Não é de hoje que a China vem chamando a atenção do
mundo com seu crescimento acelerado e forte investimento em inovação e
tecnologia. Mas, qual é o seu segredo e, o que o Brasil pode – e deve –
aprender com este país? Foi isso que tentei descobrir em uma imersão por
cidades como Pequim, Xangai e Guangzhou.
Primeiramente, vale uma rápida volta ao
tempo. Em 1995, o PIB do Brasil era de aproximadamente US$ 769 bilhões,
enquanto o da China era de US$ 735 bilhões. Curiosamente, esse foi o último ano
em que a economia brasileira superou a chinesa. Desde então, a China se tornou
uma potência, consolidando-se como a segunda maior economia do mundo. Na época,
os dois países eram, basicamente, exportadores de commodities.
Tanto que, em 2000, o PIB da China era de
aproximadamente US$ 1,2 trilhão, enquanto o do Brasil girava em torno de US$
645 bilhões – quase dobrou em apenas cinco anos. Na época, a economia chinesa
já era impulsionada por reformas econômicas e industrialização, enquanto o
Brasil enfrentava desafios como inflação e ajustes fiscais.
Para entender essa guinada na economia chinesa,
precisamos avaliar o contexto de cada país na década de 90. No Brasil, vivíamos
a redemocratização com a constituição de 1988; a primeira eleição direta após a
ditadura militar, que culminou no impeachment de Fernando Collor; a
implementação do Plano Real, em 1994, que controlou a hiperinflação que chegava
a quase 2.000% ao ano; a onda de privatizações, como Vale e Telebras; além da
globalização do mercado, com maior entrada de investimentos estrangeiros no
país.
Na China, após a morte de Mao Tsé-Tung, Deng
Xiaoping consolidou sua transição para uma economia de mercado, que eles
batizaram como “socialismo ao estilo chinês”, com taxas de crescimento anual
superior a 8%. O país se tornou um grande polo de manufatura, atraindo
investimentos estrangeiros e fortalecendo sua posição como "fábrica do
mundo". Ali, o país deixou de exportar apenas commodities,
incluindo produtos de maior valor agregado.
Boa parte deste fenômeno, se deve à criação das
Zonas Econômicas Especiais (ZEE), que são áreas com políticas e
regulamentações diferenciadas – como isenções fiscais, taxas alfandegárias
reduzidas e regulamentações comerciais mais flexíveis em comparação com o resto
da China – visando atrair investimento estrangeiro e promover o desenvolvimento
econômico. A abertura ao mundo também se deu com a entrada na OMC –
Organização Mundial do Comércio, em 2001.
Para atender aos padrões internacionais, a China se
tornou líder mundial em certificações ISO. Em 2000, o país tinha 25.657
certificações ISO 9001, de gestão da qualidade. Em 2022, esse número saltou
para 579.447 – um crescimento de 2.258%. O Brasil, no mesmo período, o número
foi de 6.719 para 17.589 – um crescimento de 262%. Ou seja, a China cresceu 10
vezes mais.
Mais preparado para vender ao mundo, o país viveu
uma grande abundância de empregos, o que fez com que milhões de pessoas
migrassem do campo para as cidades em busca de oportunidades. Hoje, a China é o
país com o maior número de metrópoles, registrando 19 cidades com mais de 5
milhões de habitantes. A demografia é uma das vantagens competitivas, tendo uma
população de 1.42 bilhão de habitantes. No Brasil, somos em 220 milhões.
Óbvio que nem tudo são flores por lá. O Partido
Comunista Chinês exerce forte controle sobre a sociedade, o que representa uma
linha tênue entre expansão econômica e liberdade de expressão. A população
chinesa está envelhecendo rapidamente, o que pode afetar a força de trabalho. A
guerra comercial e as sanções impostas pelos Estados Unidos também são um
desafio.
Ainda assim, em 2024, o PIB do Brasil cresceu 3,4%,
chegando a R$ 2,18 trilhões. Já o PIB da China cresceu 5,4%, com US$ 18,27
trilhões, mantendo-se como a segunda maior economia mundial. Em suma, de 1995 a
2024, o PIB do Brasil cresceu 283%, enquanto o da China, 2.485%.
O motivo? Com certeza, não há um único. Mas,
algumas pistas nos mostram como dois países que tinham o mesmo desempenho
econômico em 1995, têm realidades completamente diferentes 30 anos depois. O
que mais chama atenção é o fato de que a China tem planos de longo prazo,
estruturado principalmente em planos quinquenais, que cobrem períodos de cinco
anos e definem metas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social do
país. Além disso, o governo chinês também estabelece objetivos de
desenvolvimento para 15 anos, como o plano de crescimento sustentável até 2035,
garantindo continuidade e, ao mesmo tempo, adaptação às mudanças globais.
Outro diferencial é a educação, conhecida por seu
rigor, disciplina e seletividade. O sistema educacional é estruturado em
diferentes níveis, com exames complexos para avançar de etapa. Para entrar no
ensino secundário, os estudantes precisam passar pelo exame Xiaokao. Depois de
três anos, enfrentam o Zhōngkao, que define se irão para o ensino médio ou para
escolas profissionalizantes. Para ir para a universidade, é preciso enfrentar o
Gaokao, um exame nacional considerado um dos mais difíceis do mundo.
Mais bem preparada, a mão de obra do país tem mais
capacidade de inovar. Os chineses são tradicionalmente inovadores, tendo sido
os criadores do papel, pólvora, bússola, porcelana, impressão, papel moeda e
até do macarrão – que muitos pensam ser italiano. O país investe em exploração
espacial, veículos elétricos, tecnologia de vigilância, varejo, internet e vem
assumindo protagonismo na era da IA.
Não à toa, a China é o país que com maior formação
de profissionais STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics). Por
ano, são formados 1.5 milhões de engenheiros. Nos EUA, são cerca de 250 mil. No
Brasil, 100 mil. O país também lidera na formação de doutores. Em média, são 50
mil, contra 700 mil nos EUA e 15 mil no Brasil.
Resumindo, a China deixa lições importantes ao Brasil no que tange educação e planejamento. Basicamente, o segredo do sucesso por lá foi o tripé: cultura, processos e tecnologia. Primeiro, o investimento na formação das pessoas. Depois, em processos e padrões, o que faz com que os chineses sejam altamente produtivos e eficientes. Não por acaso, o PIB cresceu 10 vezes em 30 anos – a mesma proporção do crescimento em certificações ISO. Com uma base forte, fica muito mais simples desenvolver tecnologia que vai automatizar, escalar e acelerar resultados positivos. Ao que tudo indica, a fórmula está aí. É uma questão de testar e adaptar à nossa realidade.
Alexandre Pierro - mestre em gestão e engenharia da inovação, engenheiro mecânico, bacharel em física e especialista de gestão da PALAS, consultoria pioneira na implementação da ISO de inovação na América Latina.
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