Fórum Animal espera que autoridades brasileiras repensem o transporte de animais para abate no exterior
O naufrágio de uma
embarcação com quase 6 mil bovinos a bordo foi o estopim para a Nova Zelândia
proibir a exportação marítima de gado este mês. A completa interrupção da
operação deverá ocorrer em um prazo estabelecido de dois anos.
E apesar da decisão não
incluir animais transportados por via aérea, a medida tomada pelo governo
neozelandês é vista com bons olhos por grupos que lutam pelo fim desse tipo
cruel de comércio. O Fórum Animal, organização brasileira sem fins lucrativos
que atua há mais de 20 anos na proteção animal, espera que a decisão sirva de
exemplo para o Brasil, um dos principais países exportadores de
animais vivos.
Exportação de animais
vivos no Brasil
O Brasil é um dos maiores
exportadores de carne bovina processada do mundo. Entretanto, há 20
anos o país também passou a comercializar animais vivos por via marítima,
sendo os principais destinos os países de origem muçulmana, como Turquia,
Iraque, Líbano e Egito, onde estes animais são abatidos conforme preceitos da
religião (método Halal).
Dados de 2018 do
Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços apontam que nesse ano
foram mais de 700 mil animais exportados para o abate.
Já em 2019, houve uma
queda na exportação (473 mil animais), e esse tipo de comércio ficou na 67ª
colocação como produto exportado pelo Brasil, correspondendo a apenas 0,2% das
exportações e com queda de mais de 20% se comparado com 2018.
No ano de 2020, até abril,
foram exportados US$ 92,1 milhões, queda de 35% se comparada ao mesmo período
de 2018.
O Brasil possui mais de
100 frigoríficos credenciados para realizar o abate pela técnica Halal e mais
de 25% dos produtos exportados são absorvidos pelo Oriente Médio e Norte da
África.
O Fórum Animal alerta
que, do ponto de vista econômico, a exportação marítima não beneficia o
país e pode comprometer nossa imagem exterior, uma vez que esta prática submete
os animais a condições deploráveis e inaceitáveis pela comunidade
internacional.
Para a organização,
devemos seguir o exemplo de países como a Nova Zelândia, que, após um incidente
que causou a morte de animais e pessoas, repensou suas práticas comerciais,
abolindo as piores. A indústria brasileira é especializada e apta a atender a
esse mercado de produtos Halal, sendo o transporte marítimo obsoleto,
desnecessário e que acarreta sofrimento adicional aos animais e enormes riscos
operacionais.
O transporte marítimo de
animais
Primeiro de tudo, bovinos
de diferentes origens são enviados a uma fazenda para realizar a quarentena que
antecede a viagem marítima.
Após isso, os animais são
transportados até o porto e embarcados em navios que podem transportar até mais
de 25 mil animais. O processo de embarque pode durar até uma semana e, nesse
período, a embarcação não é higienizada e nem é ventilada.
Os animais embarcados
primeiro ficam mais tempo em situação precária. As viagens são longas e podem
durar de dias até mais de 3 semanas.
As condições durante o
trajeto são terríveis. Os ambientes têm alta densidade de animais, são mal
ventilados, com altas temperaturas e umidade. O excesso de sujeira existente
predispõe a lesões e doenças.
Como as embarcações são
velhas (mais de 40 anos de uso, geralmente) e adaptadas de outros usos, os
riscos de naufrágios e incidentes durante a viagem são grandes. O destino
desses animais é o abate por métodos não humanitários.
Luta pelo fim da
exportação de gado vivo
No fim de 2017, o Fórum
Animal ingressou com ação judicial requerendo a
suspensão da exportação marítima de gado vivo
até que fossem adotadas medidas para garantir o bem-estar animal durante a
viagem e que o abate no país de destino ocorresse de maneira humanitária.
Em janeiro de 2018, o
navio Nada que embarcava mais de 25 mil bovinos no porto de Santos-SP foi
inspecionado por médica veterinária nomeada perita judicial que constatou a
precariedade das instalações e a condição inadequada dos animais.
À época, um inquérito
policial solicitou perícia para esclarecer se as condições de embarque e transporte dos animais atendiam às exigências legais e se seria
possível constatar a ocorrência de abusos ou maus-tratos na embarcação.
“O caso do navio
Nada não é um problema circunstancial, mas estrutural do transporte marítimo
de longa distância. E esse problema não é específico do Brasil. Trata-se de
um problema global. E as nações desenvolvidas não
estão livres dele, incluindo o maior exportador de animais vivo do mundo: a
Austrália”, afirmou a perita. "Esse laudo considera o transporte de
animais por longa distância por via marítima atividade obsoleta e perigosa ao
bem-estar animal.”
Além da crueldade com os
animais, as más condições dos navios e a superlotação provocam alta disseminação
de doenças. Hoje, cientistas alertam que novas pandemias, como a do novo
coronavírus, podem ser provocadas pela forma como a sociedade tem tratado os
animais.
Incidentes como o
naufrágio da embarcação da Nova Zelândia escancaram que não há maneira segura e
humanitária de transportar animais vivos para abate em percursos tão longos e
por vias marítimas.
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