Ao se referir a
governos, o economista e escritor norte-americano Harry Browne (1917/1986)
disse que o governo é bom em uma coisa. “Ele sabe como quebrar as suas pernas,
apenas para depois lhe dar uma muleta e dizer: se não fosse pelo governo você
não seria capaz de andar”.
Esse ponto de
vista pode parecer raivoso ou exagerado, porém nos faz pensar e analisar a
questão sob a ótica do Brasil. Observando o resultado do governo brasileiro nos
últimos 34 anos – período em que o povo elegeu de forma democrática, por meio
do voto direto, cinco presidentes da República de diferentes partidos políticos
e matizes ideológicas (do PT, do PSBD, do extinto PRN e do PL) além de
governadores, prefeitos e membros do Congresso Nacional –, constata-se que
nenhum dos eleitos teve a preocupação de enviar projetos de Lei visando justiça
tributária, fundamental num país em que o Executivo arrecada muito em impostos
pagos pela população e devolve pouquíssimo em bem-estar social a esses
contribuintes.
Não houve, nessas
três décadas, leis que obrigassem o chefe do Poder Executivo a fazer a correção
anual (pelo índice inflacionário acumulado nos 12 meses anteriores) das tabelas
de Imposto de Renda, das aposentadorias e das pensões concedidas pelo Regime
Geral da Previdência Social. Tributar a inflação significa penalizar duplamente
o contribuinte, porque a não-correção retira renda efetiva, enquanto a inflação
enfraquece o poder de compra.
São milhões de
brasileiros que dependem desse pagamento para viver e que perdem o poder de
compra ano a ano em razão do crescimento da inflação.
O Sindicato dos
Auditores Fiscais da Receita Federal-Sindifisco, em matéria publicada pelo
site Globo.com em janeiro de 2024, mostrou que a defasagem
das tabelas do IR era da ordem de 149,56%. Agora, com a correção feita pelo
Senado, essa defasagem caiu para 99,65%, percentual que se fosse corrigido
elevaria a isenção do Imposto de Renda para pessoas com remuneração de até R$
5.638,11/mês. Ou seja, alcançaria 95% da população brasileira. Esse sim seria o
maior projeto social do Brasil – superior ao Bolsa-Família - e garantido por
lei.
Nesse período de
pouco mais de três décadas, os governos brasileiros tampouco foram sensíveis à
agonia diária de 122 milhões de cidadãos cuja renda mensal não ultrapassa um
salário mínimo (hoje R$ 1.412,00/mês bruto e R$ 1.306,10/mês líquidos,
equivalente apenas e tão somente US$ 126,00/mês) de modo a preservar e
aumentar um pouco o valor de sua forma de sobrevivência.
A falta de receita
não pode ser usada como causa impeditiva porque nesse período a carga tributária
aumentou 50% (passou de 22,5% para 33,5% do PIB). Os governos também tiveram
tempo de sobra (mais de 30 anos) para elaborar soluções e se tivessem
apresentado propostas legislativas para entrar em vigor em 5, 10 ou até 20
anos, hoje tudo já estaria resolvido.
A situação
perdura, porém uma nova oportunidade se abriu agora, com a reforma tributária a
ser enviada ao Congresso Nacional ainda este ano e já amplamente debatida.
Mas por que nada
foi feito? Insensibilidade? Incompetência? Talvez nada disso. A resposta passa
pelo pensamento de Harry Browne sobre o governo. O fato é que os governantes
“quebraram as pernas” da imensa maioria da população ao não corrigirem as
tabelas do IR, das aposentadorias e das pensões e ao não praticarem justo
reajuste de salário- mínimo para garantir a esses cidadãos brasileiros maior
poder de compra e para tornar um pouco mais leve aos ombros dos trabalhadores o
peso dos aumentos da carga tributária e dos preços. Basta lembrar que após a
promulgação da Constituição Federal de 1988, poderiam ter reduzido (ou até
excluído) a incidência de impostos sobre os gêneros de primeira necessidade, de
maior impacto sobre os mais pobres.
No entanto, a
opção foi outra: a de entregar “muletas” por meio de
“benefícios sociais” como o Bolsa-Família, vale-gás, vale-dignidade
menstrual e outros, que apenas mantêm os mais pobres sob dependência, sem dar
solução definitiva ao problema. São medidas de caráter paliativo, que nao
resolvem o problema e escravizam a população, além de não possuírem garantia
alguma – vez que dependem da decisão do governante de plantão – e que não são
capazes de dar dignidade à vida das pessoas. Nesse caso, é bom lembrar o que
escreveu o filósofo norte-americano John Kenneth Galbraith (1908-2006): “Nada
estabelece limites tão rígidos à liberdade de uma pessoa quanto a falta de
dinheiro”.
Os governos também
falharam inapelavelmente na questão da redução das desigualdades regionais e
sociais. A questão é igualmente grave, como apontam os dados oficiais. A renda
anual per capita dos habitantes dos 16 estados das regiões Norte e Nordeste até
hoje é 36% inferior à média nacional. Temos, portanto, dois Brasis dentro de um
só território. Uma das consequências diretas disso é que no Norte e Nordeste o
número de beneficiários do Bolsa-Família ultrapassa o número de trabalhadores
com carteira assinada em mais de 4 milhões de pessoas.
Naqueles estados,
o número de brasileiros que têm emprego ou exercem outras atividades econômicas
com carteira de trabalho assinada é também muito díspar (para menos) em relação
as moradores de outros estados.
A grave anomalia é ainda evidenciada pela discrepância do
posicionamento do Brasil no ranking das maiores economias do mundo (9º lugar) e
no ranking per capita/ano (69ª posição) o que evidencia a má distribuição de
renda. Tudo a demonstrar que as riquezas produzidas pelo país estão longe de
refletir na qualidade de vida da sua população. A situação está a exigir maior
transparência e garantia da dignidade dos cidadãos, assegurando-lhes mais
direitos e menos favores oficiais.
Um exemplo
bastante singelo comprova essa assertiva. Basta perguntar a um pai de família o
que lhe dá mais satisfação: chegar em casa com uma bola ou uma boneca de
presente para seu filho ou filha e dizer “papai comprou com a economia do
salário” ou afirmar que “papai ganhou do prefeito/governador/deputado”? Qual
das situações o fará sentir mais digno?
As maldades, a
insensibilidade e a incapacidade de governar para todos bloqueiam a verdadeira
cidadania e corroem o respeito e a dignidade humana. As “muletas” podem trazer
algum alívio momentâneo, porém simbolizam fracasso e falta de perspectiva. Tudo
o que o brasileiro não merece.
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