Pesquisa da Varejo 360 revela que 27%
dos apostadores online deixaram de adquirir bens essenciais, como pagar contas
de água e condomínio, e 35%, bens não essenciais, como roupasFreepik
A bola da vez nas conversas entre
varejistas é a popularização das chamadas bets, as plataformas de apostas
online, principalmente em eventos esportivos. E faz sentido.
Se a economia exibe alguns indicadores
sob controle, como emprego, inflação e inadimplência, por que, diferentemente
do que já se viu no país, algumas redes não sentem efeito em vendas?
Uma pesquisa online com pouco mais de
2,3 mil pessoas realizada de 23 a 29 de agosto pela Varejo 360, por meio de seu
aplicativo, dá pistas nada favoráveis aos varejistas.
48% dos entrevistados declararam que já
fizeram apostas em plataformas online, como Betano ou a Betnacional.
35% dos apostadores declararam que as
apostas afetaram os gastos não essenciais, como a aquisição de roupas,
calçados, eletrodomésticos e idas a restaurantes e espaços de lazer.
27% informaram que as apostas atingiram
os gastos essenciais, como compras em supermercados e pagamento de aluguel,
condomínio, contas de água, energia e telefone.
A pesquisa, que abrangeu 719 cidades do
país, também identificou que há divergências em relação aos impactos nos gastos
na percepção de apostadores e de seus familiares.
A pergunta feita na pesquisa foi a
seguinte: Você acha que as bets e/ou os jogos de azar online já causaram
impactos nos gastos essenciais?
Enquanto que para 27% dos apostadores a
resposta foi sim, no caso de seus familiares (que residem no mesmo domicílio),
a resposta foi afirmativa para 52% deles.
Quanto aos gastos não essenciais, as
respostas seguiram a mesma lógica. A declaração foi sim para 35% dos
apostadores e para 58% dos familiares.
“Essas respostas revelam que o
apostador tem dificuldade de admitir que está perdendo dinheiro com apostas,
que já podem ter virado vício”, diz Fernando Faro, COO da Varejo 360.
A consulta identificou ainda que 38%
dos apostadores online declararam que mais perderam do que ganharam, 27%
informaram que não ganharam nem perderam, 26% que mais ganharam do que perderam
e 10% preferiram não responder.
GASTOS
Os gastos com apostas, de acordo com a
pesquisa, em sua maioria (69% dos entrevistados), vão até R$ 50 mensais. Outros
18% declararam que gastam entre R$ 50 e R$ 100 por mês.
Valores acima de R$ 400 foram
mencionados por 5% do universo de apostadores da pesquisa.
“A partir das repostas, avaliamos que
os gastos mensais no país superam R$ 1,4 bilhão, podendo chegar facilmente em
mais de R$ 3 bilhões”, diz Faro.
Nos cálculos da Varejo 360, uma empresa
de inteligência e pesquisa de mercado, dá para estimar que os gastos com bets
podem variar de R$ 16,8 bilhões a R$ 38,4 bilhões por ano.
Esses números consideram principalmente
que, da população economicamente ativa, 9% são apostadores regulares e 21%,
eventuais.
Essa estimativa, diz ele, parece ser
razoável, considerando os gastos com apostas nas loterias da Caixa, que somaram
R$ 23,4 bilhões no ano passado.
Recente relatório divulgado pelo banco
Itaú estima gasto líquido com apostas em R$ 24 bilhões por ano no Brasil e
receita anual variando entre R$ 8 bilhões e R$ 20 bilhões.
O gasto com marketing também está
avaliado na casa de bilhões de reais, entre R$ 5,8 bilhões e R$ 8,8 bilhões, de
acordo com o banco Itaú.
“Há de se considerar que uma parte
relevante dos ganhos com apostas esportivas e jogos de azar online vai
novamente para apostas, o que dificulta a apuração do impacto líquido preciso.”
É provável, de acordo com ele, que o
volume de apostas nas loterias e também no Jogo do Bicho tenha sido afetado por
conta das bets.
Isso porque 24% dos apostadores que
também apostavam em loterias e ou Jogo do Bicho informaram que reduziram as
apostas nessas duas modalidades.
No caso das loterias da Caixa, esta
redução não é positiva, de acordo com Faro, já que 47% dos valores arrecadados
são repassados para programas sociais.
