A famosa avenida dos Baobás, na região oeste de Madagáscar, é um dos lugares mais visitados do país por conta dessas árvores, que têm espécies endêmicas na ilha (foto: RBG Kew)
Um território com área equivalente à do Estado de Minas Gerais em que
82% das espécies de plantas e 90% dos vertebrados só ocorrem lá. Convivendo com
essa biodiversidade única no planeta, uma população com um dos menores índices
de desenvolvimento humano (IDH) do mundo. Madagáscar, país insular na costa
sudeste africana, possui o desafio de harmonizar a conservação com o
desenvolvimento.
Um retrato dessa diversidade biológica, as principais ameaças e as
perspectivas para sua conservação compõem dois estudos publicados na
revista Science nesta quinta-feira (01/12) por
pesquisadores de 50 organizações de todo o mundo, incluindo uma
brasileira apoiada pela FAPESP.
“Do ponto de vista da conservação, Madagáscar tem desafios parecidos com
os do Brasil. É um país em desenvolvimento, mas com áreas remotas pobres. Ambos
precisam trabalhar a conservação junto à melhoria das condições sociais”,
afirma Thaís Guedes,
do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), uma
das autoras dos estudos.
Em um deles, o time de pesquisadores
faz uma extensa revisão e atualização do que se sabe sobre a evolução,
distribuição e usos da biodiversidade da ilha. Os cientistas mostram que as
espécies de Madagáscar são tão próprias daquele lugar que a extinção de apenas
uma delas pode significar ao mesmo tempo o fim de toda uma linhagem evolutiva.
“Falamos
que Madagáscar tem espécies únicas no mundo, mas isso vai além. Existem
categorias maiores que espécies que só existem lá, como a dos lêmures
[Lemuroidea], toda uma ordem de aves [Mesitornithiformes] e todas, exceto três
espécies, de sapos mantelídeos. A perda de uma espécie pode representar o fim
de toda uma linhagem que demorou milhões de anos para se constituir”, diz
Guedes.
No caso
dos lêmures, linhagens inteiras já foram extintas, como as dos lêmures-koala,
lêmures-macacos e lêmures-preguiça. Desapareceram da natureza ainda as duas
espécies de hipopótamo da ilha, tartarugas gigantes, além da ordem das
aves-elefante. Segundo os pesquisadores, extinções como essa representam
implicações de grande escala para o funcionamento do ecossistema.
Os dados
atualizados pelo estudo dão conta de que hoje há descritas na ilha 11.516
espécies de plantas vasculares (82% endêmicas) e 1.215 briófitas (28%
exclusivas do território). Entre os vertebrados terrestres e de água doce, 95%
dos mamíferos, 56% das aves, 81% dos peixes de rios e 98% dos répteis não são
encontrados em nenhum outro lugar na Terra.
São tidas
como extintas 13 espécies endêmicas, considerando apenas extinções depois do
ano 1500. Outras 33 extinções ocorreram em tempos pré-históricos, ainda assim
associadas à chegada dos primeiros humanos na ilha.
Oportunidades
No outro estudo publicado, os
autores refletem sobre o declínio da biodiversidade malgaxe, mas também apontam
oportunidades de conservação para o país. Uma vez que grande parte da população
retira o sustento das florestas na forma de lenha ou caça, os autores veem esse
fato como uma oportunidade para um desenvolvimento baseado no uso sustentável
da biodiversidade.
Das 40.283
espécies de plantas usadas por humanos no mundo, 1.916 (5%) são encontradas em
Madagáscar, 595 endêmicas do país. Com 28 milhões de habitantes, 10,4% do
território é protegido por lei.
“Até
agora, o foco tem sido criar áreas protegidas e excluir seres humanos delas o
máximo possível, diminuindo seus impactos na biodiversidade. Infelizmente, isso
não tem trazido os resultados esperados, porque comunidades pobres – a grande
maioria da população do país – precisam cozinhar e esquentar suas casas e, sem
alternativas, cortam árvores das reservas existentes para usar a madeira”,
conta Alexandre Antonelli, biólogo paulista que é diretor científico dos
Jardins Botânicos Reais em Kew, ou Kew Gardens, na Inglaterra, e coordenou os
estudos.
Por isso,
os cientistas sugerem que a criação de novas áreas protegidas não deve ser o
foco, mas, sim, restaurar matas fora desses territórios para diminuir a pressão
sobre eles. O reflorestamento e a conservação, baseados em evidências
científicas e efetividade, são algumas das cinco oportunidades que os autores
listam para o país. Para chegar às sugestões, os cientistas debateram com
pesquisadores de dentro e fora de Madagáscar, além de líderes conservacionistas
e políticos.
Os autores
sugerem ainda expandir o monitoramento da biodiversidade, incluindo a produção
e a disponibilização de bancos de dados sobre as espécies. Além disso, reforçam
a necessidade de aumentar a efetividade da proteção das áreas existentes, seja
pelo engajamento das comunidades, treinamento e oportunidades de geração de
renda. Para isso, iniciativas de conservação e restauração devem incluir também
paisagens e comunidades do entorno das áreas protegidas. Por fim, as ações para
conservar as florestas devem levar em conta as principais causas da perda de
biodiversidade, o que inclui a pobreza e a insegurança alimentar, problemas que
afetam também o Brasil, apesar das peculiaridades de cada país.
“É de
enorme interesse nacional e global que florestas de ambos os países sejam
preservadas e áreas degradadas sejam restauradas. Elas capturam e armazenam
grandes quantidades de carbono, o que é essencial para combatermos o
aquecimento global. Quando são cortadas, as consequências afetam as populações
mais marginalizadas da sociedade”, explica Antonelli.
O
cientista lista entre os problemas decorrentes do desmatamento a falta de água
potável em riachos e lençóis freáticos, maior risco de desmoronamentos em
encostas de montanha, menor número de insetos polinizadores para a agricultura
próxima às florestas e menor possibilidade para as comunidades humanas de
enfrentar ondas de calor extremo, por falta de sombra e fator esfriante
proporcionado pela evaporação de água das florestas.
“De modo
geral, os padrões de riqueza de biodiversidade que apresentamos para Madagáscar
são muito moldados pelo conhecimento de plantas e vertebrados. Não conhecemos
muito bem invertebrados e fungos, por exemplo. Precisamos amostrar esses grupos
pouco conhecidos, bem como empregar múltiplas métricas de diversidade em
estudos futuros. Recomendamos, tanto para Madagáscar quanto para o Brasil,
levar em conta não apenas a diversidade de espécies como a história evolutiva
desses lugares”, encerra Guedes.
O artigo Madagascar’s extraordinary biodiversity:
Evolution, distribution, and use pode ser acessado em: www.science.org/doi/10.1126/science.abf0869.
O estudo Madagascar’s extraordinary biodiversity:
Threats and opportunities está disponível para assinantes em: www.science.org/doi/10.1126/science.adf1466.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/apesar-de-peculiaridades-desafios-para-a-conservacao-em-madagascar-sao-similares-aos-do-brasil/40208/
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