75% das pessoas com transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias não recebem nenhum tratamento para sua condição
O Dia
Mundial da Saúde Mental é celebrado em 10 de outubro de cada ano, com o
objetivo principal de aumentar a conscientização sobre as questões de saúde
mental em todo o mundo e mobilizar esforços em prol desta temática. O dia
também oferece uma oportunidade para todas as partes interessadas
(profissionais da saúde, gestores, legisladores, políticos e os usuários e seus
familiares portadores de doenças psiquiátricas) falarem sobre seu trabalho e o
que mais precisa ser feito para tornar a assistência à saúde mental uma
realidade para as pessoas em todo o mundo.
Neste ano, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) endossa a campanha "Move for mental health: let’s invest" para chamar a atenção mundial para o
subfinanciamento crônico que existe em todo mundo nesta área, uma vez que a saúde mental é uma das áreas mais negligenciadas da saúde
pública. Para se ter uma ideia da dimensão nesta questão em números, de acordo com a OMS, cerca de 1 bilhão de pessoas vivem com um
transtorno mental, 3 milhões de pessoas morrem todos os anos devido ao uso
nocivo do álcool e uma pessoa morre a cada 40 segundos por suicídio. Além
disso, sabe-se que os transtornos mentais são as principais causas de
incapacidade em todo o mundo, inclusive nos países de baixa e média renda -
nesses lugares é menor a capacidade de suportar os encargos destinados à saúde
mental nos sistemas públicos de saúde. Estima-se, por exemplo, que globalmente
264 milhões de pessoas sejam afetadas pela depressão. A esquizofrenia é outro
transtorno mental grave que abrange 20 milhões de pessoas em todo o mundo;
enquanto 45 milhões de pessoas mundialmente são acometidas pelo transtorno
bipolar.
Apesar destes números
alarmantes, em países de renda baixa e média, mais de 75% das pessoas com
transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias não recebem nenhum
tratamento para sua condição. Os países gastam em média apenas 2% do seu
orçamento de saúde em saúde mental. Apesar de alguns aumentos nos últimos anos,
os recursos para a saúde mental nunca excederam 1% de toda a assistência ao
desenvolvimento para a saúde. “Isso apesar do fato de que para cada US $ 1
investido em tratamento intensivo para transtornos mentais comuns, como
depressão e ansiedade, há um retorno de US $ 5 em melhoria da saúde e
produtividade. Relativamente poucas pessoas em todo o mundo têm acesso a
serviços de saúde mental de qualidade. Além disso, o estigma, a discriminação,
a legislação punitiva e as violações dos direitos humanos ainda são comuns.Já no cenário brasileiro, as palavras insuficiente e pouco efetivo
resumem bem o tratamento dado à saúde mental no Brasil, que está em crise”,
afirma Alessandra Diehl, que também é vice-presidente da Associação Brasileira
de Estudos Sobre o Álcool e Outras Drogas (ABEAD).
Fernanda Nedel, vice-presidente da Associação
Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ), acredita que a falta de investimentos na
saúde mental, em relação às outras áreas da medicina é histórico. “No passado,
havia poucas opções terapêuticas e os medicamentos causavam efeitos colaterais.
Muitos pacientes com transtornos mentais eram isolados e esse estigma resiste
até hoje. Muitos pensam que os remédios fazem os pacientes dormirem o dia todo.
Esse preconceito está presente até nas famílias, que, muitas vezes, não apoiam
o tratamento psiquiátrico por acreditaram que o problema está relacionado a
questões como falta de fé, falta de vontade ou desvio de caráter”, pontua.
Além disso, as autoridades da saúde não
conseguem vislumbrar e compreender a complexidade da doença psiquiátrica,
direcionando os investimentos para outras áreas médicas em detrimento da
psiquiatria. “Um infarto, por exemplo, parece um problema urgente e visível,
quando a saúde mental também é. Em jovens, o suicídio já é a segunda causa de
morte”, avalia Fernanda.
Dependência química e transtornos
psiquiátricos
O Relatório Mundial sobre
Drogas de 2020 aponta que 36 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de
transtornos por uso de substâncias. O Brasil é atualmente considerado o maior
mercado mundial de crack do mundo. Cerca de 1,8 milhões de pessoas relataram o
uso de crack durante a sua vida, e um milhão de pessoas consumiram a substância
no último ano da pesquisa realizada pelo II Levantamento Nacional sobre o
Consumo de Álcool e Drogas de 2012.
