Estudo desenvolvido no Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica da USP de
São Carlos mostra mudança no grau de sensibilidade bacteriana após cinco
aplicações do tratamento conhecido como inativação fotodinâmica; trabalho focou
em microrganismos que afetam o sistema respiratórioO grupo trabalhou com Staphylococcus aureus, bactérias
que podem causar desde infecções cutâneas até pneumonia
(imagem: www.scientificanimations.com/Wikimedia Commons)
Como tem sido cada vez mais difícil desenvolver antibióticos capazes de
debelar bactérias resistentes, especialmente as que atingem o aparelho
respiratório, o caminho trilhado por um grupo de cientistas foi o de tentar
enfraquecê-las para que as substâncias disponíveis para o tratamento tenham
mais eficácia. E ele se mostrou promissor.
Pesquisa publicada na revista
científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) aponta
que a inativação fotodinâmica (PDI, na sigla em inglês para photodynamic
inactivation) apresentou característica inovadora ao modificar o grau de
sensibilidade bacteriana aos antibióticos de acordo com as dosagens, reduzindo
a resistência e a persistência dos microrganismos.
O grupo, liderado pelo físico e engenheiro de materiais Vanderlei Salvador Bagnato, trabalhou com Staphylococcus
aureus – bactérias que podem causar desde infecções cutâneas até pneumonia
– encontradas em material coletado de pacientes. Ficou demonstrado que o efeito
da ação fotodinâmica “quebrou” a resistência dessas bactérias após a aplicação
de cinco ciclos de PDI.
A fotodinâmica utiliza luz e um fotossensibilizador que, em contato com
a luminosidade, ganha energia e inicia uma série de reações com o oxigênio no
local, causando oxidação e destruindo o microrganismo ou diminuindo sua
resistência aos antibióticos.
Os pesquisadores usaram a curcumina (com dosagem de 10 microgramas/ml)
como fotossensibilizador e trabalharam com os antibióticos amoxicilina,
eritromicina e gentamicina. Depois das cinco aplicações da inativação
fotodinâmica, detectaram que a Staphylococcus aureus ficou
mais suscetível aos efeitos da gentamicina, apesar de outros dois antibióticos
também terem se mostrado eficazes no “ataque” ao microrganismo após as sessões.
“Descobrimos que fazendo o processo fotodinâmico às vezes não é possível
matar a bactéria, mas conseguimos destruir parte dos mecanismos que ela utiliza
para se tornar resistente. Daí veio a ideia de tentar um choque oxidativo para
torná-las novamente suscetíveis aos antibióticos”, diz à Agência FAPESP o
professor Bagnato, que coordena o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF).
Ligado ao Instituto de Física de São Carlos (IFSC) – uma das unidades da
Universidade de São Paulo (USP) –, o CePOF é um Centro de Pesquisa, Inovação e
Difusão (CEPID) da FAPESP, que também financiou o estudo por meio de outros
dois projetos (14/50857-8 e 19/12694-3). O trabalho tem como primeira autora a pesquisadora Jennifer Soares,
que foi aluna de doutorado da professora Kate Cristina Blanco, que também assina o artigo, e de
Bagnato.
Cenário
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a resistência antimicrobiana
como uma das dez principais ameaças à saúde pública no mundo. Ela ocorre quando
microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações ao
serem expostos a antimicrobianos, como antibióticos e antivirais, por exemplo.
Recentemente, a lista de bactérias que mais ameaçam a saúde humana
foi atualizada – a primeira versão havia sido lançada em 2017 pela OMS. O novo
documento, divulgado em 17 de maio, contém 15 famílias de bactérias resistentes
a antibióticos agrupadas em categorias de priorização crítica, alta e média. A
lista serve de referência para o desenvolvimento de novos tratamentos.
Estima-se que cerca de 1,2 milhão de mortes são causadas por bactérias
resistentes a cada ano e quase 5 milhões de óbitos estariam indiretamente
associados a elas. O custo global do problema, de acordo com a OMS, pode chegar
a US$ 100 trilhões até 2050.
Segundo relatório da própria organização, de cada cem pacientes internados em
hospitais para cuidados intensivos, sete – em países de alta renda – e 15 – nos
de baixa e média renda – contraem ao menos uma infecção associada a
microrganismos resistentes. Em média, um a cada dez pacientes infectados
morrerá por esse motivo.
Já a chance de novos antibióticos serem autorizados pela Food and Drug
Administration (FDA) – agência norte-americana que faz o controle de alimentos,
suplementos alimentares, medicamentos e outros materiais biológicos – para
estudos clínicos em humanos é de seis em dez. Além disso, a probabilidade de os
tratamentos aprovados serem uma nova classe de antibióticos é de apenas 25%,
reduzindo assim a possibilidade de atacar a resistência bacteriana pelo fato de
a maioria dos novos antimicrobianos derivar de classes já existentes.
Bagnato explica que vem trabalhando há alguns anos particularmente com
foco em pneumonia resistente, um dos tipos que mais levam à morte em unidades
de tratamento intensivo quando se trata de casos de infecção resistente a
antibióticos. “Estamos perto de publicar outro artigo demonstrando uma técnica
aplicada diretamente no pulmão. O paciente inala uma molécula indutora, fazemos
a iluminação extracorpórea com infravermelho e reduzimos a resistência do
microrganismo, combatendo a pneumonia, por exemplo”, antecipa o pesquisador.
Desde 2023, Bagnato está na Universidade Texas A&M (Estados Unidos),
onde foi convidado a montar um laboratório de biofotônica no campus principal,
localizado na cidade College Station, nos moldes do CePOF. Atualmente, ele está
licenciado do IFSC, mas continua sua atuação nas pesquisas do Brasil (saiba
mais em: revistapesquisa.fapesp.br/vanderlei-bagnato-nao-sou-fuga-de-cerebro/).
O artigo Recovering the susceptibility of antibiotic-resistant
bacteria using photooxidative damage pode ser lido em: www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.2311667120#sec-2.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/terapia-a-base-de-luz-reduz-resistencia-de-bacteria-a-antibioticos/51784
Nenhum comentário:
Postar um comentário