![]() |
Quanto mais cedo o tratamento for iniciado, mais lenta tende a ser progressão da doença Freepik |
Estudo conduzido na Unifesp comparou o desempenho de pessoas diagnosticadas com afasia primária progressiva e indivíduos saudáveis, identificando as principais tarefas que podem sinalizar a presença da síndrome
A dificuldade de encontrar as
palavras ou o costume de trocá-las por outras parecidas semanticamente – como
faca e cortador – ou fonologicamente – como faca e vaca – tendem a ser os primeiros
sintomas de um tipo de demência conhecido como afasia primária progressiva
(APP). Outro sinal é uma sutil dificuldade para elaborar frases, evidenciada
por erros de concordância verbal e nominal nunca antes cometidos ou inversão na
ordem das palavras, por exemplo. Podem ainda surgir erros de escrita
(disgrafia) e dificuldades de leitura (dislexia), de modo que escrever e ler
passam a ser tarefas com dificuldade progressiva, assim como expressar ideias e
pensamentos.
A afasia primária progressiva é
uma doença neurodegenerativa rara e de difícil diagnóstico, que afeta
inicialmente questões relacionadas à linguagem, impactando a comunicação, e
evolui para alterações cognitivas mais graves, podendo progredir de modo
similar à doença de Alzheimer ou outros tipos de demência. O diagnóstico
neurológico dessa síndrome demencial demanda uma análise completa, que, além
das questões de linguagem e comunicação, envolve outras funções cognitivas.
Agora, um estudo apoiado pela FAPESP e publicado na revista PLOS ONE mostrou que essa condição
pode ser detectada precocemente por meio de um conjunto de testes
fonoaudiológicos conhecidos como Bateria Montreal Toulouse de Avaliação e
Linguagem (MTL-BR).
“A possibilidade de
diagnosticarmos precocemente e com mais precisão é uma ótima notícia, pois,
quanto mais cedo o tratamento for iniciado, mais lenta tende a ser progressão
da doença. Quanto mais precoce for a reabilitação, maior a chance de o paciente
conseguir manter as habilidades comunicativas, de fala, leitura e escrita, por
mais tempo. Mas é claro que não estamos falando de um diagnóstico completo,
apenas de uma parte da avaliação capaz de permitir a identificação de pacientes
que precisam de maior acompanhamento e atenção”, afirma Karin Zazo Ortiz, professora do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp) e autora correspondente do artigo.
No estudo, os pesquisadores avaliaram
87 indivíduos, sendo 29 deles com diagnóstico de afasia primária progressiva e
58 saudáveis, pareados por idade e grau de escolaridade.
“Comparamos o desempenho dos
participantes com e sem a síndrome em um vasto número de tarefas que envolvem
distintos processamentos linguísticos. Com isso, observamos diferenças
marcantes em algumas tarefas e, nessa etapa do trabalho, conseguimos
identificar quais são os testes mais relevantes entre as 22 tarefas que
constituem a bateria MTL-BR”, conta Ortiz.
Por se tratar de uma bateria
muito extensa e completa, diz a pesquisadora, a identificação dos testes-chave
pode contribuir para simplificar a avaliação, tornando a detecção preliminar
mais rápida e acessível.
De acordo com os resultados, as
tarefas em que os pacientes com afasia primária progressiva apresentaram pior
desempenho no MTL-BR foram: entrevista dirigida, compreensão oral de frases,
discurso narrativo oral, compreensão escrita de frases, ditado, repetição de
frases, fluência verbal semântica, nomeação de substantivos e verbos,
manipulação de objetos por comando verbal, fluência verbal fonológica,
reconhecimento de partes do corpo e orientação esquerda-direita, nomeação
escrita de substantivos, compreensão de texto oral, ditado numérico,
compreensão de texto escrito e cálculo numérico (mental e escrito).
Ortiz explica que a bateria de
testes foi escolhida como objeto de estudo por fornecer uma avaliação ampla da
compreensão e da produção oral (fala) e escrita, além de ser o único teste
validado existente no Brasil para distúrbios de linguagem adquiridos de origem
neurológica.
A pesquisa segue agora para uma
nova etapa, que tem por objetivo identificar quais seriam as tarefas
linguísticas mais importantes para a identificação de cada variante da
síndrome.
Variantes
A perda parcial ou total da
capacidade de compreensão e expressão da linguagem falada ou escrita ganhou os
holofotes em 2022, com a divulgação do quadro de afasia do ator hollywoodiano
Bruce Willis, que depois evoluiu para demência frontotemporal. No mesmo
ano, o cartunista brasileiro Angeli anunciou seu afastamento profissional
devido à síndrome.
A afasia primária progressiva é
uma condição diferente do quadro de afasia, que pode surgir em decorrência de
acidente vascular cerebral (AVC), tumores cerebrais e traumatismos
cranioencefálicos. A APP integra o conjunto de doenças conhecidas como
demências, acomete a parte frontotemporal do cérebro e é considerada ainda mais
agressiva que a doença de Alzheimer.
Mesmo assim, existe uma
dificuldade em diagnosticar a APP, sobretudo pelo fato de os sintomas iniciais
poderem ser muito parecidos com os de outras síndromes demenciais – embora haja
um comprometimento muito maior da linguagem em relação a outros domínios
cognitivos. Outro fator dificultador é a heterogeneidade dos casos. “Apesar da
importância da linguagem no que diz respeito ao diagnóstico diferencial de
doenças neurodegenerativas, ainda há uma carência de ferramentas de avaliação
da linguagem para todos os tipos de demência, incluindo a afasia progressiva
primária”, diz.
Para dificultar ainda mais o
diagnóstico, existem quatro subtipos de APP. Uma das variantes é a afasia
progressiva primária não fluente ou agramática, marcada pela alteração da
estrutura sintáxica das sentenças, dificuldade para entender frases complexas e
que pode vir acompanhada de um quadro de apraxia de fala, em que o paciente
comete erros na fala por falhas de planejamento motor.
Outra variante é a afasia
progressiva primária semântica, caracterizada pela dificuldade em compreender
palavras devido ao comprometimento semântico, anomias e dificuldade em ler e
escrever palavras irregulares. A afasia progressiva primária logopênica é
considerada mais parecida com a demência por doença de Alzheimer e, nesses
casos, o paciente apresenta dificuldades de compreender conteúdos longos e
comete trocas e omissões de sons na fala.
Há ainda a APP mista ou não
classificável, marcada por alterações de linguagem em que não se identifica um
perfil linguístico específico porque ou os pacientes não apresentam as
características previstas para uma das variantes ou eles possuem
características de várias das variantes, dificultando o diagnóstico específico
de uma delas.
“E é nesse sentido que o nosso
estudo contribui para o diagnóstico, pois permite identificar precocemente as
alterações na linguagem, evidenciando as diferenças entre o quadro de afasia
progressiva primária e as demais síndromes demenciais”, afirma Ortiz.
O artigo Language assessment in primary progressive aphasia: Which components should be tested? pode ser lido em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0318155.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/testes-fonoaudiologicos-permitem-detectar-precocemente-tipo-raro-de-demencia-que-afeta-a-linguagem/54453
Nenhum comentário:
Postar um comentário