Os esqueletos estão saindo, batendo os
ossos, chacoalhando tudo, tirando a paz de muita gente, fazendo um barulho
danado. Remexem a terra da Terra. São palavras não ditas, denúncias retomadas,
assédios e relações mal explicadas, sensações, vontades... O que vem mais por
aí?
Que momento interessante esse, uma espécie de expurgo antes de o
mundo se acabar. Um tipo de desabafo mundial, confissões do Apocalipse, ninguém
mais se segura. É um tal de línguas destravadas e mentes nebulosas dando o
que falar. Deve ter sido alguma chacoalhada astral, e parece que o epicentro
ocorreu em Brasília, não sei se o ar seco, a falta de água, se alguém pôs
alguma coisa na bebida de uns ministros (que droga será essa?)
Os olhinhos juntos do Ministro da Justiça, o Torquato, até se
realinharam quando, em entrevista, soltou cobras e lagartos aos pés do Corcovado,
do Rio de Janeiro. Sua boquinha mandou bala perdida para todo o alto escalão de
tudo; como quem não quer nada, já que em nada foi preciso nas acusações e
observações, lançou uma nuvem de raios sobre cabeças premiadas que, pelo menos
até agora quando escrevo, continuam apenas se batendo entre si. O lado acusado
não tem muito como se defender, com dados a seu favor. O outro, o atirador,
está fazendo que não é com ele. Pelo menos não disse que não disse o que disse.
- (Até o momento de fechamento do noticiário, o Ministro da Justiça
continuava no cargo. Fontes dizem que o seu chefe pediu que apenas ficasse
quieto. Fechasse o bico).
Aí vem doideira, total, coisa pra tratamento urgente - se é que
ainda há tempo: a Ministra dos Direitos Humanos, a Luislinda, entronada muito
mais como representante da mulher e dos negros, solicita, bem quietinha, que
seu pobre salário de mais de 30 mil possa ter somado com mais um, de outros 30
mil, mais os 3 e pouco. Total pretendido: sessenta e lá vai pedrada mil reais por
mês. Mas não foi assim só. Pediu. Pediu e justificou, entre outras alegando que
a negativa desse pedido seria como, parecida, lembraria, a escravidão. Revelada
a sua insanidade, percebido o barulho, voltou atrás. Vai ficar só com os 30 mil
e uns quebradinhos. E está muito infeliz e preocupada com isso. Como vai comer,
se vestir, ficar digna do sobrenome, só com esse troco? (Sim, quanto mais ela
se defendeu, mais disse insanidades, mais se afundou).
- (Até o momento de fechamento do noticiário, a Ministra dos
Direitos Humanos continuava no cargo. Fontes próximas ao Palácio comentam que o
chefe dela, depois de xingar muito, continua querendo rever o combate ao
trabalho escravo).
Acabou? Não! No meio de tudo isso, de um governo que toda hora
tropeça e perde um pedaço da razão, que está sendo mastigado lentamente por
aliados oportunistas, o Ministro da Economia, o Henrique, o único que parecia
trabalhar até agora, declara que é, sim, presidenciável. O que todo mundo já
sabia, claro. Mas que não era preciso dizer; não era hora; não tem cabimento;
não tem sentido, não ajuda ninguém.
- (Até o momento de fechamento do noticiário, o Ministro da Economia
continuava firme e forte no cargo. Assessores garantem que o presidente não
leu, não soube de nada, não foi informado sobre a declaração de seu ministro.
Caso contrário, se ficasse sabendo, claro que tomaria alguma providência. Faria
um biquinho, beicinho, quando o encontrasse).
E vocês aí querendo que o Brasil saia da crise... Mas somos
globalizados, e tem outro tema escancarado causando rebuliço: #assedio. Aí não foi
só o armário que se abriu. O tapete voou, as janelas se abriram, bateu vento
forte. Pra começar, no meio do glamoroso mundo do cinema. De onde se alastra
com rapidez para todas as áreas, ativando a memória das vítimas que certamente
estavam até agora tentando esquecer, e que agora exorcizam.
Quem já passou por isso sabe o quão doloroso é recordar. Assédios
sofridos quando ainda éramos crianças e que só entendemos o que era aquilo anos
depois. Assédios sofridos quando, já adultos, entramos no mercado de trabalho,
na Universidade, ou ainda apenas nos transportes coletivos. Atinge a todos, mas
muito especialmente as mulheres.
A gente só precisa tomar cuidado para que os esqueletos que estão
surgindo não tornem o assunto banal nem que o sentido de assédio seja
desvirtuado e vire carne de vaca. Se generalizado e usado toda hora como vem
ocorrendo com o “empoderar”, perderá o sentido, inclusive, tantas pessoas,
muitas personalidades, terem se exposto tanto como fazem agora.
Marli Gonçalves - jornalista – Acho que vem daí a antiga superstição de não dormir com a porta
do armário aberta. De lá saem fantasmas. O assédio sempre foi assunto bem sério
e recorrente no meio de imprensa. Se começar a lembrar... Deixa pra lá. Já foi.
Já perdi muito com isso.
São Paulo, 2017