Neste final de Inverno foi liberada na Web uma
entrevista, desse que vos tecla, para o Podcast PodDoutor, sobre Estresse,
Ansiedade, Burnout e Depressão. Necessariamente nessa ordem. A ideia era
mostrar que esses quadros clínicos podem, em muitos casos, se estabelecer numa
espécie de Continuum, isto é, podem ir se sucedendo e se agravando mutuamente,
até que um período de alta carga de estresse ou de estressores acabe virando um
Burnout, uma Depressão ou um quadro de Ansiedade. Foi bem legal a conversa, mas
não é sobre isso que eu vou falar. O assunto desse artigo vem dos comentários a
um corte dessa entrevista, que me gerou umas questões.
Para quem não sabe, os Podcasts permitem
entrevistas mais longas, os cortes são pequenos trechos dessas entrevistas que
cabem mais no Youtube ou Redes Sociais. Pois bem, num desses cortes, aparece o
Dr Spinelli aqui falando: “O melhor Psiquiatra é a Academia”, para enfatizar a
importância dos exercícios físicos para a prevenção e melhora de praticamente
tudo o que aparece no consultório de um psiquiatra. No final desse trecho, se
conclui que a forma melhor de lidar com a fragilidade é cuidando dela. Pois vem
uma moça e faz um ataque do tipo, “como assim o melhor psiquiatra é a Academia?
Uma coisa não substitui a outra”. Respondi para a moça que eu não sou dono de
academia, sou psiquiatra e psicoterapeuta, não personal trainer, e que se ela
assistir a entrevista da íntegra, vai poder ver que o tratamento medicamentoso,
com a psicoterapia e os exercícios físicos e a higiene de sono produzem os
melhores e mais consistentes resultados nos tratamentos. Até aí, tudo bem. O
problema é quando outra moça tomou a minha defesa, dizendo que sua vida e seu
quadro depressivo melhoraram definitivamente com exercícios físicos. A primeira
ficou brava e respondeu que era fácil falar, quando não se sabe o que a pessoa
passa, etc. Aí, o pau comeu. Sempre iniciando as ofensas com um “sabe, gata...”
foi uma troca de ofensas, uma chamando de vitimista, a outra dizendo que era
Autista e que a outra era Capacitista e falsa psicóloga. Eu saí fora do debate,
antes que sobrasse para mim. Mas se eu estivesse afim de entrar na mira de
alguma patrulha neurodivergente, diria para a moça que se dizia Autista que ela
não tinha nada de Autismo e que estava se refugiando num diagnóstico
autogerado ou malfeito. Um paciente com características do Transtorno do
Espectro do Autismo não consegue, normalmente, ser irônica, usar duplos
sentidos ou xingar alguém chamando-a antes de gata. Nem entrar em batalhas de
lacração online.
Estamos vivendo uma explosão de diagnósticos
psiquiátricos estampados nas Redes Sociais: as pessoas ficam proclamando a
própria condição, existente ou imaginária, fazendo vídeos e entrando em
comunidades virtuais de algum transtorno. Isso tem a vantagem evidente de se
poder falar mais abertamente sobre esses diagnósticos, a informação ajuda muito
na procura de ajuda dessas pessoas. O problema é o exagero no sentido
contrário, com o diagnóstico ou, no caso da moça do meu Instagram, um
pseudodiagnóstico, que acaba colocando a pessoa num lugar de inatacabilidade.
Eu tenho Pânico, então não vou visitar quem está no Hospital. Tenho a doença X
ou Y, então não consigo dar conta das minhas tarefas. Se me mandam fazer
Academia, então são um bando de Capacitistas ( Capacitista, para quem não sabe,
é quem discrimina pessoas com deficiência, definindo como “normal” quem tem
capacidades produtivas ou sociais. Quem não tem essas capacidades, é
“anormal”).
Eu achava que Capacitista é quem acha que, a
despeito de sua dificuldade ou condição, todo mundo pode jogar com as cartas
que a vida lhe deu. A ideia, em todo tratamento, é restaurar e criar
capacidades. Muito me incomoda o discurso em que ter alguma condição,
psiquiátrica ou não, possa transformar o portador em alguém sem perspectivas ou
afundado em condescendência. E me incomoda que esses diagnósticos vomitados
online sirvam para transformar as pessoas em cafés com leite em nosso jogo de
desenvolvimento pessoal. Pronto, falei. Mas não coloquei isso no meu Instagram,
que não sou besta.
Tratar alguém é restaurar ou criar novas
capacidades e habilidades. Aceitar e manejar nossas limitações, em vez de gerar
fragilidades, gera força. Esse era o tema da entrevista.
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