A inflação tem assombrado
os mercados financeiros, principalmente pela pouca clareza quanto à volta para
os níveis estabilizados e regulares. A probabilidade de fecharmos 2022 com IPCA
acima de 10% ao ano vem ganhando relevância, ratificando as perspectivas de
continuidade de aumento das taxas de juros por aqui.
E na natureza dos principais
causadores dessa relevante degradação da percepção de risco, a incerteza quanto
ao prazo de solução não é animadora. Falamos de uma guerra que pode se estender
indefinidamente, de uma pandemia que volta a trazer danos à economia chinesa,
além do recorrente risco de elevação da taxa de juros americanos. Nenhum desses
fatores têm data certa para ser solucionado.
A guerra, mesmo que com o
desejado fim, manterá efeitos das fortes sanções, com impactos nos preços de
importantes commodities. O lockdown na China por conta da Covid impacta
fortemente suas exportações, levando a preços pressionados ao redor do mundo.
Nos Estados Unidos, a inflação alta, que já ultrapassa os 3% no acumulado e tem
perspectivas de ultrapassar os 6% ao fim de 2022, junto com o baixo nível de
desemprego e crescimento deverão manter forte pressão sobre elevação da taxa de
juros.
No Brasil, apesar da
inflação continuar crescente, principalmente devido ao preço de energia,
petróleo e commodities, a atividade econômica vem surpreendendo. Esse fato
acabou permitindo previsões mais otimistas em relação ao PIB e à geração de
novos empregos, principalmente nos setores de serviço e de varejo. Desse modo,
as taxas de desemprego já transitam em níveis anteriores aos da pandemia.
O mercado de renda fixa
brasileiro continua forte, com muitas emissões de dívida privada já realizadas
esse ano e um pipeline robusto de novas emissões, que devem ocorrer no segundo
semestre. Os investidores estão buscando as boas rentabilidades que o mercado
de juros está proporcionando com o aumento da Selic, hoje em 12,75% e com viés
de alta na próxima reunião do Copom.
Diferentemente de outros
anos de eleição, nos quais vimos empresas acessando o mercado
preponderantemente no primeiro semestre, devido à incerteza do investidor
quanto a definição política para tomar a decisão sobre onde alocar seu capital,
o ano de 2022 parece trazer um comportamento distinto. Questões políticas
parecem mitigadas pela notória independência do Banco Central, que dá sinais de
que fará o que for preciso para trazer a inflação para o centro da meta. Esse é
o primeiro ano, desde 1989, que os juros estão subindo em um ano de eleição
presidencial.
Em abril, os fundos de
investimentos aumentaram alocação em títulos de dívida corporativa em aproximadamente
R$ 34 bilhões. Somente em debêntures, houve um aumento de alocação de R$ 8
bilhões (aumento acumulado de R$22 bilhões em 2022), o que reflete o bom
momento do mercado de dívida. O contraponto desse movimento positivo da renda
fixa está na renda variável e em multimercados, que tiveram resgates líquidos
de R$38 bilhões e R$58 bilhões, respectivamente.
O cenário anterior de
taxas de juros reais negativas “empurrou” investidores para renda variável,
viabilizando um importante avanço de IPOs em 2020/2021, momento em que os
fundos de renda fixa sofriam resgates seguidos.
A conjuntura mudou. Hoje vemos um movimento contrário com os recursos migrando de multimercados e renda variável para o mercado de renda fixa. Há uma maior dificuldade de os IPOs voltarem no curto prazo. A saída das empresas, ao menos por enquanto, é captar a um custo maior na renda fixa. As apostas na retomada do mercado acionário ficam para 2023 em diante, principalmente em setores e companhias novas.
Luciano
Camargo Neves - economista e sócio da BeeCap
Nenhum comentário:
Postar um comentário