Na Estação Ecológica do Barreiro Rico, em Anhembi, abordagens distintas são compartilhadas entre pesquisadores a fim de compreender a relação da floresta com o muriqui-do-sul e conectar populações por meio de corredores ecológicos. Prevenção dos incêndios na área fez com que grupo voltasse a prosperar após quase desaparecer
Cercada de pastagens, plantações de cana-de-açúcar, eucalipto e laranja, uma área de 292 hectares no interior de São Paulo abriga cinco dos cerca de 1.300 indivíduos remanescentes na natureza de muriqui-do-sul, ou mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides). Junto com o muriqui-do-norte (B. hypoxanthus), os mono-carvoeiros representam os maiores primatas das Américas, endêmicos da Mata Atlântica e exclusivos do território brasileiro.
Observar do chão a
família residente na Estação Ecológica do Barreiro Rico, uma unidade de
conservação integral estadual criada em 2006, não é fácil para os humanos,
primatas que há muito perderam a habilidade de escalar árvores com destreza.
Por isso, numa manhã de
agosto, a doutoranda Beatriz Robbi, do Laboratório de Manejo e Conservação de
Fauna, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), sobrevoa a copa das árvores com
um drone. O pequeno veículo aéreo guiado por controle remoto é dotado de um
sensor termal e de uma câmera.
No começo da manhã e no
fim da tarde, quando as temperaturas são mais amenas e os galhos e folhas estão
mais frios, é mais provável detectar os muriquis pelo calor emanado de seus
corpos, de braços alongados e barriga protuberante.
Com autonomia de 20
minutos em cada bateria (são quatro no total), o drone percorre grande parte da
área. Quando detecta os muriquis, é possível ir até eles no meio da floresta.
Então pode-se observar se estão juntos ou separados, o que estão comendo, se
estão se reproduzindo, se têm filhotes ou fêmeas grávidas, entre outras
informações. As coletas de dados vão até o final do dia, quando param para
dormir. Nenhum foi detectado quando a equipe da Agência FAPESP esteve
no local nos dias 21 e 22 de agosto de 2024.
“No total, são 12
indivíduos conhecidos na chamada Área de Proteção Ambiental do Barreiro Rico,
que junto com a Estação Ecológica compõe um mosaico de cerca de 30 mil
hectares, com fazendas, empresas e fragmentos de Mata Atlântica. No caminho
entre essas porções de floresta, porém, existem estradas, fios de alta tensão,
plantações, pastagens e construções, o que atrapalha, quando não impossibilita,
os grupos de se encontrarem e se reproduzirem entre si”, explica Robbi.
Conectar a população de
muriquis é essencial para a conservação da espécie. Medidas para a sua
conservação podem contribuir especialmente com as outras quatro espécies de
primatas presentes na área: bugio-ruivo, macaco-prego, sagui-da-serra-escuro e
sauá. E também com as mais de 200 espécies de aves e mais de 30 de mamíferos
terrestres, como quatis, jaguatiricas, onças-pardas, tamanduás-bandeira,
queixadas e catetos.
A principal forma de
fazer a ligação da área com outros remanescentes são os chamados corredores
ecológicos, florestas que conectem os fragmentos de Mata Atlântica então
isolados. Esse é o objetivo de um grupo de pesquisadores, ONGs e da Fundação
Florestal, órgão que administra as unidades de conservação do Estado de São
Paulo.
Restauração
Segundo Luana Carvalho,
mestranda no Laboratório de Silvicultura Tropical (Lastrop) da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que
também desenvolve pesquisa no local, por meio do estudo da ecologia da paisagem
e de sensoriamento remoto será possível identificar os fragmentos florestais de
maior valor ecológico para o muriqui, ou seja, aqueles que ainda possuem
qualidade para sua reprodução, alimentação e abrigo.
“A partir disso, poderemos determinar onde e como conectar esses fragmentos. Estamos priorizando espécies arbóreas importantes para a alimentação e uso pelo muriqui, o que nos permitirá orientar uma restauração florestal focada nessa espécie. Assim, poderemos criar corredores ecológicos que, além de expandir a cobertura florestal, oferecerão os recursos alimentares necessários, respeitando as exigências de cada espécie arbórea”, afirma.
Pesquisadores estão coletando
dados das plantas mais usadas pelos muriquis-do-sul na região de Anhembi.
Objetivo é guiar reflorestamento que deve conectar fragmentos de Mata Atlântica
(foto: Beatriz Robbi/UFV)
Seu projeto, orientado
por Edson Vidal, um dos coordenadores do
Lastrop e professor na Esalq-USP, busca entender a estrutura da floresta e como
ela sustenta as espécies. A área estudada é parte dos 4% remanescentes de
floresta estacional semidecidual que restam na Mata Atlântica. Mais seca do que
a floresta ombrófila, fitofisionomia mais conhecida por áreas como a Serra do
Mar, por exemplo, a estacional semidecidual perde parte das folhas durante os
meses de seca como forma de conservar água nas plantas.
