Como se sabe, o Imposto sobre as Operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é um tributo plurifásico, não cumulativo, que incide desde a produção, até a comercialização das mercadorias ao consumidor final.
O elevado número de contribuintes presentes em uma mesma cadeia comercial e a evasão fiscal promovida pela informalização de determinados setores desafia, constantemente, Estados e o Distrito Federal a buscarem mecanismos de controle da arrecadação. As sistemáticas arrecadatórias se tornam, assim, importantes ferramentas, pois permitem centralizar o momento ou a pessoa responsável por realizar o recolhimento do imposto, facilitando o trabalho fiscal.
Dentre essas sistemáticas destacam-se a antecipação tributária e a substituição tributária. Enquanto a primeira consiste na possibilidade de o tributo ser cobrado de forma antecipada em relação à materialização do fato gerador, a segunda refere-se à transferência da responsabilidade pelo pagamento do tributo a um terceiro, não relacionado à ocorrência do fato imponível.
Ambas estão fundamentadas no § 7º do art. 150 da Constituição Federal (CF), que prevê que a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
No entanto, acerca da substituição tributária, a Magna Carta esclarece, na alínea “b” do inciso XII, do § 2º de seu artigo 155, tratar-se de matéria reservada à lei complementar.
Ou seja, enquanto para a instituição da antecipação do ICMS é necessária a prévia edição de uma lei ordinária, a instituição de substituição tributária depende de edição de lei complementar. Porém, em ambos os casos, é substancial a existência de lei, em sentido estrito.
Passando-se à análise da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), nota-se que, em consonância com a Constituição, seu art. 6º prevê a possibilidade de a lei estadual (em sentido estrito) atribuir, a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título, a responsabilidade pelo seu pagamento (em relação a uma ou mais operações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes), hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. No entanto, o dispositivo estabelece a necessidade de a lei estadual (também, em sentido estrito) indicar expressamente as mercadorias, bens ou serviços que estariam relacionados à tal atribuição de responsabilidade.
Já no art. 7º da Lei Kandir, o legislador permite que se considere a entrada da mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado como fato gerador, para efeito de exigência do imposto por substituição tributária.
A par dessas considerações, o
Estado de São Paulo, por sua vez, editou o artigo 426-A do RICMS/SP,
acrescentado pelo Decreto nº 52.742/2008, prevendo que, na entrada das
mercadorias listadas nos arts. 313-A a 313-Z20 do RICMS, procedentes de outras
unidades da Federação, o contribuinte paulista que conste como destinatário no
documento fiscal deverá efetuar antecipadamente o recolhimento (i) do
imposto devido pela própria operação de saída da mercadoria; e, (ii) em
sendo o caso, do imposto devido pelas operações subsequentes, na condição de
sujeito passivo por substituição.
Buscando a validade dessa exigência (sobretudo considerando as diretrizes estabelecidas pela CF e pela Lei Kandir), o Estado paulista alega que o art. 426-A do RICMS teria respaldo no § 3º-A do artigo 2º da Lei Estadual nº 6.374/89, que indica a possibilidade de exigência do pagamento antecipado do imposto, conforme disposto no regulamento do ICMS, relativamente a operações, prestações, atividades ou categorias de contribuintes, na forma estabelecida pelo Poder Executivo.
Contudo, uma análise mais atenta da Lei Estadual nº 6.374/89 permite concluir que suas disposições não são suficientes para conferir validade ao art. 426-A do RICMS. Isso, porque, primeiramente, o § 3º-A do artigo 2º da Lei nº 6.374/89, invocado pelo Fisco Paulista, traz conteúdo genérico e não específica as mercadorias que seriam alvo da exigência antecipada do imposto (como exigido pela Lei Kandir).
Mas, mesmo estendendo a análise a outros dispositivos da Lei nº 6.374/89, conclui-se que a antecipação pretendida pelo art. 426-A não encontra, de fato, previsão expressa em lei.
Apenas para fins de compreensão, veja-se, por exemplo, a tributação de eletrônicos (que estão listados dentre os bens sujeitos à sistemática do art. 426-A). Embora a Lei Estadual nº 6.374/89 estabeleça, em seu artigo 8º, inciso XLI, que as operações envolvendo eletrônicos estariam sujeitas à sistemática de substituição tributária, em nenhum momento tal Lei previu expressamente a obrigação de pagamento antecipado de ICMS por ocasião da entrada dessas mercadorias nos estabelecimentos adquirentes.
E muito menos há previsão nesse sentido em lei complementar, haja vista que o único caso em que o próprio legislador complementar atribuiu responsabilidade ao estabelecimento adquirente pelo recolhimento antecipado do imposto na entrada das mercadorias refere-se às operações envolvendo combustíveis, derivados de petróleo e energia elétrica, nos termos do art. 8º, XII da Lei Kandir.
Assim, embora o art. 426-A do RICMS estabeleça a antecipação do recolhimento do ICMS próprio e do ICMS-ST em operações com eletrônicos, essa imposição viola a legalidade tributária, haja vista que feita apenas com base de decreto, quando a Constituição exige a edição de lei ordinária para a antecipação do ICMS próprio e, de lei complementar, para antecipação do ICMS-ST.
Corroborando tal alegação, o
Supremo Tribunal Federal, ao analisar dispositivo de decreto gaúcho (que
continha redação muito similar ao art. 426-A do RICMS/SP), quando do julgamento
do RE 598.677/RS, recebido sob a sistemática de Repercussão Geral (Tema 456),
fixou a seguinte tese: “A antecipação, sem substituição tributária, do
pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita
de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS
reclama previsão em lei complementar federal”.
Na ocasião, o STF compreendeu, à luz dos artigos 150, § 7º, e 155, § 2º, VII e VIII da CF, que a cobrança antecipada de ICMS, da forma como prevista no decreto gaúcho, incorre em ofensa ao princípio da reserva legal, sendo tal lógica plenamente aplicável ao caso da legislação paulista.
Tanto é assim que já se verificam diversos precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, analisando o art. 426-A do RICMS/SP, adotaram, de forma análoga, o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 456 (a exemplo dos recentes julgados do Agravo 1033853-18.2023.8.26.0053, da Apelação 1019345-67.2023.8.26.0053 e da Apelação 1060284-88.2023.8.26.0506, todos ocorridos em setembro de 2024).
Apesar disso, o fisco paulista parece pouco se importar com o cenário jurisprudencial que vem se desenhando e segue realizando diversas autuações com base no art. 426-A do RICMS/SP. Assim, é recomendável que os contribuintes busquem o Poder Judiciário, ainda que de forma preventiva, para afastar as exigências contidas no art. 426-A do RICMS/SP, se valendo, para tanto, do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Repercussão Geral.
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