modo geral,
determina que florestas em estágio inicial, com exceção das inclusas na área
obrigatória de conservação [Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente],
podem ser suprimidas em até 100%, a depender do caso”, explica Angélica Resende, primeira autora do
estudo, realizado como parte de seu pós-doutorado, com bolsa da FAPESP, na Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
“No entanto, resoluções como a
do Estado de São Paulo não determinam um método para fazer uma classificação do
estágio da floresta que realmente meça os atributos mais importantes dessas
áreas, o que dá margem a distorções”, completa.
Além do levantamento do estágio
de sucessão florestal, como é chamado esse critério, outro requisito nos
pedidos de autorização para supressão de Mata Atlântica é o inventário da flora
da área a ser desmatada, a fim de verificar a diversidade de espécies arbóreas
e a ocorrência de espécies ameaçadas de extinção.
No entanto, os autores
argumentam que a tarefa exige um grau de especialidade muito alto, uma vez que
o bioma tem um número muito elevado de espécies e os grupos vegetais variam
bastante de uma região para outra ou até numa mesma região. Isso torna
virtualmente impossível seguir a determinação à risca se não com um
especialista muito bem treinado.
Por isso, o grupo propõe
eliminar essa etapa numa primeira parte do pedido de autorização e aplicá-la
num segundo momento, apenas nos autorizados na fase inicial. Os levantamentos
seriam realizados por técnicos certificados ou a serviço do governo.
O estudo integra o projeto “Compreendendo florestas restauradas para o benefício das
pessoas e da natureza – NewFor”, apoiado pela FAPESP no âmbito
do Programa BIOTA e coordenado por Pedro Brancalion, professor da Esalq-USP.
“Existe uma necessidade de
conservar e restaurar mais, por conta dos compromissos firmados pelo Brasil e
pelo Estado de São Paulo em cumprir metas de emissão de gases de efeito estufa,
sem falar na prestação de outros serviços pelas florestas, como a polinização
das lavouras e a proteção de mananciais de água”, conta Brancalion.
Como está hoje, acrescenta, a
legislação é facilmente burlada, o que pode levar à supressão de florestas em
estágio avançado. Por fim, a norma é de compreensão bastante complexa para
proprietários de terra e técnicos.
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Remanescente em floresta ombrófila na região da Cantareira. Florestas primárias como essa prestam muitos serviços ambientais e são priorizadas para conservação (foto: Projeto NewFor) |
Legislação
Quando alguém pretende derrubar
uma área de Mata Atlântica de sua propriedade, seja para abrir uma nova área de
produção agropecuária ou de habitação, uma regra básica é que 20% do total da
propriedade tenha floresta. Essa é a chamada Reserva Legal, segundo a Lei de
Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal e promulgada
em 2012.
A Lei da Mata Atlântica, de
2006, determina os estágios de sucessão florestal e os usos autorizados dessas
florestas em todo o Brasil. Na esfera estadual, é determinado o quanto pode ser
suprimido de floresta entre os casos que se encaixam na lei federal.
Em São Paulo, a regra é
estabelecida pela Resolução 01/1994 do Conselho Nacional de Meio Ambiente
(Conama). Embora o Conama seja um órgão federal, a regra foi estabelecida em
conjunto com o Estado, que serviu de inspiração para outras unidades
federativas.
Se um proprietário já cumpre a
regra dos 20% de Reserva Legal, mais as Áreas de Proteção Permanentes (APPs),
como topos de morro, nascentes e margens de corpos d’água, e quer derrubar
outra parte ou toda a floresta “excedente”, pode pedir uma autorização para o
órgão ambiental estadual para realizar a supressão.
Para conseguir a licença, ele
contrata um técnico, que depois de um estudo da área emite um laudo para a
secretaria de meio ambiente do seu Estado. Um dos principais critérios para
autorizar o desmatamento legal é se a floresta for considerada nova, o que a
classifica como em “estágio inicial”.
Segundo a lei, uma floresta
nesse estágio, com árvores de até 8 metros de altura e troncos com diâmetros de
até 10 centímetros, não prestaria tantos serviços ecossistêmicos como uma
floresta primária.
As florestas primárias, ou em
estágios mais avançados, são conhecidas por abrigar um grande número de
espécies. Podem tornar o clima mais ameno, gerar água, estocar carbono e prover
polinizadores, entre outros serviços ecossistêmicos. Por isso, são tidas como
prioritárias para a conservação.
