Declínio desse serviço ambiental, estimado em
R$ 43 bilhões em 2018, põe em risco a produção de alimentos e a conservação da
biodiversidade brasileira, alertam autores do primeiro relatório sobre o tema
no país (fotos: Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP))
Das 191 plantas cultivadas ou silvestres utilizadas
para a produção de alimentos no Brasil, com processo de polinização conhecido,
114 (60%) dependem da visita de polinizadores, como as abelhas, para se
reproduzir. Entre esses cultivos estão alguns de grande importância para a
agricultura brasileira, como a soja (Glycine max), o café (Coffea),
o feijão (Phaseolus vulgaris L.) e a laranja (Citrus sinensis).
Esse serviço ambiental (ecossistêmico), estimado em
R$ 43 bilhões anuais, fundamental para garantir a segurança alimentar da
população e a renda dos agricultores brasileiros, tem sido ameaçado por fatores
como o desmatamento, as mudanças climáticas e o uso de agrotóxicos. A fim de
combater essas ameaças, que colocam em risco a produção de alimentos e a
conservação da biodiversidade brasileira, são necessárias políticas públicas
que integrem ações em diversas áreas, como a do meio ambiente, da agricultura e
da ciência e tecnologia.
O alerta foi feito por um grupo de pesquisadores
autores do 1º Relatório Temático de Polinização,
Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil e de seu respectivo “Sumário para Tomadores de Decisão”, lançados
quarta-feira (06/02), durante evento na FAPESP.
Resultado de uma parceria entre a Plataforma
Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, da sigla em
inglês), apoiada pelo Programa BIOTA-FAPESP, e a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (REBIPP), o
relatório foi elaborado nos últimos dois anos por um grupo de 12 pesquisadores
e revisado por 11 especialistas.
O grupo de pesquisadores fez uma revisão
sistemática de mais de 400 publicações de modo a sintetizar o conhecimento
atual e os fatores de risco que afetam a polinização, os polinizadores e a
produção de alimentos no Brasil, e apontar medidas para preservá-los.
“O relatório aponta que o serviço ecossistêmico de
polinização tem uma importância não só do ponto de vista biológico, da conservação
das espécies em si, como também econômica. É essa mensagem que pretendemos
fazer chegar a quem toma decisões no agronegócio, no que se refere ao uso de
substâncias de controle de pragas ou de uso da terra no país”, disse Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador
do programa BIOTA-FAPESP e membro da coordenação da BPBES, durante o evento.
O relatório indica que a lista de “visitantes” das
culturas agrícolas supera 600 animais, dos quais, no mínimo, 250 têm potencial
de polinizador. Entre eles estão borboletas, vespas, morcegos, percevejos e
lagartos.
As abelhas predominam, participando da polinização
de 91 (80%) das 114 culturas agrícolas que dependem da visita de polinizadores
e são responsáveis pela polinização exclusiva de 74 (65%) delas.
Algumas plantas cultivadas ou silvestres dependem,
contudo, exclusivamente ou primordialmente de outros animais para a realização
desse serviço, como é o caso da polinização de flores de bacuri (Platonia
insignis) por aves. Outros exemplos são da polinização de flores de pinha (Annona
squamosa) e araticum (Annona montana) por besouros, de flores de
mangaba (Hancornia speciosa) por mariposas e de flores de cacau (Theobroma
cacao) por moscas.
“As plantas cultivadas ou silvestres visitadas por
esses animais polinizadores enriquecem a nossa dieta ao prover frutas e
vegetais que fornecem uma série de nutrientes importantes”, disse Marina Wolowski, professora da Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e coordenadora
do relatório. “Outras plantas cultivadas pelo vento, como o trigo e o arroz,
por exemplo, estão mais na base da dieta”, comparou.
Os pesquisadores avaliaram o grau de dependência da
polinização por animais de 91 plantas para a produção de frutas, hortaliças,
legumes, grãos, oleaginosas e de outras partes dos cultivos usadas para consumo
humano, como o palmito (Euterpe edulis) e a erva-mate (Ilex
paraguariensis)
As análises revelaram que, para 76% delas (69), a
ação desses polinizadores aumenta a quantidade ou a qualidade da produção agrícola.
Nesse grupo de plantas, a dependência da polinização é essencial para 35% (32),
alta para 24% (22), modesta para 10% (9) e pouca para 7% (6).
