Aproveito-me da analogia que
o amigo Procurador de Justiça Fabio Costapereira tem traçado entre aspectos do
setor público brasileiro e o fantástico mundo de Nárnia concebido pelo escritor
C.S.Lewis para abordar alguns problemas da Educação no Brasil.
Aqui na nossa Nárnia, o que está bem vai mal e
o que está mal vai bem. Quem diverge, sustentando que para estar bem é preciso
não estar mal e, simetricamente, que não pode estar mal o que vai bem, é
imediatamente considerado fascista, filho de uma égua, inadequado à vida civil
de uma sociedade em transformação.
Há muitos anos, ao sul de Nárnia, houve
um rei que, entre outros desatinos, decidiu investir contra o educandário
militar conhecido como Colégio Tiradentes. Acumulavam-se ali três equívocos
intoleráveis: não formava militantes, era dirigido pela Brigada Militar e era
bom demais. Situação insustentável que levou o rei a agir rapidamente e com
frieza. Cravou o punhal na comunidade escolar e transferiu o Tiradentes para a
burocracia aparelhada da Secretaria da Deseducação. Uma tragédia. Foi
necessário derrotar o rei em refrega, quatro anos mais tarde, para que a
situação se normalizasse.
Ano após ano, os educandários militares
despontam entre os melhores do país. Pais os procuram e prestigiam, professores
ensinam, alunos estudam e seu desempenho é superior à média. O que pode ser
pior do que isso em Nárnia? Respondo: o profundo mal estar que suscita a
evidência de certos problemas com o ensino público.
Não cometeria a leviandade de
desconsiderar as vantagens qualitativas que atuam em favor dos colégios
militares. No entanto, posso afirmar que mesmo se essas desigualdades não
existissem, tais colégios teriam desempenho superior à média em virtude de
características que lhes são inerentes. Entre outras: disciplina de alunos e
professores; respeito às autoridades escolares, à hierarquia, aos códigos de
conduta e às tradições; ordem, civismo, meritocracia; professores que ensinam e
alunos que estudam. Ora, onde a orientação pedagógica de Nárnia for freireana
ou assemelhada, tendo por objetivo “formar cidadãos conscientes a serviço da
transformação da sociedade”, o que descrevi acima está fora de cogitação.
Recentemente, li um artigo crítico à
educação nos colégios militares. O autor, professor de história, os acusa de
não promover a crítica histórica da sociedade brasileira. “Crítica Histórica”,
para quem não acompanha esses academicismos, é uma operação muito complexa, envolvendo,
além da crítica propriamente dita, tarefas de heurística e hermenêutica. O
filme, muitas vezes, termina longe de quaisquer certezas e o mais comum é que
tudo seja relatado segundo o viés ideológico do sujeito que pilota o giz. Um
bom militante cumprirá seu dever despertando nos alunos aversão à história do
Brasil e aos fundamentos da civilização ocidental cristã, sentimentos de
revolta ou de culpa e vergonha sobre nossa história, ao cabo dos quais sua
identidade nacional rastejará em desconforto e autodesprezo.
Não conheço outra nação cuja identidade
tenha sido tão acossada por maligna ação interna quanto esta Nárnia onde se
fala português. Tudo por obra daqueles que suscitam e operam com os piores
sentimentos e condutas para, supostamente, construir de um mundo melhor. Coisas
de Nárnia.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil, integrante do grupo Pensar+.
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