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sábado, 31 de outubro de 2020

As incertezas jurídicas causadas pelo trabalho híbrido na pós-pandemia

A pandemia do novo coronavírus causará grande impacto nas relações trabalhistas nos próximos anos. Em março, de um dia para o outro, milhões de profissionais foram deslocados de seus postos nas respectivas empresas para o sistema de home office. A realocação, no início, era solução emergencial. Mas, com a economia retornando à normalidade de forma gradativa, muitas empresas estão vislumbrando uma alternativa permanente o trabalho em home office. Em outras ocasiões, há a possibilidade do regime híbrido, com os colaboradores dividindo suas jornadas em encontros presenciais na empresa e outros dias em casa.

Esta situação, no entanto, exige cautela por parte das empresas, uma vez que esse tipo de sistema de trabalho não é regulamentado pela atual legislação. Ainda não há nenhuma decisão do Judiciário sobre o tema, o que aumenta a incerteza sobre esse tipo de modelo de trabalho. A empresas precisarão encontrar maneiras de se resguardar. E o primeiro ponto neste sentido é anuência do trabalhador em relação ao regime a ser adotado, seja individual – o que ainda assim traz algum risco ao empregador – ou por meio de negociação coletiva, onde haverá uma maior segurança jurídica quanto à adoção desse modelo híbrido.

O regime híbrido deverá fazer parte do “novo normal”, e as empresas terão de começar a impor limites em relação às jornadas de trabalho. É o que já acontece, por exemplo, com gerentes ou mesmos trabalhadores de nível mais operacional, que têm seus e-mails e linhas telefônicas desabilitados nos horários de folga e nas férias. Por isso, o ideal é que as empresas ajam com bom senso. Se o trabalhador concorda, e se para ele é vantajoso manter o regime híbrido, a gente tem dito que a empresa faça isso com cautela, sempre com a anuência do colaborador.

Estudos já mostram que o novo formato de trabalho deve ser permanente. Uma pesquisa realizada pela empresa Robert Half em julho com 620 profissionais brasileiros aponta que 61% dos entrevistados não aceitariam proposta que não incluísse o home office, seja de forma parcial ou total. O trabalho em modalidade híbrida tende a ganhar maior adesão, em razão das vantagens financeiras que oferece ao empregador e da maior qualidade de vida que proporciona ao empregado. O regime híbrido, cedo ou tarde, terá de ser regulamentado. E, nele, a empresa não pode querer ter as vantagens do regime 100% remoto, já regulamentado pela CLT e que prevê, por exemplo, a não necessidade de submissão desses trabalhadores a um controle de suas jornadas de trabalho.

Os empregadores que optarem por adotar o chamado regime híbrido precisam mantenham o controle das horas trabalhadas pelos colaboradores inclusive nos dias de home office. Mesmo sendo híbrido o regime quanto a forma e o local em que o trabalho é executado, é aconselhável uniformizar as regras referentes ao controle de jornada. Nesse sentido, até que sobrevenha algum tipo regulamentação desse regime diferenciado, a orientação é controlar. Do contrário, as empresas que optarem por aplicar a exceção do controle de jornada nos dias de teletrabalho, estarão sujeitas a um grande passivo de horas extras pleiteáveis perante a Justiça do Trabalho.

Outro ponto que merece especial atenção por parte dos empregadores, neste caso incluindo os que optarem pelo regime de trabalho em home office durante 100% do tempo, é a ergonomia. É um aspecto que pesa muito. No estabelecimento empresarial, você consegue proporcionar um ambiente de trabalho adequado às regras ergonômicas vigentes, o que naturalmente não se aplica no modelo home office. É evidente que o melhor cenário seria a empresa ir até a casa do trabalhador, disponibilizar mesa, cadeira, iluminação adequada, etc. Na prática, contudo, é algo muito difícil – senão impossível – de ser implementado.

Há também a preocupação com eventuais acidentes laborais. Isso porque as atividades corriqueiras que podem apresentar riscos não seriam realizadas pelos profissionais em um ambiente de trabalho. Há quem defenda, e na minha opinião com bastante razoabilidade, que se a atividade for tipicamente doméstica (subir na escada para trocar uma lâmpada, esquentar água no fogão, etc.), o infortúnio não se caracterizaria como acidente de trabalho. Mas, por outro lado, se o trabalhador desenvolve, por exemplo, alguma doença osteomuscular, pode-se entender pela existência de nexo de causalidade entre o seu surgimento e a falta de um ambiente laboral ergonomicamente adequado.

 


Bruno Régis - advogado trabalhista e sócio do escritório Urbano Vitalino Advogados.

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