A partir das taxas de dependência de polinização
dessas 69 plantas, os pesquisadores estimaram o valor econômico do serviço
ecossistêmico de polinização para a produção de alimentos no Brasil. O cálculo
foi feito por meio da multiplicação da taxa de dependência de polinização por
animais pela produção anual do cultivo.
Os resultados indicaram que o valor do serviço
ecossistêmico de polinização para a produção de alimentos no país girou em
torno de R$ 43 bilhões em 2018.
Cerca de 80% desse valor está relacionado a
quatro cultivos de grande importância agrícola: a soja, o café, a laranja e a
maçã (Malus domestica).
“Esse valor ainda está subestimado, uma vez que
esses 69 cultivos representam apenas 30% das plantas cultivadas ou silvestres
usadas para produção de alimentos no Brasil”, ressaltou Wolowski.
Fatores de risco
O relatório também destaca que o serviço ecossistêmico
de polinização no Brasil tem sido ameaçado por diversos fatores, tais como
desmatamento, mudanças climáticas, poluição ambiental, agrotóxicos, espécies
invasoras, doenças e patógenos.
O desmatamento leva à perda e à substituição de
hábitats naturais por áreas urbanas. Essas alterações diminuem a oferta de
locais para a construção de ninhos e reduzem os recursos alimentares utilizados
por polinizadores.
Já as mudanças climáticas podem modificar o padrão
de distribuição das espécies, a época de floração e o comportamento dos
polinizadores. Também são capazes de ocasionar alterações nas interações,
invasões biológicas, declínio e extinção de espécies de plantas das quais os
polinizadores dependem como fonte alimentar e para construção de ninhos, e o surgimento
de doenças e patógenos.
Por sua vez, a aplicação de agrotóxicos para
controle de pragas e patógenos, com alta toxicidade para polinizadores e sem
observar seus padrões e horários de visitas, pode provocar a morte, atuar como
repelente e também causar efeitos tóxicos subletais, como desorientação do voo
e redução na produção de prole. Além disso, o uso de pesticidas tende a
suprimir ou encolher a produção de néctar e pólen em algumas plantas,
restringindo a oferta de alimentos para polinizadores, ressaltam os autores do
relatório.
“Como esses fatores de risco que ameaçam os
polinizadores não ocorrem de maneira isolada é difícil atribuir o peso de cada
um deles separadamente na questão da redução das populações de polinizadores
que tem sido observada no mundo”, disse Wolowski.
Na avaliação dos pesquisadores, apesar do cenário
adverso, há diversas oportunidades disponíveis para melhorar o serviço
ecossistêmico de polinização, diminuir as ameaças aos polinizadores e aumentar
o valor agregado dos produtos agrícolas associados a eles no Brasil.
Entre as ações voltadas à conservação e ao manejo
do serviço ecossistêmico de polinização estão a intensificação ecológica da
paisagem agrícola, formas alternativas de controle e manejo integrado de pragas
e doenças, redução do deslocamento de agrotóxicos para fora das plantações,
produção orgânica e certificação ambiental.
Uma política pública destinada aos polinizadores, à
polinização e à produção de alimentos beneficiaria a conservação desse serviço
ecossistêmico e promoveria a agricultura sustentável no país, estimam os
pesquisadores.
“Esperamos que o relatório ajude a estabelecer
planos estratégicos e políticas públicas voltadas à polinização, polinizadores
e produção de alimentos em diferentes regiões do país”, afirmou Kayna Agostini,
professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e também coordenadora
do estudo.
Na avaliação de Marco Antonio Zago, presidente da
FAPESP, o relatório incorpora várias atividades que o programa BIOTA tem feito
ao longo dos seus 20 anos de existência. Entre elas, a de fornecer subsídios
para políticas públicas.
“O BIOTA-FAPESP participa ativamente da vida do
Estado de São Paulo e do país ao fornecer subsídios científicos para as
decisões governamentais e, ao mesmo tempo, realizar atividade de pesquisa da
maior qualidade em uma área vital”, disse Zago na abertura do evento.
Também esteve presente na abertura do evento
Fernando Dias Menezes de Almeida, diretor administrativo da FAPESP.
Elton Alisson
Agência FAPESP
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