Sou neurocirurgião, com foco de atuação em
procedimentos operatórios em casos de epilepsia refratária, ou seja, aquelas
resistentes aos medicamentos. Embora não prescreva rotineiramente medicações
para os pacientes (prefiro deixar para neurologistas, que têm base de
conhecimentos mais profundos para fazer esse controle), sou frequentemente
questionado por pacientes para que dê a minha opinião sobre o uso da maconha no
tratamento da epilepsia.
Numa abordagem bem direta com base na droga ativa,
minha resposta costuma frustrar quem anseia por uma liberação médica, pois não sou
a favor.
Em primeiro lugar, nunca é demais salientar que a
maconha é uma droga ilícita no Brasil e na maior parte dos países do mundo,
responsável por muitos efeitos deletérios nas pessoas, ainda que apresentem
substâncias ativas dentro que parecem ajudar em algumas crises de epilepsia.
Assim, é importante pontuar que não se usa maconha para tratar
epilepsia e sim uma substância que pode ser isolada da planta para isso e ainda
assim para casos bem específicos.
Ainda que seja compreensível a ânsia por soluções de
quem sofre ou tem parentes com crises seguidas de epilepsia, é necessário
contextualizar que na composição da maconha existem mais de 85 substâncias
ativas, onde o tetrahidrocanabidiol (THC) e o canabidiol (CBD) são as mais
estudadas atualmente, especialmente o CBD no caso da epilepsia.
O que chamamos de canabinóides são substâncias que
associam ambos em diferentes proporções. Outra coisa importante a observar é
que medicações derivadas de canabis são muito diferentes dos óleos de CBD.
Enquanto os primeiros passam por processos industrializados capazes de garantir
as concentrações de THC e CBD, os segundos são frutos de métodos mais
artesanais, sem uniformidade na concentração das substâncias ativas, o que
muitas vezes levam a subdoses.
Desta forma, por não haver controle, trabalhos
mostram que em óleos de CBD produzidos pela própria “comunidade” as doses
administradas por pais/cuidadores podem variar de 0,5 a 28,6 mg/Kg/dia.
Embora atualmente pareça existir um grande
interesse no assunto, julgo importante a avaliação criteriosa de tudo o que o
se tem propagado nas mídias, que ao público leigo mais tem confundido do que
esclarecido.
Em um levantamento que realizei sobre o assunto,
com base em cruzamento nos termos “Mesh” (um tipo de ferramenta) no site do “PubMed”
- provavelmente a maior fonte de pesquisa mundial de assuntos na área da
saúde-, com aspectos de terapia, dosagem, metabolismo, efeitos adversos dos
tratamentos, com as mesmas bases em epilepsia, pude captar 66 trabalhos
científicos.
Deste montante, pondero sobre uma revisão bem
interessante sobre o assunto, apresentando um bom resumo da situação atual no
tratamento da epilepsia, intitulada: “Cannabis and Epilepsy”, de R. H. Thomas e
M. O. Cunninghan, publicada em dezembro de 2018 na revista “Practical
Neurology” na edição de número 18.
Nele temos a informação de que até agora, apenas
uma droga, chamada Epidolex (99% CBD e 0,1% THC), foi liberada em junho de 2018
pelo FDA (agência americana de controle de medicações e alimentos) para uso em
pacientes com Lennox-Gastaut e Síndrome de Dravet, a partir de 2 anos de idade.
Aqui no Brasil a ANVISA autoriza que algumas pessoas possam usar óleos de CDB,
com dosagem prescrita por um médico.
Alguns achados em uma revisão sistemática mostraram
que o CBD tem efeito melhor que placebo, com redução de cerca de 50% das crises
quando comparados os dois grupos (importante ressaltar que não é uma comparação
com os medicamentos habitualmente utilizados). E alguns trabalhos mostram uma
taxa de mortalidade em torno de 1,5% em pacientes com uso de CDB. Mostram ainda
um risco de pneumonia 9,1 vezes maior para pacientes que recebem o CBD.
Ainda é possível observar em agrupamento 12 estudos
observacionais, um aumento de 56% na qualidade de vida dos pacientes que usaram
CBD, porém com 51% de efeitos adversos e 2,2% de efeitos adversos graves. Ainda
temos o fato de em cerca de 1/3 dos casos haver a necessidade de aumento da
dose com o tempo para a tentativa de manutenção dos efeitos obtidos
anteriormente.
Desta maneira, parece que o CBD realmente tem o seu
efeito benéfico em alguns tipos de epilepsia. Porém, é muito importante notar
que assim como qualquer remédio, tem efeitos adversos, sendo que na epilepsia
não é a medicação de uso inicial para tratamento.
Por último, e não menos importante, ainda não se
sabe exatamente como o CBD age no cérebro dos pacientes para auxiliar no
controle das crises. Possivelmente com mais estudos chegaremos a mais
conclusões, favoráveis ou não ao uso dessa e de outras substâncias para o
tratamento da epilepsia. Até lá, é preciso cautela.
Dr. Luiz Daniel Cetl -
referência no tratamento das epilepsias e tumores cerebrais. Especialista pela
Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), membro do grupo de tumores do
Departamento de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e
integrante da Associação dos Neurocirurgiões do Estado de São Paulo (SONESP).
Atua ainda como preceptor de cirurgia de tumores cerebrais no Departamento de
Neurocirurgia da Unifesp.
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