Imagem de vidro não homogêneo, no qual os elementos que dão cor estão concentrados em certas regiões (foto: Nilanjana Shasmal/CeRTEV) |
Um estudo conduzido no Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV) mostrou, pela primeira vez, que a inclusão de óxido de nióbio (Nb2O5) em vidros compostos por silicatos resulta na polimerização da rede de silício (Si), aumentando a densidade de ligações e a conectividade do material. Isso, por sua vez, melhora a estabilidade mecânica e térmica dos vidros especiais.
O estudo “Structural impact of niobium oxide on lithium silicate
glasses: Results from advanced interaction-selective solid-state nuclear
magnetic resonance and Raman spectroscopy”, publicado na
revista Acta Materialia, teve como primeiro autor Henrik Bradtmüller e
foi coordenado por Edgar Dutra Zanotto,
que supervisionou Bradtmüller em sua pesquisa de pós-doutorado,
apoiada pela FAPESP.
“Nosso
estudo combinou observações experimentais, usando espectroscopia por
ressonância magnética nuclear e espectroscopia Raman, com modelagem
computacional. Além dos resultados mencionados, verificamos que teores mais
altos de nióbio levam ao agrupamento do óxido de nióbio (Nb2O5), aumentando a
polarizabilidade eletrônica do vidro, com um impacto importante em suas
propriedades ópticas”, diz Bradtmüller.
Vale
lembrar que a espectroscopia Raman fornece informações precisas sobre a
estrutura molecular de diferentes materiais, enquanto a espectroscopia por
ressonância magnética nuclear (RMN) explora, além disso, as propriedades
magnéticas de seus núcleos atômicos. “Nossa estratégia, combinando essas duas
técnicas observacionais com modelagem computacional, poderá ser utilizada para
estudar elementos funcionais de muitos outros tipos de vidro, incluindo
materiais ópticos, vidros bioativos e condutores vítreos de íons rápidos. Isso
facilitará o design de formulações de vidro inovadoras, adaptadas a várias aplicações”,
sublinha o pesquisador.
Bradtmüller
enfatiza que, além das aplicações corriqueiras dos vidros comuns, usados na
fabricação de recipientes e divisórias, os vidros de alta qualidade também se
tornaram praticamente onipresentes em nosso cotidiano, desde componentes de
microscópios e telescópios voltados para a pesquisa científica até fibras
ópticas destinadas à transmissão de dados e energia, além das órteses
vitrocerâmicas cada vez mais empregadas em medicina. “Em reconhecimento ao
papel que o vidro desempenha na sociedade contemporânea, a Organização das
Nações Unidas (ONU) declarou 2022 como o Ano Internacional do Vidro”, informa.
Para atender às aplicações avançadas em dispositivos de alta tecnologia,
os cientistas de materiais estão focando no design de vidros com propriedades
personalizadas, utilizando recursos computacionais como aprendizado de máquina
(machine learning). No entanto, isso depende de dois
fatores críticos: criar bases de dados abrangentes e confiáveis; e definir
parâmetros estruturais que considerem a complexa natureza físico-química do
vidro e suas propriedades funcionais. É aqui que entra o estudo em pauta.
“Há uma
classe de óxidos, chamados de intermediários, que desempenha papel estratégico
nesse novo momento tecnológico. Eles não formam vidro sob condições-padrão de
resfriamento em laboratório. Mas, na presença de outros óxidos, podem
contribuir positivamente, compondo pontes de oxigênio e conferindo ao vidro
formado propriedades de interesse. É o caso do óxido de nióbio”, afirma
Bradtmüller.
Os vidros
contendo nióbio (Nb) são valorizados por suas propriedades ópticas não
lineares, com aplicações potenciais em dispositivos optoelétricos, bem como por
suas propriedades mecânicas, sendo utilizados na confecção de materiais
bioativos. “Apesar de vários estudos com Nb2O5 já terem sido conduzidos, o
papel estrutural do nióbio permanecia obscuro, principalmente devido à falta de
dados sistemáticos de caracterização espectroscópica. Foi essa lacuna de
conhecimento que preenchemos com o nosso estudo”, pontua Bradtmüller.
E explica:
“Por meio da espectroscopia, descobrimos que a adição de nióbio causa uma
‘polimerização’ da rede de silício-oxigênio (Si-O), ou seja, um aumento na
conectividade dos elementos componentes do vidro. Isso esclareceu o papel do
nióbio como ‘formador de rede’. Além disso, e este foi outro destaque da
pesquisa, demonstramos que uma nova técnica de RMN, que desenvolvemos em 2020
usando outros materiais, é aplicável em vidros. Essa técnica, chamada de
W-RESPDOR, possibilita medir as distâncias entre dois elementos, no caso, o
lítio (Li) e o nióbio (Nb), sendo este último um núcleo desafiador, antes
impossível de medir com técnicas semelhantes”.
O
pesquisador conta que a modelagem computacional permitiu descobrir que, em vidros
baseados em sílica, na escala de 5 a 10 nanômetros, os íons de lítio se
distribuem de forma randômica, enquanto o nióbio tende a formar aglomerados em
altos teores de Nb2O5. Segundo ele, esse tipo de arranjo estrutural jamais
havia sido reportado na literatura, representando uma contribuição original da
pesquisa.
“De um
ponto de vista mais amplo, o trabalho forneceu uma estratégia
experimental/computacional para desvendar o papel desempenhado nos vidros pelos
óxidos intermediários, que possuem núcleos ativos para a espectroscopia por
RMN”, acrescenta o professor Zanotto.
O estudo contou também com a colaboração de Hellmut Eckert,
vice-diretor do CeRTEV e especialista em ressonância magnética nuclear (RMN), e
de Anuraag Gaddam,
bolsista de pós-doutorado supervisionado
por Eckert e especialista em técnicas de simulação computacional.
O projeto foi apoiado pela FAPESP no
âmbito do CeRTEV, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs)
financiados pela Fundação.
O artigo “Structural impact of niobium oxide on lithium silicate
glasses: Results from advanced interaction-selective solid-state nuclear
magnetic resonance and Raman spectroscopy” pode ser acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1359645423003920.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-explica-o-papel-de-certos-tipos-de-oxidos-na-estrutura-e-desenvolvimento-de-vidros-especiais/41986/
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