Atualmente, a discussão em torno das funções e competências das Guardas Municipais no Brasil tem ganhado destaque. Com a crescente preocupação com a segurança pública e a necessidade de reforçar a atuação das forças de segurança para o bem da sociedade, as Guardas Municipais tornaram-se atores fundamentais nesse cenário. No entanto, uma questão que permanece em aberto é até que ponto essas instituições podem exercer funções de polícia, especialmente quando se trata de atividades de polícia judiciária ou administrativa.
Para compreender o debate atual sobre o papel das Guardas Municipais, é importante destacar o seu propósito fundamental. O artigo 144 da Constituição Federal dispõe que a segurança pública é dever do Estado, além de um direito e responsabilidade de toda a sociedade, devendo ser exercida pelos órgãos policiais de segurança pública. Vale dizer, que a Guarda Municipal não faz parte do rol apresentado no citado dispositivo constitucional, motivo pelo qual, até então, não era considerado um órgão de segurança pública.As Guardas Municipais foram estabelecidas com o objetivo principal de proteger o patrimônio público municipal, garantindo um ambiente seguro para a população. Sua atuação abrange a fiscalização de áreas públicas, o apoio a órgãos municipais, a prevenção de crimes e a promoção da ordem pública. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão importante com relação às Guardas Municipais. Em 25 de agosto de 2023, o STF determinou que essas instituições são parte integrante dos órgãos de segurança pública.
O Ministro Alexandre de Moraes entendeu que “As guardas municipais têm entre suas atribuições primordiais o poder-dever de prevenir, inibir e coibir, pela presença e vigilância, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais. Trata-se de atividade típica de segurança pública exercida na tutela do patrimônio.”.
O último a votar foi o mais novo Ministro, Cristiano Zanin, o qual acompanhou o entendimento e Moraes para dar provimento à arguição de descumprimento de preceito fundamental. Dessa forma, por uma margem estreita de votos (6 a 5), o Supremo entende por incluir as Guardas Municipais ao rol de órgãos oficiais de segurança pública, apesar de não estarem mencionadas expressamente no art. 144 da Lei Maior.
Essa decisão reforça a importância das Guardas Municipais na manutenção da ordem e segurança em nível local, o que permite que os agentes possam realizar funções típicas da polícia, como abordagens, investigar locais em que há suspeita de desenvolvimento de tráfico de drogas, entre outras.
Contudo, a decisão do STF contraria que vinha decidindo o Superior Tribunal de Justiça, isto porque esta Corte entende que a atuação das Guardas Municipais deve, sempre, estar relacionada diretamente relacionada à finalidade da corporação, ou seja, a ação dos agentes deve ser pautada especialmente na defesa do patrimônio municipal.
Com este entendimento, o STJ recentemente concedeu ordem de habeas corpus para relaxamento de prisão preventiva de réu que foi preso portando drogas, tendo a revista pessoal sido realizada pela Guarda Municipal. Para o Ministro Joel Ilan Paciornik, os agentes estavam realizando função ostensiva e de investigação, as quais não fazem parte de suas atribuições constitucionalmente previstas, o que caracterizaria desvio de função. "[...] não ficou demonstrada relação clara, direta e imediata entre a abordagem dos guardas e a necessidade de proteger a integridade dos bens e instalações ou assegurar a adequada execução dos serviços municipais", destaco Paciornik.
Noutra ocasião, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reiterou a mesma interpretação de que a guarda municipal não possui atribuições típicas das polícias civil e militar. Em mais um caso em que foram anuladas as provas derivadas de abordagem e busca pessoal, enfatizou-se que a guarda municipal só pode realizar tais procedimentos em situações extremamente excepcionais – que fujam do cotidiano da atividade –, ressaltado o fato de que tais ações devem estar diretamente relacionadas à sua finalidade institucional.
Tal tese foi estabelecida no julgamento de um recurso que obteve sucesso para revogar a prisão de um cidadão condenado por tráfico de drogas. A causa da absolvição foi a anulação de provas obtidas em um procedimento busca pessoal, o qual foi conduzido por agentes da Guarda Municipal.
Nesse diapasão, vemos que o STJ atuou como verdadeiro guardião da legalidade até que o STF pudesse definir o assunto, mas ainda há diversas nuances a serem estabelecidas para salvaguardar os direitos fundamentais da sociedade.
Isto porque embora o STF tenha reconhecido o papel das Guardas Municipais como órgãos de segurança pública, a questão de se essas instituições podem exercer funções de polícia judiciária ou militar permanece em aberto ante a ausência de legislação sobre o assunto. Sim, pois a Carta Magna estabelece claramente as competências das polícias judiciárias e militares, e não inclui as Guardas Municipais entre essas categorias.
É crucial definir limites claros para as atividades das Guardas Municipais para evitar possíveis conflitos e garantir a legalidade de suas ações. O que vemos atualmente é que tal corporação vem apresentando uma postura e atuação claramente militarizada, com treinamento tático dos agentes e, inclusive, criação de topas de operações especiais.
Embora essas instituições desempenhem um papel fundamental na segurança pública municipal, é importante reconhecer que a Constituição estabelece padrões específicos para as polícias judiciárias e militares com repercussão fundamental na persecução penal, especialmente no que tange às garantias fundamentais do averiguado e/ou réu do processo ou procedimento.
Dessa forma, restam obscuras diversas questões que precisam ser esclarecidas sobre a atuação das Guardas Municipais, principalmente no que diz respeito à possibilidade da corporação exercer o poder de polícia em situações que não envolvam bens públicos municipais ou, até mesmo, se essa atuação abrange a atuações preventivas ou repressivas.
O debate sobre as funções das Guardas Municipais no Brasil continua a evoluir, à medida que a sociedade busca soluções mais agressivas para questões de segurança pública. A decisão do STF de reconhecer essas instituições como parte dos órgãos de segurança pública é um marco importante, mas extremamente delicado, sendo essencial definir limites constitucionais claros para suas atividades. É imperativo encontrar um equilíbrio entre a necessidade de proteger o patrimônio público municipal e a observância rigorosa das disposições constitucionais relacionadas ao processo penal como um todo de forma a evitar arbitrariedades do aparelho estatal para com os cidadãos. Portanto, o desenvolvimento de regulamentações específicas e a definição de um rol de atribuições das competências das Guardas Municipais são passos cruciais nesse processo.
Lázaro Herculles Henrique Teixeira - Advogado Criminalista. Gestor da área Penal do Vigna Advogados Associados. Pós-graduando em Ciências Criminais pela USP/FDRP
Nenhum comentário:
Postar um comentário