Não somos todos iguais. Na
condição de seres humanos, ainda que nós existamos também como seres coletivos,
nossa individualidade é grande parte de nós, e se manifesta em diversos
aspectos de nossa própria existência, de forma positiva ou negativa. Esse é um
dos motivos pelo qual se busca tanto a igualdade. O caso é que há mais a ser
pensado do que apenas a busca da igualdade. Quando a desigualdade prejudica uma
pessoa ou grupo nem sempre a busca por igualdade cobre todas as necessidades
daquele indivíduo. Pode parecer um pouco polêmico e até complexo, mas na
verdade é algo bem simples.
É comum em situações de
opressão buscarmos igualdade, afinal o ser humano é dotado de dignidade e
sempre busca conquista-la ou mantê-la, libertando a si e aos seus da opressão.
Infelizmente é comum também que quando conseguida a igualdade, com o acréscimo
de poder, o quadro se inverta e o oprimido passe a oprimir. Isso porque a ética
nas ações requer certo grau de responsabilidade no cotidiano. Também é comum a
distorção envolvendo a busca por igualdade. O que deveria ser a busca por uma
equalização, muitas vezes é vista como busca por retribuição - gerando por si
só a constante da desigualdade. Mais uma vez porque, a ética é complexa quando
explicada, difícil quando vivida, e sobretudo aprendida.
É por isso que a igualdade
enquanto conceito carece de um complemento, fazendo com que a ética seja
funcional e plena em uma sociedade. Você conhece a palavra equidade? Deixe-me
começar explicando os termos e suas diferenças. Ambas são ideias que podem ser aplicadas
à conduta humana. São motivadores da vontade de fazer algo que equilibre um
sistema e proporcione bem estar para todos.
O ser humano busca viver
dignamente e plenamente. O desafio está em permitir que todos conquistem essa
condição. A igualdade consiste em tratar todas as pessoas como iguais,
independentemente do quão diferentes sejam. Esse conceito considera que todos
somos iguais por princípio: pelo fato que somos todos irmãos diante de Deus, ou
simplesmente de que todos somos detentores de dignidade. Já a equidade
entende-se em sentido contrário: o diferente deve ser tratado de forma
diferente. Primeiro porque as pessoas, de fato não são iguais, e segundo porque
podemos considerar ou entender interesses individuais diferentes, considerando
o início ou problema da desigualdade.
A verdade é que ambos estão
corretos: tanto igualdade como a equidade. Somos diferentes, não nascemos
iguais, não temos as mesmas oportunidades, não somos influenciados pelas mesmas
coisas, tornando impossível querer que todos vivam em um mundo igual.
Entretanto, somos todos humanos, seres vivos, oscilámos em mesma conservação
(vida), bem estar (mal estar), felicidade (infelicidade) e o direito de ser.
Acima de tudo temos direitos de ser tratados como iguais. Apesar disso, há
aqueles que precisam de mais ou de menos em determinada situação. Vou citar um
exemplo para ficar claro.
Uma senhora de 80 anos entra
no ônibus. Existem alguns assentos preferenciais para ela, enquanto todo o
resto da população divide os assentos comuns. Pela igualdade pura não deveriam
todos os assentos serem iguais? Essa senhora precisa se sentar mais do que a
trabalhadora mais jovem e cansada que entrou junto com ela? Bem, o caso é que
sim. Não é apenas questão de “respeito aos mais velhos” ou “merecimento”; é
questão de equidade, que deverá auxiliar a igualdade quando necessário.
A senhora por já ter vivido
mais tempo pode até ser saudável, estar descansada, mas seu corpo já possui
menos resistência do que o da jovem. As variáveis em ambos os casos são
diferentes. A resistência nos braços da senhora para se segurar durante uma
virada brusca serão menores e, portanto, maiores serão as chances dela cair e
se machucar. Assim também serão maiores as chances dela se machucar gravemente,
já que seu corpo já não se regenera de forma tão eficiente quanto o da jovem.
Em uma queda o que seria um roxo na perna da moça, pode ser uma fratura no
fêmur da idosa. Logo, elas são iguais em alguns pontos, são seres humanos, mas
ambas com situações físicas diferentes, há vulnerabilidade. O princípio de
redução de danos se torna fundamental para o convite da equidade depois que o
da igualdade já foi estabelecido.
Mas então devemos tratar
pessoas mais velhas como frágeis? Não exatamente. É preciso entender as
limitações de cada situação, pessoa ou grupo. É necessário aplicar a equidade,
mas tendo a igualdade como protagonista. Primeiro você trata de forma igual, a
igualdade vem primeiro. Posteriormente para adequar as necessidades que ainda
restam, aplica-se a equidade conseguindo um sistema realmente justo e
balanceado. Quando o inverso é feito só se consegue desigualdade ou injustiça
para a grande maioria. Para citar outro exemplo, suponhamos que há 10 pessoas
com fome; você aplica a equidade antes, favorece aqueles que são seus amigos,
os que particularmente gosta mais. Resultado: três pessoas bem alimentadas e
até passando mal de tanto comer e sete pessoas com fome. Vemos isso em alguns
modelos governamentais.
Ainda sobre modelos de
governo: primeiro os políticos atendem aos seus; o que restar vai para a
população. Agora, se a igualdade é aplicada primeiro 10 pessoas são
alimentadas, porém, uma pessoa que precisa de menos comida para se satisfazer
poderá receber um pouco menos em relação ao todo. Uma outra que precisa de um pouco
mais poderá receber um pouco mais da diferença daquele que recebeu um pouco
menos. É aqui que a equidade entra. Todos são humanos, todos serão alimentados,
porém às vezes um precisa de mais e outro de menos. Equilibrando isso, dando o
excedente de um para o que necessita de um pouco mais, ambos ficam igualmente
satisfeitos.
E se não houver o bastante
de alimento para todos? Nesse caso se divide o que tem de forma igual. O
importante é a maior aproximação do bem estar e da dignidade ou a tentativa de
redução de danos. Esse pode ser um pensamento visto como “esquerdista” ou
“comunista”; ou qualquer uma dessas palavras cujos significados boa porcentagem
das pessoas afirmam como modelo ideal ou justo para a sociedade. Mas, a prática
ética não tem nada a ver com esquerda ou direita; comunismo ou capitalismo.
Quem reduz isso a um “lado”, simplesmente não entendeu o sentido mais profundo
da ética.
Samuel
Sabino - professor na Escola de Gestão da Anhembi
Morumbi, filósofo e mestre em bioética. Ele é fundador da Éticas Consultoria e
ministra o curso de Inner Compliance, com foco em ética no meio corporativo.