A falta de
conhecimento sobre a doença, dificulta o tratamento e a qualidade de vida de
muitas pessoas
Ser diagnosticado com uma doença, seja ela qual
for, nunca é algo fácil de lidar. São tantas dúvidas, medos e incertezas que
muitos pacientes acabam interpretando de forma errônea um diagnóstico como o da
Esclerose Múltipla.
Embora tenha em seu nome a palavra “Esclerose”, a doença
está além deste significado, isso por que a EM não é demência e nem uma doença
de idosos. A EM é autoimune e afeta em sua maioria pacientes jovens, de
20 a 40 anos, principalmente mulheres. Estima-se que existam mais de 40.000
brasileiros com este diagnóstico, um número ainda subestimado.
Existem três tipos de manifestação da doença, a remitente-recorrente,
primariamente progressiva e secundariamente progressiva. Muitas
pessoas demoram a procurar um especialista para diagnosticar a doença, já que
em muitos casos, os sintomas se confundem com outros problemas de saúde e como
em cerca de 85% dos casos, se inicia na forma de surtos, muitos acabam deixando
de lado a investigação após o surto.
A causa da Esclerose Múltipla é desconhecida, porém
sabe-se que há uma interação entre fatores genéticos e ambientais (como valores
baixos de vitamina D, infecção pelo vírus Epstein-Barr, tabagismo e obesidade).
Os locais afetados pela doença são o cérebro, a medula espinhal e o nervo
óptico. Existem dois mecanismos que explicam a o funcionamento da doença. Um é
o inflamatório/desmielinizante (lesões inflamatórias e perda da bainha de
mielina. Um material adiposo que reveste nossos neurônios, o que afeta a
condução normal de mensagens elétricas) e o outro é degenerativo (perda da
própria “fibra nervosa” ou axônio, que é o prolongamento do neurônio, ou mesmo
do próprio neurônio como um todo).
Existem diversas dúvidas sobre os indícios da
doença em uma pessoa e muitos mitos que permeiam os recém diagnosticados. De
acordo com o neurologista especialista em Esclerose Múltipla, o Dr. Mateus
Boaventura, as principais perguntas são sobre invalidez, tempo de vida,
dificuldades para ter filhos, hereditariedade, entre outras. Por essa razão, o
profissional elencou as principais dúvidas acerca da doença.
Vou ficar inválida?
Não. O paciente pode ter uma vida totalmente ativa
e produtiva, mesmo com esclerose múltipla. A doença não é atestado de óbito ou
de invalidez. Embora não possua cura, a doença tem tratamento controle para ser
silenciada. Pelo fato de se manifestar por meio de surtos, é possível que
algumas sequelas oriundas do surto permaneçam, como problemas de força ou
visão. Por isso é extremamente importante procurar um especialista no primeiro
sinal da doença, controlar e tratar. É completamente possível viver com
qualidade de vida e com a doença controlada.
Vou morrer cedo?
Felizmente, quando tratado precocemente e
corretamente, a expectativa de vida não é tão diferente da população geral.
Outro conceito é que “não se morre pela doença em si”. A Esclerose afeta o sistema
nervoso central. As fibras nervosas das células do sistema
nervoso estão revestidas por uma bainha chamada mielina, que estimula a
comunicação entre o cérebro e corpo. A esclerose múltipla destrói
a mielina , prejudicando essa comunicação. A doença causa um processo
inflamatório responsável pelos surtos, lesionando as próprias células nervosas,
porém, nenhuma das sequelas tem efeito degenerativo ou compromete o
funcionamento de algum órgão vital. O que pode ocorrer em
pacientes com grandes sequelas e sem mobilidade, são maiores chances de outras
doenças como infecções e trombose.
Não vou poder ter filhos?
A esclerose múltipla não afeta a fertilidade.
Quando bem planejada e em momentos de controle da doença é completamente
possível ter filhos. O Dr Mateus Boaventura relata que teve vários casos de
gravidez e conversa sobre este desejo desde a primeira consulta, estimulando
que as pacientes concretizem o sonho de ser mãe.
Meus familiares vão ter também?
EM não é uma doença hereditária. O que se sabe é
que existe um grau de predisposição genética. Cerca de 2 a 5% dos filhos de
pacientes com EM podem desenvolver a doença. Ainda não se sabem as causas
exatas do surgimento da doença, porém alguns estudos apontam que existem mais
de 200 genes envolvidos no surgimento da doença. Entretanto não existe um único
gene suficiente e diretamente responsável pelo desenvolvimento da EM. O
que se sabe é que um caso de EM na família pode aumentar a probabilidade de uma
nova geração desenvolver a doença, posto que o fator genético é um entre tantas
causas do surgimento da doença.
Homens não tem Esclerose Múltipla
Mentira. Cerca de 30% dos diagnósticos são no sexo
masculino. Muitos estudos epidemiológicos sugerem que a doença possa ser mais
agressiva em homens, podendo evoluir mais frequentemente para formas
progressivas. Não se sabe ao certo o porquê, mas fatores genéticos, hormonais,
imunológicos e de proporção de tecido adiposo corporal poderiam explicar estas
diferenças. Estes fatores levariam a uma maior prevalência em mulheres (por
exemplo, influência hormonal em receptores e sinalizadores do sistema
imunológico, promovendo autoimunidade), mas por outro poderiam levar a um pior
prognóstico em homens (uma das teorias é que os níveis de estrógeno seriam
protetores para a proteção neuronal, já após uma agressão).
É possível sim, viver uma vida com saúde e
longevidade com a Esclerose Múltipla. Porém, para isso é extremamente
importante o diagnóstico precoce e um tratamento adequado. Dessa forma e com o
que se sabe, é importante ficar atento com sintomas neurológicos novos em
pessoas jovens, e que persistem por mais de 24 horas. O ideal é, além de
procurar por médicos generalistas, visitar o neurologista para relatar todos os
sintomas. Afinal, o diagnóstico e tratamento precoces serão decisivos na
evolução da doença.
Dr. Mateus Boaventura de Oliveira - Médico Neurologista do HC-FMUSP e Hospital Sirio Libanês. Realizou
fellow clínico e pesquisa em Esclerose Múltipla em Barcelona -Cemcat- Hospital
Vall d’Hebron. Possui título de especialista pela Academia Brasileira de
Neurologia. Atualmente realiza pesquisas científicas e acompanha diversos
pacientes com EM. O Dr. Mateus Boaventura ainda mantém canais dedicados à disseminação
de informações sobre a EM e outras doenças neurológicas de maneira bastante
didática.