A falsa polêmica sobre existir ou não mudança do
clima no planeta é assunto que já aborrece os especialistas da área. Afinal, se
a grande maioria dos cientistas diz que sim, e essa maioria estuda e pesquisa
nos institutos de maior reputação no mundo todo, por que ir atrás daquela meia
dúzia que continua negando o fenômeno? Parece que se há polêmica, então
há matéria jornalística, e vale o esforço da cobertura. Aí reside o problema.
Dar atenção ao que não é substantivo é apenas uma opção. Portanto, não cobrir
os negacionistas que refutam a existência da mudança do clima deveria ser uma
alternativa mais relevante para os meios de comunicação - assim como não dar
ouvidos aos extremistas na política e na guerra poderia ser uma opção para
impulsionar democracias e economias mais saudáveis. Abrir as principais
vitrines do mundo na mídia impressa ou virtual é um ato de grande
responsabilidade. Quem guarda essa chave poderia pensar mais a sério antes de
dar o palco para notícias cujas consequências são destrutivas. Uso esse exemplo
para chamar atenção do que considero que deveria ser bem mais exposto na mídia
do que a negação do aquecimento global ou sensacionalistas em busca de mídia
para sua projeção e busca por poder.
Se você entende que o cenário das mudanças
climáticas é para valer, seja porque leu os estudos publicados aos milhares,
seja por ter observado os exemplos recentes de eventos climáticos extremos,
como as secas e incêndios na Grécia, Califórnia ou Portugal, certamente vai
ficar curioso para entender quais as consequências desse fenômeno. As perdas
globais por incêndios atingiram níveis recorde no ano passado - e isso pode
piorar à medida que a ameaça da mudança climática cresce. Somos novamente
atingidos por uma grande seca no sudeste do país e a escassez hídrica começa a
bater em nossa porta, sem que tenhamos agido suficientemente para combater o
problema no curto e longo prazo. Quebrar recordes de diferentes safras
agrícolas no país também são sinais a que precisamos ficar atentos.
Vale a pena ir um pouco além e investigar as
consequências disso para as diferentes formas de vida no planeta. Há cientistas
que alegam que estamos vivendo a 6ª maior extinção de espécies da história,
numa fase chamada de Antropoceno – a época geológica em que humanos se tornam a
principal causa de alterações do planeta. Estamos perdendo espécies de plantas
e animais em grande escala, muitos dos quais sequer chegamos a conhecer. Com
esse processo acelerado, tornam-se ainda mais urgentes as ações de conservação
ambiental, principalmente aquelas em terras públicas (áreas protegidas) e
privadas (reservas legais ou áreas de preservação permanente obrigatórias nas
propriedades). Além de conservar, é fundamental também restaurar áreas
degradadas, a fim de resgatar a capacidade de produção de alimentos, promover
segurança hídrica, reter carbono no solo e estocá-lo nas plantas.
O lado bom da história é que vivemos um grande
despertar de atores que têm se dedicado à restauração florestal (ou de outros
tipos de vegetação) e à produção agropecuária sustentável, convencidos que
ainda temos oportunidade de salvarmos algumas regiões e espécies no planeta de
uma devastação ainda maior. Do lado da conservação, sofremos também com a falta
de investimento em parques e áreas de conservação, pois o que é considerado bem
público não tem recebido a devida atenção, muito menos investimento. E o mais
irônico disso tudo é que é justamente nessas áreas que reside a nossa
esperança: milhões de espécies de fauna e flora que podem nos salvar das
situações extremas em que o aquecimento global está nos colocando. De onde
virão as sementes para o reflorestamento de áreas degradadas, se nossas áreas
preservadas pegarem fogo ou sucumbirem às secas? De onde virá a água para
abastecimento e produção, se comprometermos as áreas protegidas?
Para sairmos da ação de alguns poucos
voluntaristas, o ideal seria que, além dos governos, houvesse um forte
engajamento do setor privado, para que pudéssemos dar escala às ações para
salvar espécies relevantes de fauna e flora para as futuras gerações. Muitas
das ações necessárias podem acontecer na forma de negócios, de micro a grande
porte, gerando economia relevante. Os negócios de impacto social e ambiental,
neste momento da história, tornam-se peça chave para os desafios planetários.
Estaríamos vivendo um momento "Arca de
Nóe"? O que falta para a sociedade despertar? Além da oportunidade de uma
nova economia como aqui descrito, temos opção ímpar a cada eleição. Nosso voto
na urna pode ser a diferença entre ter políticas que negam os problemas aqui
relatados ou ter gestores responsáveis e comprometidos com as atuais e futuras
gerações e com soluções para esses desafios que afetam a todos nós.
Rachel Biderman - diretora-executiva do WRI Brasil
e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza