Mais de 60% dos participantes relatou a preocupação com “ética e direitos dos animais” como motivação para aderir à dieta vegana Silvia/Pixabay |
Ao avaliar um grupo de quase mil veganos, pesquisadores da USP observaram uma prevalência de comportamentos alimentares disfuncionais quase dez vezes menor que a média da população brasileira. Para os autores, explicação está relacionada com as motivações que levam à aderência aos diferentes tipos de dieta
Motivada pela vontade de controlar o peso ou
alcançar a boa forma, uma parcela significativa da população
apresenta comportamentos, pensamentos ou sentimentos disfuncionais em
relação à alimentação e ao corpo – é o que os especialistas chamam de
“comportamento alimentar disfuncional” ou "comer transtornado”, um fator
de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Estão nesse grupo
as pessoas que adotam dietas restritivas de forma impulsiva, as que se submetem
a longos jejuns ou comem em excesso, bem como os indivíduos que sentem culpa ao
ingerir certos alimentos.
Um grupo de
pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) decidiu investigar a
prevalência de comportamentos alimentares disfuncionais entre os adeptos da
dieta vegana, que tem se tornado bastante popular em tempos de
sustentabilidade. De acordo com resultados divulgados na
revista JAMA Network Open, apenas 0,6% dos quase mil participantes
apresentaram o tal “comer transtornado”, um valor dez vezes menor que os 6,5%
observados na população brasileira em geral.
Os autores explicam
que o objetivo do estudo foi verificar se havia uma associação entre
comportamentos alimentares disfuncionais e a escolha por esse tipo de dieta. A
hipótese aventada pela literatura é a de que a dieta vegana poderia ser
utilizada para legitimar a rejeição a determinados alimentos ou a certas
situações relacionadas à alimentação, camuflando possíveis sinais
de comportamento alimentar disfuncional ou até mesmo de transtornos alimentares.
“No entanto, os
resultados do estudo tiram esse peso da alimentação vegana, pois indicam que a
presença de comportamentos alimentares disfuncionais está mais associada aos
motivos que levaram à adoção de uma determinada dieta do que ao tipo de dieta
em si”, conta o professor Hamilton Roschel,
que coordena o Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição da USP.
Segundo ele, o fato
de 62% dos participantes terem relatado a preocupação com “ética e direitos dos
animais” como motivação para aderir a uma dieta vegana – enquanto apenas 10%
terem mencionado “razões de saúde” – ajuda a explicar a baixa prevalência de
comportamentos alimentares disfuncionais no grupo estudado. “Entender as
motivações para a adoção de uma dieta, bem como os motivos para as escolhas
alimentares dos pacientes, nos ajuda a elaborar programas de atendimento
nutricional mais focados e eficientes”, afirma.
Metodologia
Por meio de um
questionário on-line, os pesquisadores da USP colheram informações
sociodemográficas (como escolaridade, renda e geolocalização, entre outras) e
avaliaram o consumo alimentar de 971 pessoas maiores de 18 anos de todo o país.
Com todos os dados em mãos, foi possível observar qual era a porcentagem de
adeptos da alimentação vegana que exibiam “comportamentos alimentares
disfuncionais” e, consequentemente, estariam em maior risco para o
desenvolvimento de transtornos alimentares.
Em uma segunda
etapa, o estudo financiado pela FAPESP (projetos 19/14820-6, 19/14819-8, 20/07860-9, 22/02229-4 e 17/13552-2) analisou
os determinantes das escolhas alimentares dos participantes. Os motivos
“necessidade e fome”, “gostar”, “saúde”, “hábitos” e “preocupações naturais”
foram os mais importantes para essa população. Já “controle de emoções”,
“normas sociais” e “imagem social” foram os menos importantes.
“Naturalmente
precisamos avaliar a adequação nutricional e possíveis deficiências em dietas
restritivas, mas, quando se trata de saúde mental, fica claro que o mais
importante é entender o que levou cada pessoa a fazer sua escolha para
monitorá-la e, se necessário, encaminhá-la adequadamente”, afirma Roschel.
“Esses dados também podem ajudar a adequar intervenções públicas focadas na
promoção da alimentação saudável e na prevenção ou tratamento dos transtornos
alimentares.”
O pesquisador
destaca a importância de estudos adicionais com amostras probabilísticas mais
heterogêneas, que incluam avaliações qualitativas. E adverte que, por seguir um
modelo transversal, o trabalho não permite inferir causalidade.
A investigação foi
conduzida pelo Grupo de Pesquisa em Fisiologia Aplicada e Nutrição, que reúne
cientistas da Faculdade de Medicina (FM-USP) e da Escola de Educação Física e
Esporte (EEFE-USP), e foi liderada pelas pesquisadoras Bruna Caruso Mazzolani e
Fabiana Infante Smaira. Colaboraram Bruno Gualano, Gabriel P. Esteves, Martin
Hindermann Santini, Alice Erwig Leitão e Heloísa Santo André.
O artigo Disordered
Eating Attitudes and Food Choice Motives Among Individuals Who Follow a Vegan
Diet in Brazil pode ser lido em: https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2806586.
E um vídeo com mais explicações pode ser conferido em: www.instagram.com/reel/CusGxIpNrcG/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng%3D%3D.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/risco-de-transtorno-alimentar-entre-adeptos-da-dieta-vegana-e-baixo-sugere-estudo/44880
Nenhum comentário:
Postar um comentário