Um grupo de pesquisadores do Canadá,
Brasil e Estados Unidos identificou duas moléculas com potencial para tratar o
glioblastoma, um dos mais agressivos tipos de câncer do cérebro, com taxa de
sobrevivência inferior a 10%. As moléculas atuam especificamente sobre as
células-tronco tumorais, que têm relação importante com a resistência aos
tratamentos. Segundo os pesquisadores, poucos compostos são capazes de atuar
sobre esse tipo de célula, que existe em pequenas quantidades nos tumores.
O estudo, publicado na Nature Communications, foi realizado no âmbito do
Structural Genomics Consortium (SGC), que tem como parceiro no Brasil o Centro de Química Medicinal da
Universidade Estadual de Campinas (CQMED-Unicamp), apoiado pela
FAPESP.
“As duas moléculas agem sobre uma
mesma proteína, mas possuem diferentes mecanismos de ação sobre o tumor. Uma
vez que é uma doença com poucas opções de tratamento, é preciso trabalhar com a
possibilidade de uma terapia combinada, que atacaria o tumor em diferentes
frentes. Nosso trabalho aumenta a compreensão do mecanismo de ação dessas
moléculas”, explica Katlin Brauer Massirer,
pesquisadora do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética
(CBMEG-Unicamp) apoiada pela FAPESP e uma das
coordenadoras do estudo.
Os compostos
– chamados GSK591 e LLY-283 – inibem a proteína PRMT5, que atua na replicação
das células-tronco tumorais. Desse modo, conseguem impedir a progressão do
tumor.
“Em condições normais, essa proteína
[PRMT5] é muito importante para um processo de controle celular que chamamos
de splicing do RNA [processamento do RNA mensageiro
para a produção de proteínas]. No glioblastoma, porém, o excesso dessa molécula
desregula esse processo e favorece o crescimento do tumor. O que esses
inibidores fazem é a ligação física na proteína PRMT5, impedindo que ela atue
de maneira desregulada”, explica Felipe Ciamponi, coautor brasileiro
do trabalho, realizado durante seu mestrado no CBMEG-Unicamp,
onde atualmente faz doutorado.
Por meio
de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores brasileiros analisaram
centenas de milhares de dados provenientes de células tumorais tratadas com um
dos compostos. As amostras de glioblastoma usadas no experimentos foram
coletadas de pacientes atendidos em três hospitais do Canadá.
“A colaboração com o grupo do CQMED
foi essencial para o trabalho. Um dos principais focos do estudo da PRMT5 como
alvo para fármacos era justamente a compreensão do splicing. Os pesquisadores brasileiros nos ajudaram a
identificar o mecanismo celular em ação e a fazer a associação com o que
observamos nas amostras de pacientes. Além disso, Ciamponi identificou uma nova
assinatura num grupo de pacientes que foi capaz de predizer a resposta aos
compostos”, diz à Agência FAPESP Panagiotis
Prinos, pesquisador da Universidade de Toronto e um dos coordenadores do
estudo.
Promissoras
Ambas as
moléculas se mostraram potentes contra o tumor e não tóxicas em células
saudáveis. Ensaios em camundongos com tumores derivados das células-tronco dos
pacientes mostraram que a LLY-283 consegue penetrar na chamada barreira
hematoencefálica, estrutura que protege o cérebro de substâncias potencialmente
tóxicas. Esse é um fator essencial para que um futuro medicamento atue no
cérebro.
Outra
demonstração do potencial da LLY-283 foi o fato de ela ter sido administrada
por via oral aos camundongos. Os animais tratados tiveram sobrevida
consideravelmente maior do que os não medicados, mostrando o efeito do composto
mesmo quando tomado oralmente.
Com os resultados, novos testes serão
realizados para entender a importância dos eventos de splicing sob a ação das moléculas e para
aperfeiçoar os compostos, de forma que possam se tornar fármacos de uso clínico
um dia.
“Outros
grupos também estão pesquisando moléculas que têm essa proteína como alvo. É
importante dizer que conseguimos identificar compostos que são, ao mesmo tempo,
potentes e seletivos ao atingirem a PRMT5 e que estes ainda serão aperfeiçoados
e testados em combinação, inclusive com fármacos já existentes. Além disso,
esse tumor tem subtipos que podem ser muito sensíveis ou resistentes a um ou
outro fármaco. Por isso é importante termos várias opções”, afirma Massirer.
Atualmente, dois compostos
semelhantes ao do estudo estão sendo testados nos
Estados Unidos, em pacientes com leucemia mieloide aguda, linfoma não Hodgkin e
tumores sólidos. “Compartilhamos nossos resultados com esses grupos de pesquisa
e estamos interagindo com eles para que incluam tumores de cérebro nos testes”,
conta Prinos.
O grupo da
Unicamp planeja ainda incluir pacientes de hospitais brasileiros no projeto e
atrair empresas farmacêuticas do país como parceiras.
O artigo PRMT5 inhibition disrupts splicing and stemness in glioblastoma pode
ser lido em: www.nature.com/articles/s41467-021-21204-5.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/encontradas-duas-moleculas-com-potencial-para-tratar-tipo-agressivo-de-cancer-cerebral/35184/
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