As mulheres estão esperando mais tempo para ter o
primeiro filho e muitas nem consideram a possibilidade de engravidar. Na
Espanha, por exemplo, a maioria das pessoas abaixo dos 45 anos, não coloca
formar uma família no topo das suas prioridades. Esses espanhóis preferem
viajar e investir na carreira. Dados recentes revelam que a taxa de fertilidade
vem caindo ao longo dos anos: em 2013 era 2,0 filhos/mulher e em 2023 chegou a
1,5. Um valor de 2,1 é normalmente considerado adequado para a substituição
populacional no longo prazo. O alerta é de um estudo publicado em 2024 pela respeitada
revista The Lancet. O estudo avaliou a fertilidade global em 204 países entre
1950 a 2021 e faz previsões sombrias para 2100.
Os números são surpreendentes: há uma
proporção maior de nascimentos em países com baixo desenvolvimento econômico. A
previsão é que as taxas de fertilidade continuarão a diminuir em todo o mundo e
permanecerão baixas mesmo com a implementação bem-sucedida de políticas
pró-natais. Estas mudanças terão consequências econômicas e sociais de longo
alcance devido ao envelhecimento da população e ao declínio da força de
trabalho nos países de rendimento mais elevado, associados ao aumento da
natalidade nas regiões mais pobres do mundo. No Brasil, segundo dados do IBGE
divulgados recentemente, tivemos o menor número de nascimentos desde 1977,
sendo a queda observada de maneira consecutivos nos últimos quatro anos.
Essa situação alarmante e corroborada por outro
artigo publicado pela Federação Internacional de Sociedades de Fertilidade
(IFFS). O declínio das taxas de fertilidade está associado a riscos distintos
ligados à subpopulação na maioria dos países desenvolvidos em todo o
mundo. É urgente que os governos e sociedade civil considerem a questão e
busquem soluções para o problema. O acesso a tratamentos de fertilidade é a ponta
do iceberg, mas é preciso considerar que a infertilidade atinge uma em cada
seis pessoas no mundo e que o ambiente de trabalho ainda é hostil para aqueles
que decidem ter filhos. Licenças-maternidade e paternidade não estão
disponíveis para todos nem vagas em creches. Além disso, para muitas mulheres,
a escolha pela maternidade pode significar abrir mão de avanços na carreira e
oportunidades que podem não se repetir. Os estudos da professora de Harvard
Claudia Goldin revelam que a opção pela maternidade pode contribuir para a
disparidade salarial entre homens e mulheres.
Quando a taxa de natalidade se mantém menor do que
a de mortalidade de forma sustentada, temos a “desnatalidade”, que traz
consequências econômicas e sociais desastrosas. Países populosos como China e
Índia começam a sentir os efeitos da queda da natalidade. A redução no número
de nascimentos é agravada pelo aumento da infertilidade e pelas mudanças
sociais, culturais e econômicas que foram intensas. Para se concentrar nos
estudos e carreira, muitas mulheres adiam a maternidade, fato que se reflete no
aumento de 56% no número de partos em mulheres na faixa de 35 a 39 anos e de
36% na faixa de 40 a 44 anos em nosso país. Na União Europeia, em 2021, o
número médio de filhos por mulher foi de 1,53.
A longevidade reduzida do relógio biológico
feminino, que obedece a mecanismos complexos e ainda pouco conhecidos pode
piorar a situação. Há uma queda significativa da capacidade reprodutiva
feminina a partir dos 35 anos de idade e não há como interromper nem reverter
tal fenômeno. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, não há como medir o
tempo de vida fértil de uma mulher nem meios eficazes para prolongá-lo
naturalmente. Neste contexto, o congelamento de óvulos surge como opção que,
infelizmente, está disponível para poucas.
Atenta às mudanças sociais e às novas configurações
familiares, a ASRM (Sociedade American de Medicina Reprodutiva) revisou a
definição de infertilidade. A nova definição amplia o conceito de infertilidade
e considera que todas as pessoas, independentemente do estado civil, orientação
sexual ou identidade de gênero, merecem igual acesso às técnicas de reprodução
assistida (TRA). A expectativa é que esta definição inclusiva ajude a garantir
que qualquer pessoa que pretenda constituir uma família tenha acesso equitativo
ao tratamento e cuidados de infertilidade. Para casais que tem relações sexuais
regularmente sem uso de métodos contraceptivos e/ou indicio de qualquer
alteração, o tempo de espera é de 12 meses. Em mulheres com 35 anos ou
mais, esse tempo deve ser reduzido para seis meses.
As evidências recentes corroboram a queda significativa da fertilidade nos últimos 74 anos e que deve seguir caindo até 2100 com reflexos negativos na economia, seguridade social e força de trabalho. O aumento de natalidade nos países mais pobres também gera preocupações em vista da falta de condições para manter o crescimento saudável desses jovens. Em junho, mês dedicado à conscientização obre infertilidade, é o momento de trazer o assunto à baila. Assim, desenvolver e implementar políticas públicas que eduquem sobre planejamento reprodutivo e infertilidade, além oferecer tratamento especializado para aqueles que precisam de técnicas de reprodução assistida são medidas fundamentais se quisermos construir um futuro com justiça social e econômica para todos.
Márcia Mendonça Carneiro - Diretora
científica Clínica Origen. Professora Titular- Departamento de Ginecologia e
Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG
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