A restauração planejada
na região faz parte do projeto Corredor Caipira,
iniciativa financiada pela Petrobras que visa estabelecer corredores ecológicos
para conectar o território.
“O projeto busca
justamente reconectar os fragmentos florestais para que a biodiversidade não
fique isolada, o que aumentaria em muito os riscos de extinção de espécies em
declínio populacional. Os animais precisam de conexão para se reproduzir, para
procurar alimento e mesmo aumentar as chances de não desaparecerem por conta de
algum evento não controlado, como um incêndio que destrua uma área como essa,
por exemplo”, afirma Pedro Brancalion, professor da Esalq-USP e
outro coordenador do Lastrop.
Brancalion está à frente
do projeto “Compreendendo florestas restauradas
para o benefício das pessoas e da natureza – NewFor”, apoiado
pela FAPESP no âmbito do Programa BIOTA e
pela Organização Neerlandesa para a Pesquisa Científica (NWO), dos Países
Baixos.
Barreiro Rico se tornou
recentemente parte das cerca de 50 áreas atualmente monitoradas pelo NewFor. Em
todas elas, são selecionadas parcelas, porções de 900 metros quadrados de
floresta, em que todas as árvores com diâmetro acima de 5 centímetros na altura
do peito são medidas e monitoradas. Ao todo, o projeto já monitorou cerca de
800 parcelas, distribuídas ao longo de quase toda a Mata Atlântica.
A cada mês, Robbi visita
as parcelas do NewFor em Barreiro Rico, medindo a quantidade de flores, frutos
e sementes para saber a disponibilidade de alimento para os muriquis na
floresta. Além disso, em um esforço paralelo, ela e Carvalho coletam fezes dos
muriquis para identificar quais espécies de frutos são consumidos, a fim de
aumentar o número de espécies vegetais indicadas para a área.
“Os muriquis são
considerados os jardineiros da floresta, importantes na manutenção da Mata
Atlântica. Por se alimentarem de frutos com sementes grandes, são os principais
dispersores de espécies arbóreas como cambuí, jatobá e copaíba, que outros
animais não conseguem dispersar”, explica Carvalho.
Algumas dessas sementes,
inclusive, só germinam após a quebra da dormência, que acontece depois de passarem
pelo trato digestório dos animais. Portanto, a extinção local do primata pode
causar uma degradação importante na floresta pela perda de espécies da flora
restritas a pequenos fragmentos, como a Estação Ecológica do Barreiro Rico.
Fogo
Estimativas dão conta de que entre 200 e 500 muriquis já viveram em Barreiro Rico num passado não muito distante. O grupo da Estação Ecológica era ainda menor em 2018, quando ocorreu o último incêndio na área. Com a trégua do fogo, dois filhotes nasceram entre 2023 e 2024.
Com temperaturas cada
vez mais altas e clima mais quente, não foi por milagre que os incêndios
cessaram nos últimos anos. João Marcelo Elias, gestor da Estação Ecológica
junto à Fundação Florestal, conta que foram muitos fatores que contribuíram
para que não houvesse mais queimadas como a de 2012, que destruiu 750 hectares,
parte deles dentro da Estação Ecológica.
“Houve um investimento
do Estado em recursos humanos, viaturas com 500 litros de água, equipamentos de
proteção individual, abafadores, mangueiras, mochilas costais e treinamento de
brigadas. Isso é essencial para evitar que um foco se transforme em um incêndio
como os que estamos vendo”, diz Elias, citando os então 110 mil focos de calor
registrados no país em 2024.
Além do investimento
estatal, por meio do projeto SP sem Fogo da Secretaria de Meio
Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), o gestor atribui o sucesso ao
engajamento realizado no entorno, que ele chama de uma verdadeira mobilização
de empresários, proprietários rurais e da população em geral. Hoje, além dos
500 litros de água em cada viatura, existem reservas de 7 mil litros na base da
Estação Ecológica e outros milhares nas propriedades rurais do entorno. A conscientização
quanto a evitar fogueiras, queimar lixo, queimadas para limpar terrenos,
descarte de bitucas de cigarro acesas e mesmo o simples ato de encostar o motor
quente dos tratores na palha seca da cana-de-açúcar, entre abril e setembro, já
traz grande alívio para os bombeiros e brigadistas.
“Criou-se um
pertencimento ao local, e o muriqui é o nosso melhor garoto-propaganda”,
encerra Elias.
*Colaboraram Daniel Antônio e
Phelipe Janning.
https://agencia.fapesp.br/fapesp-apoiara-colaboracoes-internacionais-em-transicao-urbana-sustentavel/52871
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