De acordo com Alessandra
Diehl, que também é vice-presidente da Associação Brasileira Sobre Estudos de
Álcool e Outras Drogas (ABEAD), entre as drogas ilícitas, a procura de
tratamento por abuso e dependência de crack está entre as incidências que mais
aumentaram nos últimos anos. Desse modo, a dependência de crack é a causa mais
frequente de hospitalização relacionadas à cocaína.
“Em razão da imensa
diversidade de questões envolvendo a dependência química, o tratamento exige
múltiplas abordagens contemplando diferentes ambientes terapêuticos. Desse
modo, devem estar disponíveis as mais variadas modalidades de tratamento em um
processo continuum de cuidados, mediante as necessidades de cada
paciente naquele momento, respeitando-se uma trajetória de cuidados, segundo a
evolução da gravidade da doença. Recursos que vão desde a prevenção primária
até intervenções complexas em unidades de internação devem estar integradas,
para uma política de assistência na área de álcool”, afirma Alessandra.
No setor de
dependência química, por exemplo, tem havido recentes esforços de ampliação de 11
mil para 20 mil vagas com investimento de R$ 92 milhões em programas de
Comunidades Terapêuticas. "No entanto, outros modelos e serviços da rede,
principalmente os ambulatórios, também carecem de investimento e ampliação,
comenta a psiquiatra".
Ela salienta também que
todas essas diretrizes estão contempladas na nota técnica de 2019, lançado pela
Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (CGMAD) do Ministério
da Saúde (MS), que diz respeito às mudanças na Política Nacional de Saúde
Mental (PNSM) e nas diretrizes da Política Nacional sobre Drogas (PNAD) no
Brasil. “No entanto, percebe-se que muitos gestores de saúde, formuladores de
políticas públicas, legisladores e até mesmo profissionais da saúde que atuam
na área, ainda desconhecem ou negam a existência da nova normativa”, relata a
psiquiatra.
Coronavírus X saúde mental
Se a saúde
mental já era um problema de saúde pública, a chegada iminente do Coronavírus
apenas acentua a gravidade dessa questão. Alessandra chama a atenção para um
estudo nacional, realizado em 2020, que entrevistou 45.161
brasileiros. Os resultados apontam que grande parte da população brasileira não
saíra ilesa da pandemia da Covid-19. “A pesquisa verificou que, durante a
pandemia, 40,4% se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos; 52,6%
relataram se sentir ansiosos ou nervosos; 43,5% apresentaram início de
problemas de sono; e 48% tiveram problema de sono preexistente agravado.
Tristeza, nervosismo frequentes e alterações do sono estiveram mais presentes
entre adultos jovens, mulheres e pessoas com antecedente de depressão”, conta.
O Dr. Júlio Dutra,
presidente da APPSIQ reforça que apesar as entidades
ligadas à psiquiatria já chamavam a atenção para um olhar mais cuidadoso das
autoridades para a saúde mental. “No início da pandemia já verificamos o medo e
aflição diante de uma possível contaminação. Essa é uma das sequelas que a
Covid-19 vai nos deixar, com a chegada de novos pacientes e do retorno de
antigos que estavam estáveis, mas que precisaram procurar novamente o
psiquiatra. O Coronavírus é um gatilho para transtornos pós-traumáticos e
processos de ansiedade exacerbados. A população e os gestores precisam ficar de
olho na saúde mental, que nunca foi tão necessária. Quem de nós não vê na
própria casa, na família e nas pessoas ao redor comportamentos de medo ou
preocupação excessivos?”, reflete.
Dutra salienta
que a pandemia apenas acentuou uma necessidade latente: os gestores precisam
gerir melhor os recursos da saúde para os transtornos mentais. “Essa é uma
realidade universal, que vai além da pandemia. A saúde mental é tão necessária
quanto a cardiologia e a pneumologia. Temos mais de 1 bilhão de pessoas
sofrendo com doenças psiquiátricas no mundo, que merecem todo respeito”,
analisa o presidente da APPSIQ.
Alessandra
ressalta ainda que, além de causar um impacto adicional na saúde mental das
pessoas, com a Covid-19 o atendimento a pacientes que sofrem de transtorno mental
foi interrompido ou reduzido em 93% dos países do mundo, segundo uma pesquisa
da OMS, divulgada no início de outubro.
Dia Mundial da Saúde Mental
Nesse dia 10 de
outubro, em que é comemorado o Dia Mundial da Saúde Mental, a OMS realiza um
evento mundial e o foco será necessidade urgente de abordar o subfinanciamento
crônico do mundo em saúde mental – um problema colocado em destaque durante a
pandemia de COVID-19. A transmissão será nas redes sociais da entidade, das 11
às 16 horas.
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