Tecnologia
que utiliza material genético de três pessoas já resultou no nascimento de
crianças saudáveis no Reino Unido e reacende debate sobre aplicação no Brasil
A medicina reprodutiva deu um importante passo no combate às
doenças mitocondriais — distúrbios genéticos raros, potencialmente graves e sem
cura, que afetam cerca de 1 a cada 8 mil indivíduos. Técnicas avançadas de
fertilização in vitro (FIV) já permitem substituir mitocôndrias com mutações
por mitocôndrias saudáveis de uma doadora, prevenindo a transmissão dessas
doenças para os filhos.
As mitocôndrias são organelas presentes no interior das células,
responsáveis por gerar energia para o organismo — uma espécie de “usina
celular”. Elas possuem DNA próprio, e alterações nesse material genético podem
comprometer diversas funções do corpo. Entre as doenças causadas por mutações
no DNA mitocondrial (mtDNA), estão a neuropatia óptica hereditária de Leber
(LHON) e a síndrome NARP, que afeta músculos e coordenação motora.
“Até pouco tempo, mulheres com risco de transmitir doenças
mitocondriais enfrentavam decisões muito difíceis, como abrir mão da gestação
genética ou utilizar óvulos doados”, explica o médico Álvaro Cecchin,
presidente da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). “Agora, com
a terapia de substituição mitocondrial, temos uma alternativa real para que
essas mulheres tenham filhos biológicos sem o risco de transmitir essas
condições.”
A técnica, conhecida como terapia de substituição mitocondrial
(TSM), envolve procedimentos como a transferência de fuso (MST) e a
transferência pronuclear (PNT). Em ambos os casos, o DNA nuclear da futura mãe
é inserido em um óvulo saudável de uma doadora, que possui mitocôndrias
funcionais. O embrião resultante é fertilizado com o sêmen do parceiro e contém
o DNA nuclear dos pais biológicos e o DNA mitocondrial da doadora.
O Reino Unido foi pioneiro na regulamentação e aplicação clínica
da técnica, que, recentemente, resultou no nascimento dos primeiros bebês
livres de doenças mitocondriais por meio da TSM.
“Trata-se de um avanço extraordinário, mas que ainda exige
cautela”, alerta Cecchin. “No Brasil, a aplicação desse tipo de técnica precisa
passar por um protocolo de pesquisa e ser previamente autorizada pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Uma vez comprovada sua eficácia e
segurança, podemos discutir sua incorporação à prática clínica.”
Além do desafio ético e regulatório, a tecnologia também abre
espaço para discussões sobre o futuro da reprodução humana, os limites da
intervenção genética e o acesso equitativo a tratamentos de alta complexidade.
Para a SBRA, o papel da ciência é oferecer possibilidades — com
responsabilidade, embasamento técnico e foco na saúde das famílias.

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