“Embora seja uma contravenção, milhares
de pessoas sustentam os seus lares no Brasil também com a informalidade do Jogo
do Bicho.”
A pesquisa também identificou que 20%
dos apostadores de bets e 24% dos de jogos de azar online não realizam apostas
nas loterias da Caixa.
“Isso é uma forte evidência de que
essas novas modalidades avançam sobre uma parcela da população que não estava
habituada a apostar”, afirma.
Como não existem dados históricos e
públicos, diz ele, ainda não é possível dizer se está ocorrendo um aumento de
apostadores eventuais e regulares.
“Mas, observado os investimentos de
publicidade das casas de apostas, é muito provável que isso já esteja
ocorrendo”, afirma.
20% dos entrevistados que nunca
apostaram ou apostaram uma só vez por curiosidade declararam que têm um
familiar no mesmo domicílio que aposta com frequência e 42% deste universo
avaliaram que este hábito do familiar já pode ser considerado um vício.
PRESSÃO
Diante deste cenário, entidades do
varejo estão se mobilizando para pressionar o governo a adotar normas severas
para apostas esportivas online, na tentativa de evitar um impacto maior no
consumo e na economia.
Algumas das sugestões já feitas são
limitações no uso de cartão de crédito e na liberação de empréstimos
consignados atrelados ao pagamento de dívidas com jogos.
José Eduardo Carvalho, diretor da rede
de supermercados Violeta, com 10 lojas, diz que os números bilionários
estimados de gastos com apostas online assustam qualquer varejista.
“Todo o dinheiro que sai de um lugar e
vai para outro, alguém perde receita. Existe uma preocupação grande do varejo
com o crescimento do mercado de apostas”, afirma.
Carvalho diz que já vivenciou com
próprios funcionários o reflexo do vício nas apostas.
“Um funcionário foi demitido porque já
estava devendo até para agiota, que vinha cobrá-lo na porta da loja”, diz.
Outro empregado da rede pediu demissão
para pegar o dinheiro e apostar. “No começo todo mundo ganha, depois que a
pessoa vicia, começam as perdas”, diz.
A pesquisa da Varejo 360 identificou que
86% dos que apostam em jogos online declararam que já ganharam alguma vez.
Para Faro, seguramente, essa é uma das
principais causas das apostas se transformarem em um vício.
O próprio apostador, porém,
praticamente não associa as apostas como um vício e, sim, como diversão.
Neste tópico, a pergunta da pesquisa
foi a seguinte: quais dessas palavras refletem mais adequadamente a sua
necessidade de realizar apostas online?
Diversão foi a mais citada, com 47%.
Outras palavras foram: esperança (44%), ambição (21%), emoção (19%), vício
(13%), alegria (11%), euforia (10%) e desespero (9%).
“Essas palavras escolhidas por parte
dos apostadores refletem que já existem alguns sinais de reconhecimento de que
as apostas podem estar saindo do seu próprio controle”, diz Faro.
Outro ponto que demonstra um sentimento
do impacto do vício: 37% dos apostadores de bets e 39% dos de jogos de azar
online disseram ser favoráveis à proibição.
“Com base na pesquisa, podemos afirmar
que o Brasil vive uma epidemia deste tipo de aposta e que as consequências para
o país, para a sociedade e para a economia, infelizmente, além de incertas, não
são otimistas sobre qualquer ângulo que este problema seja analisado”, diz
Faro.
A pesquisa também revelou que a
sociedade está dividia entre proibir (47%) e permitir (53%) as apostas no país.
REGRAS
No final de 2023, a Lei 14.790, que
regulamenta o mercado de apostas esportivas e jogos online no país, estabeleceu
uma taxa de 12% sobre o faturamento das bets.
As empresas podem ficar com 88% do
faturamento bruto para o custeio da atividade.
Dos 12%, 2% serão destinados à
Contribuição para a Seguridade Social e 10%, divididos entre as áreas de
educação, saúde, turismo, segurança pública e esporte.
Cerca de 100 empresas, que terão de
pagar R$ 30 milhões à União para funcionar por três anos, já estão cadastradas
para explorar este mercado.
Em maio, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, criada no início deste ano, publicou uma portaria para que as plataformas de apostas online possam atuar no país. As regras valem a partir de janeiro de 2025.
Fátima Fernandes
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/bets-ja-comprometem-compras-em-supermercados-e-aluguel
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