Dados da terceira fase do
ensaio clínico serão divulgados nesta quinta-feira no The New England
Journal of Medicine; imunizante se mostrou seguro tanto entre voluntários
com histórico de infecção prévia quanto entre aqueles nunca antes infectadosLote usado para validar o processo de produção da vacina
no Instituto Butantan
(foto: André Ricoy / Comunicação Butantan)
Uma única dose da vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan é capaz de evitar o adoecimento em quase 80% dos vacinados (79,6%), aponta estudo que será divulgado nesta quinta-feira (01/02) no The New England Journal of Medicine. Denominado Butantan-DV, o imunizante contém versões atenuadas dos quatro sorotipos do vírus. Mostrou-se seguro e eficaz para uma ampla faixa etária estudada – de 2 a 59 anos –, tanto entre os voluntários com histórico de infecção prévia quanto entre aqueles nunca antes infectados.
“A publicação deste artigo na
principal revista médica do mundo atesta o rigor e a qualidade do trabalho
desenvolvido por pesquisadores de 16 centros brasileiros, localizados nas cinco
regiões do país, sob a coordenação do Instituto Butantan”, diz à Agência
FAPESP o infectologista Esper Kallás,
primeiro autor do estudo. “Em junho devemos concluir os cinco anos de
seguimento dos voluntários. Quando esses dados estiverem consolidados,
saberemos qual é a longevidade da proteção induzida pela vacina.”
Ainda segundo Kallás, que
dirige o Instituto Butantan, a expectativa do grupo é apresentar um relatório à
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo semestre deste ano
para pedir o registro do produto. “Se tudo correr bem, devemos conseguir a
aprovação definitiva em 2025. Já temos infraestrutura para produzir o
imunizante no Butantan, embora ela ainda possa ser aprimorada, afinal, são
quatro vacinas em uma”, ressalta.
O artigo prestes a ser
publicado traz resultados dos primeiros dois anos do ensaio clínico de fase 3,
que teve início em fevereiro de 2016 e envolveu 16.235 participantes de 13
Estados. Dados preliminares divulgados pelo Butantan em dezembro de 2022 já
indicavam uma eficácia global de 79,6%. Agora, foram detalhados os resultados
para cada subgrupo avaliado.
Foi observada eficácia de 80,1%
para a faixa etária de 2 a 6 anos; de 77,8% entre participantes de 7 a 17 anos;
e de 90% entre 18 e 59 anos. A estratificação de acordo com o status sorológico
mostra uma proteção de 73,6% entre os voluntários sem evidência de infecção
prévia, enquanto entre os já expostos o número foi de 89,2%. Contra o sorotipo
1 da dengue (DENV-1) a eficácia foi de 89,5% e, contra o sorotipo 2 (DENV-2),
de 69,6%. Não foi possível avaliar o desempenho contra os sorotipos 3 e 4
porque não houve circulação do vírus durante a realização do estudo. A maioria
das reações adversas foi classificada como leve ou moderada, sendo as
principais dor e vermelhidão no local da injeção, dor de cabeça e fadiga.
Eventos adversos sérios relacionados à vacina foram registrados em menos de
0,1% dos vacinados e todos se recuperaram.
“Dados da fase 2 [do estudo
clínico] indicam que os quatro sorotipos virais atenuados que compõem a
Butantan-DV se multiplicam no organismo humano e induzem uma resposta
equilibrada em termos de produção de anticorpos. Isso nos leva a crer que a
eficácia contra o DENV-3 e o DENV-4 também será boa”, afirma o
virologista Maurício Lacerda Nogueira,
um dos coordenadores da pesquisa. “Importante ressaltar que a vacina do
Butantan se mostrou extremamente segura também para pessoas que nunca tiveram
dengue, o que é uma vantagem em relação aos imunizantes já disponíveis no
mercado. Além disso, ela abrange uma faixa etária mais ampla e é uma vacina
monodose”, destaca Nogueira, que é professor da Faculdade de Medicina de São
José do Rio Preto (Famerp), um dos centros que integraram a pesquisa.
Até o momento, há duas vacinas
contra a dengue já aprovadas pela Anvisa. A Dengvaxia, da farmacêutica Sanofi
Pasteur, requer três aplicações e é indicada para pessoas de 9 a 45 anos que já
tiveram dengue. E a Qdenga, do laboratório Takeda, cuja aplicação no Brasil
deve começar agora em fevereiro para pessoas entre 4 e 60 anos
(independentemente do status sorológico). Neste caso, serão necessárias duas
doses para completar a imunização.
O esquema de dose única da
Butantan-DV traz vantagens logísticas e econômicas, afirmam os autores no
artigo. Confere proteção rápida para a população em caso de surto epidêmico ou
para pessoas sem imunidade que precisam viajar a locais onde a doença é
endêmica.
No Brasil, o vírus da dengue é
considerado hiperendêmico, ou seja, sua alta prevalência se mantém constante no
país ano após ano. Segundo o Ministério da Saúde, em 2023 foram registrados até
novembro 1,6 milhão de casos prováveis. Dados divulgados na última terça-feira
(30/01) apontam em 2024 um acumulado de 217.841 casos prováveis. Há ainda 15
mortes confirmadas este ano e outras 149 em investigação. Com base nos números,
a incidência calculada no país atualmente é de 107,1 casos para cada grupo de
100 mil habitantes, enquanto a taxa de letalidade da doença está em 0,9%.
Benefícios
secundários
A vacina tetravalente contra a
dengue começou a ser desenvolvida no Instituto Butantan em 2010 com apoio da
FAPESP, a partir de uma formulação criada por pesquisadores vinculados ao
National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos. Os ensaios clínicos
começaram no Brasil em 2013, com apoio da Fundação Butantan e do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no âmbito do projeto
"Desenvolvimento de uma vacina tetravalente contra a dengue",
coordenado por Neuza Frazatti Gallina, que recebeu em 2023 o Prêmio Péter
Murányi (leia mais em: agencia.fapesp.br/40817).
Esta terceira fase da pesquisa, que deve ser concluída em junho, é
possivelmente o maior ensaio clínico de uma vacina já feito exclusivamente no
país.
“O custo da dengue é absurdo no
Brasil e a expectativa é que a vacina reduza a mortalidade e as hospitalizações
pela doença. Então, o investimento feito pelo governo brasileiro no
desenvolvimento do imunizante nacional, na casa das centenas de milhões de
reais, terá um impacto enorme em termos de saúde pública”, avalia Nogueira.
“Além disso, há benefícios secundários que já podemos observar. Esse mesmo
grupo que fez o estudo agora publicado fez o ensaio clínico da CoronaVac
durante a pandemia de COVID-19. A gente já estava preparado. A formação dessa
rede de pesquisa em vacinas é um patrimônio que o governo brasileiro tem de
manter, porque isso permite responder muito rapidamente a outras necessidades
que venham a surgir no futuro.
O artigo Live,
Attenuated, Tetravalent Butantan-Dengue Vaccine in Children and Adults pode
ser lido em: www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2301790?query=featured_home.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/vacina-contra-a-dengue-do-butantan-protege-796-dos-imunizados-atesta-estudo/50763
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