Em 12 de maio de 2021 foi publicada a Lei nº 14.151 que determinou o afastamento da empregada gestante das atividades laborais na modalidade presencial, durante pandemia da Covid-19. Trata-se de uma lei muito simples, com apenas dois artigos, mas que pode causar um significativo impacto na economia e no incentivo da oferta de emprego às mulheres.
O art. 1º prevê que “durante a emergência de saúde pública de
importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante
deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo
de sua remuneração”. E o parágrafo único complementa com a seguinte determinação:
“a empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para
exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho
remoto ou outra forma de trabalho a distância.”
Em uma primeira leitura não há como negar que se trata de uma
lei muito interessante, especialmente sob o viés do princípio da dignidade da
pessoa humana, vez que os direitos humanos do nascituro são resguardados desde
a sua concepção, sendo, essencial, para tanto, a proteção da gestante.
Atualmente, diversas atividades podem ser realizadas por meio do teletrabalho,
ou outra forma de trabalho a distância e, quanto a esta atividades, não há
maiores problemas, vez que a gestante permanecerá com sua remuneração integral
e desenvolverá suas atividades em seu domicílio.
A lei propõe que as atividades da empregada gestante sejam
desempenhadas em seu domicílio. Assim, cabe ao empregador priorizar o
cumprimento da lei, ainda que, para tanto, tenha que modificar a função da
gestante, por exemplo. De modo que, para as empresas cujas atividades possam
ser adequadas para serem desenvolvidas à distância, não há maiores problemas.
A grande discussão sobre a aplicabilidade desta lei está nos
casos em que as atividades desenvolvidas pela gestante não possam ser realizadas
a distância, como, a função de limpeza, motorista, ou, ainda, suponhamos, nos
casos em que por conta da pandemia aquele setor teve sua operação suspensa,
tais como academias, bares e restaurantes, ou seja, a empresa não está
desenvolvendo nenhuma atividade.
É sabido que o governo, com o intuito de promover a manutenção
do emprego e da renda, vem editando normas que permitem a suspensão do contrato
de trabalho, a redução da jornada de trabalho, mediante contraprestação de um
benefício emergencial, além de outras possibilidades, tais como, antecipação de
feriados e férias.
Há quem entenda que a Lei nº 14.151/21 criou uma licença
remunerada para as gestantes, e que nos casos em que não for possível o
desenvolvimento das atividades em domicílio, a gestante receberá sua
remuneração integral sem qualquer prejuízo ou afastamento previdenciário.
O problema é que esta norma cria mais uma obrigação financeira
para as empresas, as quais, por conta da pandemia, vêm enfrentando uma séria
crise econômica, de modo que a criação de uma licença remunerada para gestantes
onera ainda mais o setor. A meu ver, esta norma deve ser interpretada de
maneira que beneficie não somente as gestantes como também os empregadores e, caso
não surja uma norma que determine ao menos a possibilidade de compensação
tributária da remuneração da empregada afastada sem a prestação de serviços,
dar uma interpretação mais benéfica será a saída mais adequada.
A Lei nº 14.151/21 está inserida em um sistema de normas
específicas que tratam da emergência de saúde pública de importância nacional
decorrente do novo coronavírus e, por integrar o sistema deve ser interpretada
em conformidade com este.
Assim, nos casos em que for impossível o desenvolvimento das
atividades pela gestante em seu domicílio, bem como nenhuma atitude acessória
puder ser implementada no caso, como a mudança de função da empregada, por
exemplo, e somente durante o período necessário ao cumprimento da norma, poderá
o empregador fazer uso das demais regras do sistema, tal como suspender o
contrato de trabalho no período, nos termos da MP nº 1.045/2021. Entretanto,
nesta hipótese, como a norma determina a obrigação de manter a remuneração
integral da gestante, caso o benefício emergencial seja inferior, deverá o
empregador complementar o valor para a empregada. Destaca-se que para a empresa
suspender o contrato de trabalho da gestante deverá estar documentada a
respeito da impossibilidade de atendimento da norma por outras alternativas.
Importante salientar que a gestante também terá o dever de se
manter em isolamento, de modo que é possível pensar em justa causa para a
gestante que deixar de cumprir o isolamento.
Não há dúvida que se trata de uma lei que trouxe mais
questionamentos do que certezas, tais como: as gestantes que foram já
vacinadas, devem ser afastadas? Como ficaria o caso das empregadas domésticas
gestantes que trabalham e residem no mesmo local? São questões que ainda
demandará uma profunda reflexão para serem respondidas.
O processo legislativo, mais uma vez, deixou de fora situações
importantes que deveriam ter sido previstas na norma e que gera uma grande
insegurança jurídica. Não surpreenderá o fato de que em breve venha a ser
editada uma nova medida provisória para complementar os pontos omissos da
Lei nº 14.151/21.
Gisele Bolonhez
Kucek - mestre em Direito pelo Unicuritiba, especialista em Direito
Processual Civil. Bacharel em Direito pela UFPR. Advogada sócia da Derenne e
Bolonhez Advogados Associados. gisele@derennebolonhez.adv.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário