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sexta-feira, 24 de maio de 2024

Mercado de trabalho para pessoas neurodivergentes: como as empresas podem incluir esses talentos em suas equipes

 

Specialisterne e iABCD dão dicas e orientações para que, com pequenos ajustes no processo de contratação e onboarding, as companhias passem a se beneficiar da diversidade em todo seu potencial

 

Atualmente, aproximadamente 15% da população mundial é classificada como neurodivergente. O termo que tem ganhado notoriedade, identifica condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e a Dislexia, e tem como objetivo ampliar a conscientização da diversidade humana e integrar ainda mais a sociedade. Mas será que, no mercado de trabalho, pessoas neurodivergentes têm tido oportunidades?

As habilidades únicas de profissionais com neurodivergência tem tido mais aceitação nas empresas, e muitas delas já perceberam que vale a pena adotar políticas e práticas inclusivas, criando ambientes mais acessíveis e acolhedores. De acordo com o relatório A diversidade vence: como a inclusão é importante, produzido pela McKinsey & Company em 2020, as equipes neurodivergentes superam as homogêneas em 36%, em termos de rentabilidade.

Apesar desses avanços e dos benefícios da diversidade, ainda há desafios a serem superados, como a falta de compreensão e o estigma em torno das condições diagnosticadas. Na prática, o processo de exclusão começa na porta das empresas, que perdem talentos ainda no processo seletivo, justamente por conduzi-lo de forma não inclusiva.

“Na própria divulgação da vaga, jobs descriptions generalistas, que exigem muito tempo de experiência, habilidades de comunicação e de adaptabilidade com muitas mudanças, passam a ser critérios irreais para quem convive com a neurodivergência. Nesses casos, é válido que os contratantes reflitam o que realmente precisam para a vaga e adotem critérios mais reais para oportunidades ditas inclusivas”, analisa Rute Rodrigues, Diretora de operações da Specialisterne Brasil, organização de impacto social que capacita e inclui pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

O processo de entrevista, que constantemente exige dinâmicas em grupo, nem sempre é inclusivo: entrevistas tensas e que testam mais a capacidade de venda de um discurso do que a habilidade em uma área de fato poderiam ser facilmente contornados com mudanças simples - bastava que o candidato realizasse tarefas específicas da área ou função almejada. “Assim, seria possível avaliar o conteúdo da fala e a habilidade que será utilizada no dia a dia, além de outros comportamentos. Uma alternativa que quase sempre fica de fora desses processos é o uso de tecnologia assistiva - parece bobo, mas faz toda a diferença quando se pensa em inclusão”, orienta Rute. 

Para a publicitária Giovana Alípio, que teve a dislexia e discalculia diagnosticadas aos 12 anos, ainda há um tabu que faz com que as pessoas neurodivergentes tenham receio de serem desqualificadas do processo seletivo ao dizerem que possuem algum transtorno. “O ideal é que, logo na inscrição para a vaga, tivesse uma opção para a pessoa colocar o transtorno da aprendizagem que ela possui, com o objetivo de tornar aquele processo seletivo mais inclusivo. Mas, ainda assim, muitas pessoas temem que sejam recusadas por conta disso, ainda que possuam uma série de habilidades benéficas para aquela vaga”, diz. 

Giovana conta que, mesmo deixando claro em todas as entrevistas de estágio que é neurodivergente, o apoio não ocorreu na prática, após ter sido contratada. A publicitária foi designada para uma vaga diferente da qual se inscreveu, em que ela teria que avaliar contratos jurídicos e planilhas de produtos da marca de cosméticos. “Mesmo deixando claro as minhas dificuldades como pessoa com dislexia e discalculia, os gestores não foram compreensivos. Cheguei a ouvir de um deles que não deveriam ter dado oportunidade para uma pessoa como eu e que eu estava usando os meus transtornos como desculpa. Isso é muito grave e mexe com nossa saúde emocional.” 

Após a etapa do processo seletivo, já no onboarding, essencial para acolher o profissional, é necessário haver um entendimento ainda mais aprofundado de quais são as condições daquele colaborador e as maneiras para tornar esse processo mais acessível. As adaptações inclusivas não necessariamente são arquitetônicas e complexas - elas podem ser de acessibilidade comunicacionais, metodológicas, como as aplicadas em formas diferentes de avaliação de desempenho, entre outros, a depender da condição da pessoa.

Adaptações inclusivas, que vão além de questões arquitetônicas, devem considerar aspectos comunicacionais e metodológicos. Juliana Amorina, Diretora-Presidente do Instituto ABCD, destaca a importância de ferramentas assistivas para pessoas com dislexia, exemplificando a necessidade de adaptações específicas para melhorar a leitura e escrita.

“Para uma pessoa com dislexia, por exemplo, ferramentas que auxiliam na leitura e na escrita são muito bem-vindas, já que, quando se trata desse transtorno específico da aprendizagem, a pessoa possui dificuldades justamente área.” sugere Juliana Amorina, diretora-presidente do Instituto ABCD, organização social sem fins lucrativos que se dedica a gerar, promover e divulgar conhecimentos que tenham impacto positivo na vida de brasileiros com dislexia e outros transtornos de aprendizagem. 

Além das ferramentas, essenciais para o dia a dia do profissional disléxico, é importante que haja uma certa flexibilização nos métodos que cada pessoa utiliza para cumprir suas demandas. “Muitas empresas têm seus processos de trabalho muito bem definidos, mas, quando uma pessoa com algum transtorno como a dislexia é contratada, é importante que seja permitido que ela incorpore no dia a dia os métodos que funcionem melhor para ela. O importante é que ela entregue todas as suas demandas com qualidade e dentro dos prazos definidos, mas as ações que ela irá tomar para concluí-las da forma mais confortável e efetiva, devem ser determinadas por ela mesma, conforme suas próprias dificuldades”, sugere Giovana.


A convivência de diferentes maneiras de processamento neurobiológico potencializa inovação, criatividade e habilidades de resolução de conflitos. Ter oportunidades para todos é importante também para as empresas, que melhoram a qualidade de ideias, serviços, produtos e experiências quando se abrem para que as pessoas mostrem todo seu potencial - na vida e no ambiente de trabalho.
 



Instituto ABCD
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