O mês de dezembro chegou e com ele também
começam a surgir convites para festas e reuniões de amigo-secreto, sofisticadas
vinhetas de fim de ano e inúmeras propagandas convocando para um Natal feliz,
cheio de presentes trocados por gente bonita, alegre e carinhosa. Tudo muito
animador, mas pouco realista num país com sérios problemas socioeconômicos. Em
meio a tudo isso, um problema ainda mais grave: a melancolia que esta época do
ano traz para muitos idosos contrasta com tanta animação. Na opinião da
psicóloga Beatriz Leite Machado, especialista em psicologia hospitalar
com ênfase em geriatria, “as festas de fim de ano mobilizam muitos afetos de
forma geral, sendo que nos mais velhos podem evocar memórias e sentimentos que
resultam em manifestações de inquietação e angústia durante o período”.
Beatriz diz que, para muita gente – em
especial para os idosos – as festas de Natal e Ano Novo estão associadas a uma
certa melancolia. “Há um imaginário de comunhão com a família e amigos, de um
amor incondicional mágico, bastante distante da realidade, mas que faz parte em
maior ou menor medida das expectativas de cada um. O Natal, em especial, sugere
uma série de rituais que nos remete a sentimentos de fraternidade e
solidariedade. Porém, a manutenção dessa atitude benevolente e compassiva no
meio social atual é quase uma contradição diante do excesso de consumismo que
acaba esvaziando o significado das reuniões familiares, além da indiferença em
relação a muitos idosos”.
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) apontam um aumento de quase 20% na população de idosos
entre 2012 e 2017. Hoje, eles são mais de 30 milhões. No mesmo período, outro
dado salta aos olhos. A quantidade de pessoas com mais de 60 anos que estão
vivendo em albergues públicos e casas de repouso está beirando os 100 mil –
revelando uma escalada assustadora de solidão. “A pessoa idosa pode sentir
algumas perdas de forma mais profunda. Primeiramente, ela perde seu status
profissional, seu padrão de vida, seu grupo de amigos, e às vezes até a saúde.
Depois, quando começa a perder pessoas muito próximas e familiares, a tristeza
precisa ser bem trabalhada para que ela continue encontrando motivações para
ser feliz. Muitos conseguem refazer um círculo de amigos quando se dedicam a hobbies
ou passam a frequentar grupos de terceira idade, participando das diversas
atividades propostas. Outros ingressam em grupos de dança, ginástica e até
mesmo de viagem. Mas nem todos têm condições financeiras para desfrutar tudo
isso. Por isso é tão importante que o Estado esteja pronto para oferecer mais
acolhimento e assistência a essa parcela importante da população”, diz a
psicóloga.
Para a especialista, o fim de ano – por
marcar o fim do calendário – pode suscitar a finitude da vida. É o fim de um
ciclo. Sendo assim, pessoas mais vulneráveis podem se deparar com
questionamentos que remetem à própria finitude. “É fundamental que os idosos
sejam bem acolhidos e valorizados por suas famílias. Mas também é importante
manter uma rede de apoio e investir na manutenção de vínculos não só em datas
festivas. A integração entre as gerações pode trazer ganhos para todas as
partes, principalmente quando se trata de investimento afetivo. As relações
intergeracionais possibilitam a ressignificação de papéis – em que o velho
transmite sua experiência ao mais jovem e, ao mesmo tempo, se atualiza e
sente-se inserido no contexto atual. Afinal, alguém que vive insatisfeito
consigo mesmo e com seu entorno enfrentará mais dificuldade para viver bem e
feliz”.
Beatriz ressalta, também, que é preciso
valorizar outras composições familiares que têm dado muito certo. “Pessoas que
não podem ou não querem contar com a família têm se reunido com amigos escolhidos
por afinidade. Isso tem se tornado cada vez mais comum, tanto que tem ganhado
força o conceito de ‘república de idosos’. Geralmente são pessoas solteiras ou
viúvas, de diversas idades, que têm muito em comum e resolvem deixar seus lares
solitários para viver em companhia umas das outras. O mais importante é
investir na troca. Seja como for, os idosos devem sentir-se acolhidos e ter sua
importância reconhecida, independentemente do núcleo ao qual pertencem hoje em
dia.”
Fontes:
Beatriz Leite
Machado
- psicóloga (CRP 06/134462), especialista em Psicologia Hospitalar com ênfase
em Geriatria. Mais informações: leitebeatriz@rocketmail.com
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