Houve um tempo, não muito distante, em que cooperativa agropecuária era sinônimo de risco, fisiologismo e instrumento de uso político dos seus líderes, que, embora pudessem ser bons agricultores, geralmente eram mal preparados para a gestão de uma instituição maior e mais complexa.
Cresci, me formei e iniciei minha carreira
profissional vendo diversas dessas instituições quebrarem ou jogarem seus
prejuízos nas costas do governo e dos credores. Isso mudou, e como mudou!
Apenas para se ter uma ideia, atualmente, entre as dez maiores empresas de
capital fechado do Brasil, cinco são cooperativas agropecuárias.
Hoje em dia, ao visitar essas instituições, é cada
vez mais comum depararmos com profissionais altamente qualificados. São traders,
gerentes financeiros, controllers, entre outros, de excelente
nível técnico, que há alguns anos só encontrávamos em grandes corporações nas
maiores capitais do País. As normas e os processos são descritos, difundidos e
respeitados.
Ponto particularmente sensível, que serve como
exemplo, é a aprovação de crédito dos cooperados. Antigamente era um processo
com forte componente político, em que os diretores concediam crédito de forma
discricionária aos seus apaniguados e eleitores. Hoje, na maioria das vezes,
trata-se de um processo disciplinado, devidamente estabelecido, que envolve
analistas de crédito, ferramentas de rating, alçadas bem definidas e decisão
colegiada. Algumas cooperativas já possuem até administradores profissionais
(CEOs e CFOs), separando claramente as funções dos órgãos de decisão
estratégica dos de execução.
Vários são os fatores responsáveis pela mudança. O
primeiro, e mais importante, é o próprio crescimento da agricultura brasileira.
Maior produção significa maior necessidade de crédito, para obtê-lo é
necessário demonstrar aos financiadores capacidade de pagamento, ferramentas
para a mitigação dos riscos, além de estratégia clara e bem definida. Dessa
forma, a necessidade se impôs. O segundo é o apoio da Organização das
Cooperativas Brasileiras (OCB) e suas entidades regionais, no estímulo à
modernização e à boa governança.
Destaco em especial, o trabalho da Organização das
Cooperativas do Paraná (Ocepar), que entre outras ações, montou um benchmark
de mais de 40 índices (operacionais e financeiros) para medir e comparar as
associadas, gerando estímulo para que as políticas e práticas daquelas que se
destacam sejam também implementadas pelas demais. O terceiro, e não menos
importante, é a democratização do conhecimento e da informação por meio da
tecnologia, permitindo a quem está no interior do Brasil ter acesso em igual
quantidade, qualidade e velocidade que os profissionais dos grandes centros
urbanos ao redor do mundo.
É óbvio que o mercado é muito heterogêneo e ainda
existem cooperativas atrasadas nesse processo de modernização. Um ponto
importante e difícil a ser encarado por esse grupo é a capitalização dessas
organizações. Cooperativa forte precisa ter balanço robusto e isso implica
reter uma parte importante das sobras cooperativas, proposta nem sempre
simpática aos cooperados, justamente aqueles que têm poder para aprová-la em
assembleias. Nesse caso, é fundamental o papel das lideranças no convencimento
de que vale a pena trocar um benefício de curto prazo por outro muito maior no
longo prazo.
O cooperativismo é um importante propulsor do
desenvolvimento da agropecuária brasileira, sobretudo nas regiões onde imperam
pequenas e médias propriedades. Ele agrega valor ao produto, fornece suporte,
dilui custos, difunde tecnologia e fomenta boas práticas, permitindo, dessa
forma, que o agricultor participe do mercado globalizado, competindo de igual
para igual com grandes players. Seu sucesso, contudo, depende
de boa governança e gestão financeira profissionalizada.
Manoel Pereira de Queiroz -
superintendente de Agronegócio do Banco Alfa e membro do Conselho Superior do
Agronegócio da Fiesp
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