Coordenadora do curso de Direito do Centro Universitário São Camilo, Marina de Neiva Borba, discute direitos dos pacientes que têm doença incurável a partir de regulamentações já consolidadas no País
Nas últimas
semanas, o tema “cuidados paliativos” esteve em destaque na imprensa nacional e
internacional. Segundo definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), esta
modalidade de assistência à saúde integral é ofertada no momento do diagnóstico
de uma doença grave que ameace a vida da pessoa.
Em outras
palavras, trata-se dos “cuidados de suporte”, no qual o tratamento prevê o
alívio da dor e do sofrimento físico, social, psicológico e espiritual. É o
caso de doenças como o câncer em estágio avançado e metastático, cujo
tratamento engloba a qualidade de vida do paciente e seus familiares durante a
sobrevida, e não a cura da doença.
“Cuidados
paliativos são um direito de todo o paciente no Brasil, ainda que não haja
legislação específica federal sobre o tema. Existem normas constitucionais - o
princípio da privacidade e a regra da vedação a tratamentos desumanos e
degradantes - que respaldam tal direito. Do ponto de vista da bioética clínica,
a melhor conduta será aquela tomada de forma compartilhada entre o paciente -
quando ele ainda tiver plena autonomia -, os seus familiares ou representantes
legais e a equipe multidisciplinar que estiver prestando os cuidados
paliativos. O processo de tomada de decisão compartilhada respalda-se, então,
no modelo de cuidado centrado no paciente de modo que os seus interesses e
preferências de tratamento ou recusa de tratamento serão levados em
consideração”, explicou a advogada Marina de Neiva Borba, coordenadora do curso
de Direito do Centro Universitário São Camilo e doutora em Bioética.
A
regulamentação como apoio
Em alguns
estados brasileiros, como São Paulo, foram editadas leis que reconhecem os
direitos do paciente. Um exemplo é a Lei Nº 10.241, de março de 1999, conhecida
popularmente como “Lei Mário Covas”, que determina os direitos dos usuários das
ações e serviços de saúde no Estado. Neste caso, os pacientes em cuidados
paliativos podem “consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e
esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou
terapêuticos a serem nele realizados; receber ou recusar assistência moral,
psicológica, social ou religiosa; recusar tratamentos dolorosos ou
extraordinários [sem benefícios para a saúde e bem-estar] para tentar prolongar
a vida e, por fim, optar pelo local de morte”.
De acordo com a
advogada, “como esta lei estabelece expressamente o direito de recusar
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, incluindo tratamentos dolorosos e
extraordinários, ela respalda a declaração de vontade do paciente formalmente
manifestada em uma Diretiva Antecipada de Vontade (DAV), regulamentada pela
Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), popularmente
conhecida como testamento vital. Nesta manifestação de vontade, feita quando o
paciente ainda estiver lúcido, as suas vontades e preferências de tratamento ou
não tratamento deverão ser respeitadas pelos familiares, amigos, médicos e
instituições de saúde público e privadas”, esclareceu.
Quando o
paciente adulto não tiver manifestado a sua DAV e não estiver mais lúcido para
tal, os representantes legais têm ao seu lado a Resolução 1805/2006 do CFM, que
permite ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que
prolonguem a vida do doente em fase terminal, desde que seja respeitada a
decisão do seu representante legal, garantindo-se os cuidados necessários para
aliviar os sintomas que levam ao sofrimento sob a perspectiva de assistência
integral.
“Neste sentido,
é possível que profissionais da equipe multidisciplinar, pacientes e
representantes legais – que geralmente são familiares ou amigos - se reúnam
para deliberar de forma compartilhada os cuidados de saúde a serem tomados ou
descontinuados, lembrando que o médico é obrigado a oferecer todos os cuidados
paliativos disponíveis, de acordo com o artigo 41 do atual Código de Ética
Médica”, esclareceu Marina de Neiva Borba.
Desligar
ou não os aparelhos? Eis a questão!
No Brasil, as
discussões sobre a suspensão ou não implementação de suporte artificiais de
vida têm sido cada vez frequentes: somente neste ano de 2022, em maio e em
agosto, houve manifestações por entidades médicas especializadas acerca da
retirada da alimentação e hidratação artificiais, certamente, uma das mais
polêmicas formas de recusa de tratamento por ser corriqueiramente confundida
com a prática da eutanásia.
Para a
coordenadora do curso de Direito do Centro Universitário São Camilo, que também
é especialista em Bioética, é importante refletir e manifestar os seus desejos
de fim de vida ao médico da família para que a decisão sobre a manutenção ou
não de um tratamento possa ser tomada de forma clara e tranquila por todas as
pessoas envolvidas no cuidado.
“Nos casos de tratamento que não gerem benefícios ao paciente, mas que apenas prolongam o seu sofrimento, a recusa terapêutica deve ser concretizada para que a doença de base da pessoa possa cumprir o seu percurso natural sem um prolongamento fútil e obstinado. Nestes casos, podem ser considerados recusa de tratamento: o desligamento do suporte de ventilação artificial, suspensão da nutrição e hidratação artificiais, a recusa à hemodiálise ou à amputação de membros, as ordens de não ressuscitação, dentre outros”, explicou a especialista.
Para a
implementação de uma cultura de respeito à dignidade da pessoa no final de sua
vida, é preciso mais debates entre membros das sociedades médicas e da
sociedade política e civil para a consolidação de uma legislação específica
sobre o tema de forma a garantir mais segurança jurídica aos profissionais da
saúde.
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