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sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Mais de 90% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais



Neste Setembro Amarelo, campanha digital alerta sobre a depressão e a possibilidade de prevenir essas mortes



Se por um lado as discussões relacionadas ao suicídio vêm ganhando mais espaço na sociedade e no âmbito da ficção, ainda é preciso avançar no entendimento dos aspectos médicos diretamente relacionados a esse problema. Mais de 90% dos casos de suicídio estão associados a distúrbios mentais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). E os transtornos de humor, entre os quais se destaca a depressão, representam o diagnóstico mais frequente nesses casos, presente em 36% das vítimas. Também estão relacionados ao problema a dependência de álcool (em 23% dos casos), esquizofrenia (14%) e transtornos de personalidade (10%).

“Muitos acreditam que o suicídio resulta de uma escolha livre, como um exercício da liberdade entre escolher a vida ou a morte. Mas, na verdade, em quase 100% dos casos ele está associado a uma doença mental. Os dados da OMS mostram, por exemplo, que em apenas 3,2% dos casos não foi possível identificar um diagnóstico preciso entre as vítimas. Esses transtornos mentais alteram a percepção da realidade e podem interferir no livre-arbítrio”, afirma o psiquiatra José Alberto Del Porto, pós-doutor pela University of Illinois at Chicago (EUA) e professor-titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).  


Setembro Amarelo 

Para desmistificar o assunto, desde 2014 o Brasil participa da campanha mundial Setembro Amarelo, com foco no Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, celebrado no próximo dia 10. Neste ano, considerando a estreita relação do problema com os quadros depressivos, a Pfizer firmou uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV) para desenvolver uma ação digital de conscientização sobre a doença. Por meio de um videocase criativo e vinculado ao universo do teatro, que será disseminado a partir da hashtag #naoesotristeza, a ideia é desconstruir os estereótipos associados à depressão, esclarecendo que se trata de uma doença complexa e reconhecida pela OMS, que apresenta vários componentes biológicos e deve ser tratada adequadamente.

“Considerando a relação entre os transtornos mentais e o suicídio, o diagnóstico precoce dessas doenças deve ser a prioridade. E desmistificar o assunto, aumentando o debate e encorajando as pessoas na busca por auxílio médico, é uma forma de contribuir com toda a sociedade”, afirma o diretor médico da Pfizer, Eurico Correia. “Vale destacar que estamos falando de doenças para as quais existe tratamento, o que significa que o suicídio, em grande parte, pode ser prevenido a partir da adoção de medidas adequadas”, complementa.

Presidente do CVV, Robert Paris destaca a importância do suporte social a esses pacientes. “O apoio emocional e o estimulo à inclusão em grupos e vivências sociais que valorizem a pessoa são fundamentais”, afirma. Reconhecido pelo Ministério da Saúde, o CVV presta um serviço gratuito de prevenção do suicídio. A equipe de voluntários fica disponível para acolher e atender qualquer pessoa que busque apoio emocional, sempre de forma sigilosa, seja de forma presencial, em algum posto do CVV, ou por telefone (141) e canais da instituição na internet (chat, skype e e-mail), que podem ser acessados por meio do site http://www.cvv.org.br/


Perfil 

Ainda que a prevalência da depressão seja maior nas mulheres em relação ao público masculino¹, o suicídio é muito mais comum entre os homens em todo o mundo.  No Brasil, um estudo sobre a mortalidade por suicídio no Estado de São Paulo, realizado pela Fundação Seade, reforça esse perfil. O trabalho, que levou em conta as certidões de óbitos dos Cartórios de Registro Civil de todos os municípios paulistas, aponta que 80% das vítimas de suicídio ao longo biênio 2013-2014 eram homens e que 72,3% deles tinham entre 15 e 64 anos de idade.

A literatura médica² relaciona alguns fatores considerados protetores para as mulheres em relação ao suicídio, como taxas menores de dependência de álcool, religiosidade mais pronunciada, maior propensão a buscar ajuda em momentos de crise, percepção precoce dos sinais de depressão e participação mais ativa em redes de apoio social. “Já os homens, em geral, expõem-se mais a mortes violentas, como o suicídio. E isso ocorre tanto por razões culturais como pelo fato de geralmente apresentarem mais fatores de risco, entre eles o alcoolismo e o uso de substâncias psicoativas”, comenta Del Porto.

Sob o ponto de vista cultural, o médico destaca outras especificidades do comportamento masculino que podem estar relacionadas às taxas elevadas de suicídio nesse público. “Os homens, de fato, sofrem mais pressão para que se mostrem fortes e tendem a procurar menos ajuda do que as mulheres. Além disso, sofrem mais com alguns estressores sociais, a exemplo do desemprego, das instabilidades econômicas e da perda do “status” social”, afirma o psiquiatra. “Vale destacar, contudo, que o suicídio é a consequência final de um processo e não deve ser atribuído, como muitas vezes se faz, a fatores desencadeantes imediatos, como uma perda recente, por exemplo”, complementa.





