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sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Livre brincar: saúde psico emocional e desenvolvimento infantil


É só entrar em qualquer shopping para constatar as inúmeras opções de brinquedos e de brincadeiras programadas que existem atualmente à disposição da garotada. São atividades para estimular isso ou aquilo, e, supostamente tornar a criança “mais inteligente”. 

Mas afinal, o que é “Brincar”? Como disse Walter Benjamin - no livro Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação - “não há dúvida que brincar significa sempre libertação.” 

“Livre Brincar” é uma atividade espontânea que dá total liberdade para a criança dar asas à imaginação. 

Em contraposição às brincadeiras assistidas/organizadas, onde há diretrizes e regras pré estabelecidas, o “Livre Brincar” é um convite à criatividade da criança, estimulando-a a experimentar e a buscar o novo, frente a um universo de possibilidades, permitindo que ela se expresse, invente e construa as bases da sua própria brincadeira.

É justamente isso que torna essa modalidade de brincar tão enriquecedora e relevante para a formação da criança. Se engana quem acredita que o “Livre Brincar” é uma ação lúdica “descompromissada”. Na brincadeira assistida há o compromisso com determinadas regras ou propostas inerentes à própria brincadeira (por exemplo, as regras de um jogo). 

Já no “Livre Brincar” o compromisso é com a imaginação. “Livre Brincar” é ato criativo, similar à do artista ou do escritor. Aqui cabe lembrar um verso de Manoel de Barros na Terceira Infância de suas Memórias Inventadas: “Inventei um menino levado da breca para me Ser.” 

Assim como a invenção do menino-poeta precede o seu Ser, no “Livre Brincar” a invenção da brincadeira precede o ato de brincar. Começa-se a brincar antes da própria brincadeira, pois aqui, brincar é aventurar-se e descobrir-se.

O “Livre Brincar” guarda semelhança com o ato da leitura: os livros, por mais que conduzam o leitor em narrativas pré-determinadas, precisam ser  preenchidos pela imaginação. Cada leitor imagina a personagem, o desenrolar da ação ou determinada paisagem de forma única, a partir de suas próprias referências. É isso que torna ainda mais complexa a transposição de um livro (versão aberta que insere o leitor) para o cinema (versão fechada que reflete a visão do diretor).

O “Brincar Livre” é momento onde a criança vai explorar o mundo, criar conexões e aprender experimentando. Além de estimular o cérebro, esta modalidade de brincadeira permite que ela faça ensaios da futura vida adulta ( brincar de casinha por exemplo) e elabore questões psicoemocionais, formulando perguntas e encontrando respostas por uma via lúdica. Através da brincadeira a criança experimenta e se insere no mundo. 

A despeito de sua importância, o “Livre Brincar” é uma modalidade lúdica sob risco de extinção no mundo moderno, pois as crianças de hoje não são mais  convidadas a criarem suas próprias narrativas. Ao contrário, são estimuladas à adentrarem narrativas prontas, pré definidas, seja por meio de videogames, programas televisivos, aplicativos de celular e etc. 

Ao expor excessivamente a criança à essas atividades estamos comprometendo sua capacidade de criar, não somente no que tange ao aspecto lúdico e imaginativo, mas atrofiando sua capacidade de resposta aos inúmeros desafios que certamente a vida irá lhe propor.

Não por acaso proliferam os manuais de autoajuda, com fórmulas prontas que servem a diferentes propósitos, mas não contemplam as especificidades de cada indivíduo.  

Para cada criança deveria ser permitido construir seu modo de ser único, de forma a conseguir elaborar suas questões valendo-se de seus próprios recursos e instrumental, resultantes de sua bagagem e experiência. 

É preciso sempre lembrar do que disse Tolstói em seu romance de estreia, Infância: “Se tomarmos tudo ao pé da letra, não haverá brincadeira nenhuma.” E, se não houver brincadeiras, o que é que sobra?”





Lílian Cristina Moreira - Pediatra e Homeopata - Cliente Comunica me - CRM: 53.53292-0



[1] Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação, pg. 85
[2] Infância. Ed. Todavia. Pg. 52

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