Estudo mostra que perereca endêmica da Serra da Canastra, em Minas Gerais, pode se dispersar menos e encontrar parceiros geneticamente mais próximos quando o terreno é mais acidentado, o que pode ser prejudicial à manutenção da espécie; resultado coloca topografia entre fatores potencialmente importantes para políticas de conservação (Bokermannohyla ibitiguara; foto: Renato C. Nali)
A perereca Bokermannohyla ibitiguara tem cerca de quatro
centímetros de comprimento e vive exclusivamente em riachos da Serra da
Canastra, em Minas Gerais. O anfíbio, cujo nome significa “moradora da serra”,
habita as chamadas matas ciliares, características de margens de rios e
riachos. Nesse conjunto de floresta e água os animais podem crescer, se
alimentar, encontrar parceiros e pôr seus ovos sem necessariamente irem muito
longe durante todo o seu ciclo de vida. É o que mostra um estudo publicado na Diversity and Distributions.
Segundo os
autores, a topografia, mais do que condições da vegetação, é o fator
preponderante para esses animais se dispersarem mais ou menos no território, a
ponto de essa informação ficar registrada em seu DNA.
Ao
analisar a variação genética de populações da perereca dentro e fora do Parque
Nacional da Serra da Canastra – uma área protegida dentro da região –
pesquisadores brasileiros e dos Estados Unidos descobriram que, quanto menos
acidentado o terreno, mais diversa é uma população.
Em locais
com muita variação de altitude, onde os terrenos são mais acidentados, os
indivíduos são muito similares geneticamente, ou seja, mais aparentados.
Evolutivamente, isso pode ser prejudicial para a espécie, gerando uma maior
suscetibilidade a doenças ou a mudanças climáticas, por exemplo.
“Estudos de avaliação genética e de
conservação costumam levar em conta, entre outros fatores, a cobertura vegetal.
Mas o Cerrado tem chapadões, áreas de platô, áreas mais acidentadas. Queríamos
saber se essa topografia variada poderia ter algum papel na diversidade
genética dessa espécie. Descobrimos que sim. A vegetação, sozinha, não explicou
as diferenças genéticas encontradas entre os locais em que essa espécie ocorre
e nem mesmo dentro do mesmo local. As condições do relevo, sim”, explica Renato Christensen Nali,
primeiro autor do estudo e professor do Instituto de Ciências Biológicas da
Universidade Federal de Juiz de Fora (ICB-UFJF).
O trabalho é um dos resultados do
doutorado de Nali, realizado no Instituto de Biociências da Universidade
Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.
A pesquisa integra o projeto “Ecologia reprodutiva de anfíbios anuros: uma abordagem
evolutiva”, coordenado por Cynthia Peralta de Almeida Prado,
coautora do trabalho e professora da Faculdade de Ciências Agrárias e
Veterinárias da Unesp, em Jaboticabal, e do Programa de Pós-Graduação em
Zoologia do IB-Unesp, em Rio Claro.
Diferentes no plano
“O
resultado foi muito interessante, entre outros motivos, porque traz um elemento
novo para a conservação no Cerrado. Quando se fala em unidades de conservação,
pensa-se muito, e com razão, em corredores ecológicos e matas, mas não
necessariamente se há uma topografia que possa permitir a dispersão dos
animais”, diz Nali, que coordena o Laboratório de Ecologia Evolutiva de
Anfíbios (Lecean) na UFJF.
Para chegar aos resultados, os
pesquisadores analisaram 12 populações de B. ibitiguara, seis
dentro do Parque Nacional da Serra da Canastra e outras seis fora. Nas
populações da área protegida, havia uma diversidade genética muito maior do que
nas que vivem fora do parque. Ao cruzar informações sobre o grau de proteção
das áreas e a condição da vegetação, esses fatores não foram tão decisivos para
essa diversidade quanto o relevo.
“O terreno
é muito mais acidentado fora do parque, enquanto dentro dele há um grande
platô, muito uniforme. Nele, os anfíbios conseguem se dispersar mais, encontrar
parceiros em áreas mais distantes e aumentar sua diversidade genética. Fora, o
terreno acidentado e as diferentes altitudes aparentemente acabam restringindo
as populações a áreas menores”, afirma o pesquisador.
A
influência desses fatores ficou evidente nos testes genéticos. Usando a técnica
de marcadores por microssatélite, que localiza regiões específicas do genoma,
os pesquisadores encontraram uma maior diversidade de alelos nas populações
dentro do parque. Esse é um dos parâmetros que determinam a integridade
genética e, consequentemente, um maior potencial adaptativo.
Além
disso, as populações fora do parque apresentaram maior perda de heterozigose,
fenômeno relacionado com a perda de variabilidade genética. Repetida ao longo
das gerações, essa perda também ameaça a população.
Além de
chamar a atenção para a importância de se levar em conta a topografia em
estudos de conservação, o trabalho mostra como a simples presença da espécie
num local não garante que ela não esteja ameaçada.
“Realizando
análises moleculares, podemos verificar se as populações estão numa condição
genética favorável. Uma área pode ter um número grande de indivíduos, mas,
analisando o DNA, podemos descobrir que a sua constituição genética é
desfavorável, com poucos alelos e baixa heterozigose. Então, na prática, o
tamanho efetivo da população é pequeno”, aponta.
O
pesquisador ressalta que a pesquisa foi realizada com apenas uma espécie de
anfíbio anuro, mas acredita que o resultado possa valer para outras, uma vez
que as características físicas para deslocamento são semelhantes para outros
sapos, rãs e pererecas. No entanto, novas pesquisas são necessárias com outras
espécies para confirmar a aplicabilidade dos resultados.
Além
disso, o grupo reafirma que a cobertura vegetal continua sendo um importante
fator para a conservação, inclusive do Cerrado, que já teve mais de 50% de sua
área convertida em pastagens ou plantações e tem menos de 5% protegidos por
unidades de conservação.
O artigo Topography, more than land cover, explains genetic diversity in a
Neotropical savanna tree frog pode ser lido em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ddi.13154.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/no-cerrado-topografia-explica-diversidade-genetica-de-anfibios-mais-do-que-cobertura-vegetal/34471/
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