Embora os homens sejam mais propensos ao suicídio do que as mulheres, há outros fatores de risco relacionados ao problema, como um histórico familiar para a doença, poucos vínculos sociais e solidão, além de desemprego, traumas e episódios de abuso ou maus-tratos na infância, bem como a presença de doenças clínicas não psiquiátricas, entre elas câncer, aids, enfermidades neurológicas e reumáticas. “Tentativas prévias de suicídio também devem ser consideradas nesse contexto. Cerca de 50% das vítimas de suicídio fizeram ao menos uma tentativa anterior”, afirma Del Porto.  


Sazonalidade

Os meses mais quentes do ano, sobretudo o início da primavera, em setembro, são aqueles que registram o maior número de casos de suicídio, segundo o estudo da Fundação Seade. Trata-se de um padrão já observado em outros países, a partir de estudos americanos e europeus³. A literatura médica aponta algumas hipóteses para esse cenário, como o fato de a vida social ser, geralmente, mais intensa nos meses mais quentes, o que poderia desencadear situações de estresse em pessoas com depressão. Alguns estudos sugerem ainda que a exposição à luz solar, mais intensa no calor, poderia interferir nos níveis do neurotransmissor serotonina, impactando os comportamentos e as emoções, especialmente no que se refere à impulsividade e à agressividade4 5.

Em outra frente, alguns psiquiatras discutem a “teoria das promessas quebradas”6 como forma de justificar a sazonalidade dos casos de suicídio, sugerindo que a primavera, feriados e fins de semana promovem uma expectativa de acontecimentos agradáveis – que, na prática, nem sempre se concretizam, o que teria um forte impacto para indivíduos vulneráveis. Essa hipótese também é utilizada para explicar a concentração de casos aos domingos e segundas-feiras. No estudo da Fundação Seade, por exemplo, 32% dos casos foram registrados nesses dois dias. Globalmente, grande parte dos estudos internacionais aponta a segunda-feira como o dia com a maior concentração de óbitos relacionados ao suicídio7.




Saúde pública
A cada ano, são registrados no mundo cerca de 800 mil casos de suicídio, que já é considerado a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, segundo a OMS.  De acordo com a entidade, o Brasil é o oitavo país do mundo em número de suicídios, com uma média de 5,8 casos a cada 100 mil habitantes. “Estamos diante de um verdadeiro problema de saúde pública, mas a prevenção não se limita à rede de saúde e deve levar em consideração aspectos biológicos, psicológicos, políticos, sociais e culturais, de forma que o indivíduo seja considerado como um todo em sua complexidade”, afirma Del Porto.

Na avaliação do psiquiatra, é preciso estimular um debate aberto sobre o tema, que ainda é tratado como tabu até mesmo entre os médicos. “Teme-se, muitas vezes, perguntar ao paciente sobre assuntos relacionados ao suicídio por pensar que a simples pergunta poderia sugerir a ele ideias de morte. Mas, na verdade, abrir espaço para o paciente falar sobre o tema poderá, muitas vezes, prevenir o problema. Perguntas mais genéricas sobre as perspectivas de vida e os planos desse indivíduo para o futuro podem ajudar a introduzir a temática com leveza”, conclui. 




Referências

1     BAPTISTA, Makilim Nunes; BAPTISTA, Adriana Said Daher  e  OLIVEIRA, Maria das Graças de. Depressão e gênero: por que as mulheres deprimem mais que os homens?. 1999, vol.7, n.2
2     Qin P, Agerbo E, Westergard-Nielsen N, et al. Gender differences in risk factors for suicide in Denmark. Br J Psychiatry 2000;177:546-550.
3     GABENNESCH, H. When Promises Fail: A Theory of Temporal Fluctuations in Suicide. Social Forces Journal, Oxford University Press, n. 67, 1988.
4     LAMBERT, G.W. et al. Effect of sunlight and season on serotonin turnover in the brain. The Lancet, London, v. 360, n. 9.348, p. 1.840-1.842, Dec. 2002.
5     DE VRIESE, S.R.; CHRISTOPHE, A.B.; MAES, M. In humans, the seasonal variation in poly-unsaturated fatty acids is related to the seasonal variation in violent suicide and serotonergic markers of violent suicide. Prostaglandins, Leukot Essent Fatty Acids (PLEFA-Journal), Belgium, v. 71, 2004.
6     GABENNESCH, H. When Promises Fail: A Theory of Temporal Fluctuations in Suicide. Social Forces Journal, Oxford University Press, n. 67, 1988.
7     BANDO, D.H. Sazonalidade, efemérides e a mortalidade por doença coronariana, AVC, insuficiência cardíaca, acidente de transporte, suicídio e homicídio na cidade de São Paulo, 1996 a 2009. 106 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Faculdade de Medicina, USP, São Paulo, 2012.





Pfizer
 






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