Problemas
Como a legislação não
especifica os critérios fundamentais para medir o estágio da floresta, alguém
que esteja cumprindo a regra pode, no limite, classificar erroneamente uma
floresta como em estágio inicial.
Isso porque um dos critérios
para determinar o estágio de sucessão florestal é a média de diâmetro dos
troncos em uma determinada área, sem que a legislação defina nem mesmo o
tamanho mínimo dessa área a ser inventariada. A legislação nem sequer
estabelece o diâmetro mínimo na altura do peito, parâmetro usado em trabalhos
científicos, por empresas florestais e mesmo em leis de outros Estados.
“Com isso, quem está fazendo o
inventário florestal pode escolher o diâmetro mais baixo, mesmo que esteja
cercado de árvores centenárias, baixando a média e alcançando o patamar para
que o desmatamento legal seja autorizado”, aponta Resende.
Num exemplo apresentado no
estudo, outro grupo de pesquisadores avaliou remanescentes
conservados e matas secundárias na Serra do Mar, uma das maiores áreas
contínuas de Mata Atlântica do Brasil. Foram encontradas árvores com uma média
de 12,7 centímetros de diâmetro e 9,1 metros de altura, considerando todos os
indivíduos acima de 4,8 centímetros de diâmetro.
“Se fossem seguidos os
parâmetros do Conama, essa floresta rica em biomassa poderia ser classificada
como em estágio inicial ou intermediária”, exemplifica Resende.
Propostas
Para superar deficiências como
esta, os pesquisadores propõem alterações na resolução do Conama seguida no
Estado de São Paulo. Uma delas é separar os tipos de floresta
(fitofisionomias), reconhecendo as diferenças naturais entre essas formações. A
partir daí, estabelecer um diâmetro mínimo para as árvores a serem
inventariadas.
Outra proposta é definir uma
área mínima de amostragem para determinar o estágio da floresta, como toda a
área em locais com menos de meio hectare ou 1% da área em terrenos acima de 5
hectares, por exemplo. Hoje, uma área desse tamanho pode ser avaliada com
apenas uma parcela de 10 metros quadrados, por exemplo.
Para uma revisão, um dos
possíveis caminhos a seguir seria a proposta apresentada na última parte do
artigo, que sugere que a avaliação seja feita em duas etapas. A primeira, pelo
próprio dono da terra, sem necessariamente precisar de um técnico.
O órgão ambiental estadual
então verificaria o histórico de uso e cobertura do solo dos últimos 40 anos
daquela área por meio de ferramentas disponíveis gratuitamente, como MapBiomas e Google
Earth, além de fotos feitas pelo requerente.
O órgão ambiental então
aprovaria ou não o pedido em primeira instância, encaminhando os aprovados para
uma segunda avaliação. Na segunda etapa, técnicos indicados pelo governo fariam
a avaliação florística, a fim de verificar o grau de biodiversidade e a
presença de espécies ameaçadas. Dessa forma, pouparia o proprietário de pagar
por um serviço que poucas pessoas têm condição de realizar com excelência.
Por fim, seriam avaliados
aspectos sociais e de paisagem, adotando um ou mais serviços ambientais como
indicadores. O foco seria não apenas na sociedade de modo geral, mas na
população local, mais afetada pela remoção da floresta, com a perda de serviços
ecossistêmicos como água, bem-estar e regulagem do clima.
“A Lei da Mata Atlântica foi
uma grande vitória para a sociedade brasileira. No entanto, um novo escopo
técnico é necessário para reforçá-la quase duas décadas após sua promulgação e
mais de três décadas depois da resolução estadual. O conhecimento sobre a Mata
Atlântica aumentou dramaticamente nos últimos anos e está disponível para
desenvolver regras mais efetivas e baseadas na ciência”, encerram os autores.
O estudo contou ainda com apoio
da FAPESP por meio do Núcleo de Análise e Síntese de
Soluções Baseadas na Natureza (BIOTA Síntese), do Centro de Ciência para o Desenvolvimento Estratégia Mata
Atlântica (CCD-EMA), além de bolsas de pós-doutorado (22/14605-0, 20/06734-0, 22/07712-5 e 23/00412-9).
O artigo How to enhance
Atlantic Forest protection? Dealing with the shortcomings of successional
stages classification pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2530064424000221.
André Julião
Agência FAPESP https://agencia.fapesp.br/estudo-propoe-mudancas-para-simplificar-legislacao-da-mata-atlantica-e-aumentar-a-conservacao/51688