Língua presa tem consequências na
amamentação, na fala, na respiração e até no beijo na boca
“Minha Pátria é minha Língua”. Muito além do
contexto de Fernando Pessoa, o desconhecimento a respeito das implicações da
alteração do freio da língua é universal. Conhecido tecnicamente como frênulo
alteradoe popularmente como “língua presa”, esta alteração(anquiloglossia)
avança sobre funções essenciais do indivíduo, seu desenvolvimento físico,
emocional e social,desde o nascimento e por todos os ciclos da vida.
“Todo mundo beija (ou deveria) e isso faz bem para
o corpo e a mente.Ter a língua presa dificulta e interfere muito nas nossas
relações, sexuais inclusive. Claro que não se resume a isso, mas não deixa de
ser um elemento social importante, assim como outras funções fundamentais, como
é o caso da amamentação”, diz a fonoaudióloga vice-presidente da Associação
Brasileira de Motricidade Oforacial (ABRAMO), Irene Marchesan.
Recuperar as funções orais básicas ajuda o
indivíduo a ter seu desenvolvimento e qualidade de vida completos – veja
informações complementares neste INFOGRÁFICO.
O frênulo alterado é uma anomalia que já está presente ao nascimento ocorrendo
quando uma pequena porção de tecido embrionário, que deveria ter sofrido
apoptose (morte celular programada) durante o desenvolvimento, permanece na
face inferior da língua, restringindo seus movimentos. A alteração prejudica as
funções orais, como alimentação (mastigação, deglutição, sucção), respiração e
fala.
O tratamento do frênulo alterado consiste em uma
simples cirurgia. São dois tipos de procedimentos: frenotomia, quando é dado um
corte/pique no frênulo (realizado em recém-nascidos), e frenectomia, quando
retira o frênulo, podendo haver necessidade de ponto cirúrgico (mais comum em
crianças maiores, adolescentes e em adultos). A cirurgia deve ser realizada por
um odontólogo ou médico.
No próximo dia 17 de fevereiro, Dia Mundial da
Motricidade Orofacial, serão realizadas atividades de conscientização para o
público leigo, numa iniciativa da Associação Brasileira de Motricidade
Orofacial (ABRAMO), em sintonia com
outras entidades coirmãs da América Latina, Europa, e Estados Unidos. “Em todo
mundo, o mote de divulgação das ações será ‘Língua Presa, Funções Orofaciais
Prejudicadas’, evidenciando que o fonoaudiólogo especialista em motricidade
orofacial poderealizar o diagnóstico clínico da alteração e seu impacto nas
funções, trabalhando em parceria com uma equipe multidisciplinar”, explica
Adriana Tessitore, Presidente da ABRAMO.
Beijo e usos diversos da língua
A limitação dos movimentos da língua, além da
amamentação, é extremamente prejudicial na sociabilização no trabalho,
principalmente para aqueles que lidam diretamente com o público, nas interações
pessoais e de incontáveis formas nas relações com parceiros, inclusive sexuais.
“Para homens e mulheres com frênulo alterado, o beijo é uma das queixas mais
comuns. Depois do procedimento cirúrgico, que é muito simples, a qualidade de
vida destes pacientes melhora significativamente. A relação com o parceiro muda
da água para o vinho”, explica a fonoaudióloga.
Alimentação e respiração
A língua começa a formar-se a partir da quarta
semana de gestação. Alteração do freio, membrana que fica na face inferior da
língua, pode restringir em diferentes graus seus movimentos. Estudos realizados
por fonoaudiólogos brasileiros e por especialistas internacionais apontam para
a relação direta da alteração do frênulo da língua com as dificuldades na
alimentação, pois interfere nos processos de sucção, mastigação e
deglutição.
Na amamentação, a falta de mobilidade da língua
reduzirá a eficiência da sucção no neonato, que aplicará mais força e impedirá
o ritmo correto das mamadas. Ainda que seja capaz de mamar, será fatigante e,
principalmente, ineficiente, pois terá necessidade de ser amamentado com maior
frequência.
A detecção precoce desta alteração, bem como o
procedimento cirúrgico, deve ocorrer ainda na maternidade, 48 horas após o
parto ou, no reteste, quando houver dúvida, 30 dias após o nascimento. O
frênulo alterado em bebês pode ocasionar o desmame precoce e a perda de peso da
criança.
“O teste da linguinha(¹), protocolo desenvolvido no
Brasil e hoje é adotado em diversos países, visa evitar a alimentação
inadequada e, consequentemente, todo o desenvolvimento da criança, até mesmo no
processo da fala”, explica Irene. A recomendação do procedimento em
recém-nascidos também tem respaldo internacional. A Sociedade Japonesa de
Pediatria (²) aponta evidências de que a frenotomia melhora as dificuldades de
amamentação em lactentes com anquiloglossia.
Apneia obstrutiva do sono
A relação entre o frênulo alterado e os problemas
do sono ainda está sendo investigada. Mas dois importantes artigos publicados
recentemente pelo médico Christian Guilleminault (³), da Divisão de Medicina do
Sono da Universidade de Stanford, indicam fortemente para essa possibilidade.
Fala
Um som é criado como resultado de vários movimentos
da língua e outros órgãos, assim como da respiração. A língua é um dos
elementos móveis do sistema de articulação, e toda mobilidade da língua é
necessária para produzir sons corretamente. Na alteração de fala, todas as
interferências devem ser avaliadas, dentre elas, o frênulo lingual.
Diagnosticada corretamente, aconduta terapêuticaserámais assertiva.
A alteração do frênulo é genética e acomete mais
homens do que mulheres. No caso da fala, estudos realizados em diversos países
identificam problemas idênticos. As principais alterações nos sons das palavras
(fonemas) são as pronúncias das letras “R”, “L”, “T”, “D” e “S”. “Recebemos
estudos de colegas de todo mundo e a alteração no frênulo da língua compromete
da mesma forma a pronúncia destas consoantes, em diferentes populações e
idiomas”, explica Irene Marchesan.
Embora a cirurgia ajude a corrigir as disfunções
relacionadas à fala e, posteriormente, a terapia com fonoaudiólogo seja
imprescindível, em adultos as dificuldades na produção dos sons da fala ainda
permanecerão. “Há uma melhora significativa dos movimentos da língua após a
cirurgia, mas a fala do paciente adulto não melhora por si só, porque ele criou
um padrão motor cerebral difícil de ser modificado, e que persistirá, ainda que
em um grau muito menor”, explica Irene. Por outro lado, a cirurgia em recém-nascidos,
na maternidade, ajuda no processo inicialdo padrão cerebral, com ganhos motores
desde o balbucio até o final da aquisição da fala.
A fonoaudióloga explica ainda que não são
indicadosexercícios para “movimentar” a língua como método corretivo, seja antes
ou após a cirurgia. A terapia realizada por fonoaudiólogos consiste no
restabelecimento adequado das funções orofaciais após o procedimento. Essa
intervenção tem ganhos significativos na produção da fala, assim como na
alimentação, respiração e em toda a cadeia que proporciona uma melhor qualidade
de vida ao paciente.
ABRAMO