Quando
pensamos no mercado de trabalho, não há dúvidas que ingressar no mercado formal
é um grande desafio, principalmente para pessoas trans e travestis. De acordo
com dados divulgados pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA), 90% das mulheres trans e travestis têm na prostituição a sua única
e/ou principal fonte de renda. Isso acontece, principalmente, devido à rejeição
familiar - que infelizmente é comum -, ao preconceito e, consequentemente, à
privação de educação digna e de qualidade. Segundo o mesmo levantamento, 72%
não chegam a concluir o ensino médio.
Quando
nos deparamos com um cenário como esse, é possível perceber que a entrada no
mercado de trabalho para pessoas trans e travestis é dificultada já na
infância, com a falta de acesso ao ensino, uma vez que o ambiente acadêmico é
importante para a formação de qualquer indivíduo, sendo um dos responsáveis
pelo desenvolvimento de conhecimentos e habilidades.
Diante
do desafio de aumentar a presença de pessoas trans e travestis no mercado de
trabalho, é importante que exista uma mudança já no ambiente escolar, com
orientações básicas sobre identidade de gênero, preparação dos professores para
lidar com crianças trans e uso do nome social, por exemplo. As escolas e
universidades precisam, urgentemente, se tornarem inclusivas e acessíveis para
todas as pessoas, independente de gênero ou orientação sexual.
Além
da questão escolar, a população trans e travesti enfrenta uma série de desafios
que dificultam a sua inserção e progressão profissional, como o acesso à
qualificação profissional, discriminação e desconhecimento. Muitas empresas e
empregadores têm pouca familiaridade com as questões relacionadas à identidade
de gênero e, por isso, acabam reproduzindo preconceitos e estereótipos, o que
resulta em falta de compreensão e apoio adequados, tornando o ambiente de
trabalho verdadeiramente hostil, repleto de piadas de mau gosto, erros nos
pronomes de tratamento, desrespeito ao nome social e, inclusive, a questão da
utilização de banheiros.
Para
superar essas e tantas outras dificuldades, é fundamental que as organizações
adotem uma postura inclusiva e estejam, verdadeiramente, comprometidas com a
diversidade. O primeiro passo para isso é na fase de recrutamento e seleção, já
que muitas empresas acabam adotando práticas de abertura de vagas inclusivas
apenas como uma estratégia de marketing, mas colocam requisitos extremamente
rigorosos, o que termina por criar barreiras adicionais, perpetuando a exclusão
e marginalização de trans e travestis.
Também
é necessária a implementação de políticas inclusivas, treinamentos para os
colaboradores sobre questões de gênero e identidade, criação de um ambiente de
trabalho seguro e acolhedor e, por fim, a promoção de uma cultura
organizacional que valorize a diversidade e celebre a individualidade de cada
profissional.
Algo
que eu acredito ser super importante para as empresas que desejam se tornar
agentes transformadores deste cenário hostil para a comunidade LGBTQIA+ é
oferecer workshops para os colaboradores, nos quais trans e/ou travestis
compartilhem suas experiências, desafios e aspirações com toda a equipe. Isso
possibilita uma maior conscientização e sensibilização sobre as questões
enfrentadas, já que estarão ouvindo as vivências e perspectivas destas pessoas,
tendo a oportunidade de ampliar seu entendimento e, assim, desenvolver mais
empatia.
Neste
processo, a empresa deve oferecer canais de denúncia seguros e ações
disciplinares efetivas para casos de violação dessas políticas. É importante
lembrar também que cada indivíduo é único e, por isso, as necessidades podem
variar de acordo com cada pessoa e/ou situação. Portanto, é imprescindível ter
diálogo aberto e ser empático com os colaboradores, ouvindo-os e, se
necessário, adaptando as políticas e práticas.
Já
existem exemplos positivos, como a Microsoft, que possui um histórico de
comprometimento com diversidade, além de políticas inclusivas e suporte aos
funcionários em todas as fases da transição de gênero, incluindo a utilização
de nomes sociais, banheiros adequados e acesso a benefícios de saúde
relacionados à transição.
Sei
que não são questões simples e fáceis de mudar e, mais do que isso, essas
transformações não ocorrem do dia para a noite. Mas, ainda assim, tenha certeza
de que uma empresa que possui um ambiente de trabalho mais inclusivo,
diversificado e igualitário é um local mais enriquecedor e que contribui para a
promoção e a construção de uma sociedade e um futuro mais digno e justo.
Cléo Almeida - Gerente de
Comunidades e Comunicação da {reprograma}, iniciativa de impacto social que foca em ensinar
programação para mulheres em situação de vulnerabilidade social.
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