O caranguejo-amarelo é encontrado em apenas quatro ilhas oceânicas do mundo, três delas no Brasil, e pouco ainda se sabe sobre sua história natural. Pesquisadores da Unesp, UFABC e UFSC revelam que uma montanha e uma praia da Ilha da Trindade, na costa do Espírito Santo, têm papel fundamental na reprodução e manutenção da espécie
Entre
dezembro e abril, é possível notar uma peculiar migração na Ilha da Trindade,
que compreende o território mais a leste do Brasil, a 1.200 quilômetros da
capital do Espírito Santo, Vitória. Vindos das montanhas, centenas de
caranguejos-amarelos (Johngarthia lagostoma) andam em direção à praia,
onde copulam e liberam suas larvas ao mar.
Caranguejos-amarelos se adensam na praia em meio à vegetação. Presença de espécies vegetais é fundamental para alimentação e abrigo da espécie (foto: Márcio Camargo Araújo João) |
Essas informações
básicas, mas essenciais à conservação dessa espécie em perigo de extinção,
foram algumas das obtidas no âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP. Os
resultados da pesquisa foram publicados na revista Marine
Ecology.
O grupo, liderado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), conta ainda com autores das universidades federais do ABC (UFABC) e de Santa Catarina (UFSC).
Após uma série de
análises, os autores concluíram que o Morro do Príncipe, onde foi encontrada a
maior proporção de juvenis, e a Praia dos Andradas, local com maior proporção
de fêmeas com ovos e indivíduos adultos, devem ser considerados áreas
prioritárias para a conservação da espécie. A Praia das Tartarugas e o Pico do
Desejado foram os outros dois pontos analisados, considerados locais de
residência para esses animais.
“Ainda que hoje a
Ilha da Trindade se encontre com expressiva preservação, por estar dentro de
uma Unidade de Conservação, é importante considerar cuidados especiais para
essas áreas, para a implantação de ações de conservação mais efetivas. No Morro
do Príncipe, os juvenis permanecem até se tornarem adultos, o que é importante
para manter a população em longo prazo. A Praia dos Andradas, por sua vez, tem
vital relevância à reprodução”, explica Márcio Camargo Araújo João, que realizou o
trabalho como parte de seu mestrado com bolsa da FAPESP no Instituto de
Biociências do campus do Litoral Paulista da Universidade Estadual Paulista
(IBCLP-Unesp), em São Vicente.
Caranguejo
terrestre
Além da Ilha da
Trindade, a espécie ocorre no Brasil em Fernando de Noronha e no Atol das
Rocas. A quarta ilha onde ocorre é em Ascensão, território ultramarino
britânico no Atlântico. A única ocupação humana na Trindade, que na verdade
compreende o pico de uma montanha submersa, é uma base da Marinha do Brasil e
sua estação científica. No total, cerca de 40 pessoas se revezam a cada dois
meses nesse território insular de 13 quilômetros quadrados.
Enquanto a maior
parte das espécies de caranguejo passa a vida toda em contato com a água, o
caranguejo-amarelo faz parte de um grupo que se adaptou às florestas,
utilizando o mar apenas durante o desenvolvimento e dispersão larval. Por isso,
a vegetação preservada é um importante componente para a conservação da espécie.
“A floresta da ilha é menos expressiva do que a de Ascensão, por exemplo. Mas, em Trindade, a espécie tem uma população ainda abundante e muito bem estabelecida, se alimentando não somente da vegetação local, mas de ovos e filhotes de tartaruga. Lá, o caranguejo-amarelo é uma espécie sem concorrentes, sendo um predador de topo de cadeia”, contextualiza Marcelo Antonio Amaro Pinheiro, professor do IBCLP-Unesp que coordenou o estudo.
Por não terem concorrentes na Trindade, caranguejos-amarelos
são predadores de topo de cadeia na ilha, onde se alimentam
até mesmo de filhotes de tartaruga
(foto: Márcio Camargo Araújo João)
“Por sua vez, Fernando de Noronha, com seus 3.167 habitantes e quase 150 mil turistas recebidos só em 2022, tem um impacto maior da presença humana, desde a urbanização até a presença de espécies introduzidas, como gatos, cachorros e ratos”, completa.
O pesquisador é
responsável pelas avaliações das espécies de crustáceos brasileiras sob ameaça
de extinção junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). A versão mais recente da lista considera o caranguejo-amarelo na
categoria “em perigo” no Brasil.
O estudo pode
ajudar a inclusão dessa espécie na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, da
União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), uma referência
global em que o caranguejo-amarelo ainda não foi incluído.
Noites
na Trindade
A equipe avaliou a
presença da espécie nas duas praias e nas duas montanhas durante o período
reprodutivo, entre dezembro e abril. No total, foram duas temporadas na ilha,
de dois meses cada, de fevereiro a abril de 2019 e de dezembro de 2019 a
fevereiro de 2020.
Sempre à noite,
quando são mais ativos, os caranguejos eram escolhidos aleatoriamente e tinham
medidos sua largura da carapaça e o comprimento das quelas, que são as patas em
formato de pinça.
O sexo de cada
indivíduo era definido pelo formato da carapaça e pelo número de pleópodos – as
pequenas pernas presentes no abdome do animal, usadas durante o acasalamento e
para carregar os ovos. Por ser uma espécie ameaçada, o caranguejo-amarelo não
pode ser capturado. Portanto, os indivíduos utilizados no estudo eram liberados
após as medições a cada noite de estudos.
Os pesquisadores
observaram que os machos eram mais frequentes na população, um padrão observado
em outros caranguejos terrestres, embora na Praia dos Andradas a proporção de
adultos tenha sido similar entre os sexos. Os autores acreditam que as fêmeas
da espécie sofram maior mortalidade pelo estresse térmico e pelo gasto de
energia durante as migrações entre o morro e a praia (e vice-versa), por vezes
carregando ovos, o que é acentuado pela falta de vegetação e abrigo nas praias.
“Observamos muitas
fêmeas mortas próximas à praia, na área reprodutiva, confirmando informações de
pesquisadores que estudaram o caranguejo-amarelo em Ascensão”, relata João.
Na ilha britânica,
porém, foi observada uma baixíssima taxa de indivíduos juvenis, apenas 1%, um
sinal de envelhecimento da população que pode levar a uma extinção local no
futuro. A proporção de 20% de jovens em Trindade (podendo chegar a 30% no Morro
do Príncipe) é considerada característica de vitalidade populacional.
“Esse é o retrato
que temos até o momento, porém, é preciso continuar monitorando essa espécie em
outros pontos da ilha, em busca da confirmação de padrões que podem ter passado
despercebidos. Além disso, a investigação concomitante desses parâmetros em
outras ilhas brasileiras de ocorrência da espécie permitiria um panorama
integrativo que embase um Plano de Conservação mais efetivo em nível nacional”,
encerra João.
O estudo teve apoio
da FAPESP ainda por meio de bolsa de pós-doutorado concedida
a Rafael Campos Duarte, coautor do artigo.
O trabalho Population
biology of the endangered land crab Johngarthia lagostoma (H.
Milne Edwards, 1837) in the Trindade Island, Brazil: Identifying crucial areas
for future conservation strategies pode ser encontrado em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/maec.12778.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-aponta-areas-prioritarias-para-a-conservacao-de-crustaceo-ameacado-de-extincao/50565
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