No
último dia 04 de janeiro foi finalmente sancionada pelo Presidente Jair
Bolsonaro a Lei nº. 13.800, que regulamenta a criação de fundos patrimoniais
(também conhecidos como endowments)
utilizados para arrecadar e gerir doações de pessoas físicas e jurídicas para
programas e projetos em diferentes áreas, entre as quais, cultura e educação.
Essa
modalidade de fundo foi concebida com a finalidade principal de buscar a
perpetuidade das doações realizadas para a constituição de seu patrimônio. .
Para tanto, há a segregação contábil entre o valor original doado,
o qual deve obrigatoriamente ser investido por terceiro independente de
modo a garantir a geração de receita e a receita gerada por esse investimento, a
qual será aplicada no custeio das despesas operacionais da causa apoiada, o que
torna o fundo perene e sua continuidade independente da angariação de novas
doações. Esse mecanismo é utilizado principalmente em universidades
norte-americanas, mas no Brasil já existem endowments em fase inicial.
Os
fundos patrimoniais se diferenciam dos fundos de investimento convencionais,
pois enquanto nestes os investidores buscam essencialmente o retorno financeiro
(embora já existam fundos que também buscam gerar impacto social positivo
através de seus investimentos), naqueles o investidor visa a perenidade de uma
entidade e a sua sustentabilidade financeira. Vale notar, porém, que parte dos
valores dos endowments também podem
ser investidos em fundos de investimento convencionais na busca de
rentabilização do patrimônio arrecadado.
A
nova legislação é inédita na regulação do mecanismo de funcionamento dos endowments e autoriza
a administração pública a firmar instrumentos de parceria e termos de execução
de programas e projetos com gestores dos fundos patrimoniais.
Os
fundos patrimoniais envolvem os seguintes atores:
Doadores: pessoa física ou jurídica de direito
privado com ou sem fins lucrativos que destinam recursos para o Fundo
Patrimonial;
Fundo
Patrimonial: conjunto
de ativos administrados pela gestora do Fundo Patrimonial com o intuito de
constituir fonte de recursos de longo prazo, a partir da preservação do
principal e da aplicação de seus rendimentos em benefício da instituição
apoiada para apoio de uma causa ou projeto de interesse público. Nasce com a
formalização de um instrumento de parceria entre a gestora do Fundo Patrimonial
e a instituição apoiada, que estabelece o vínculo de cooperação entre as partes
e que determina a finalidade de interesse público a ser apoiada.
Instituição
Apoiada: instituição
pública ou privada sem fins lucrativos, beneficiários de programas, projetos ou
atividades financiados com os rendimentos do Fundo Patrimonial;
Gestora: instituição privada sem fins
lucrativos instituída na forma de associação ou de fundação privada com o
intuito de atuar na captação e na gestão das doações oriundas de pessoas
físicas e jurídicas e do patrimônio constituído;
Organização
Executora:
instituição sem fins lucrativos que pode atuar em parceria com as Instituições
Apoiadas para execução dos programas, projetos e demais finalidade de interesse
público.
O
bom funcionamento de um fundo patrimonial depende de um conjunto de fatores,
tais como pessoas do setor privado dispostos a doar, política de investimento
dos recursos no mercado financeiro em produtos de baixo risco que ofereçam
segurança quanto à permanência do principal e, simultaneamente, que sejam
rentáveis ao fundo e estrutura adequada de governança, garantido transparência
no acompanhamento e fiscalização do investimento e destinação dos
recursos captados.
A
expectativa era de que houvesse isenção fiscal das doações realizadas para os
fundos patrimoniais, assim como para a rentabilidade auferida pelos fundos
patrimoniais que beneficiassem organizações que trabalhem em beneficio de
causas de interesse público, independentemente de essas instituições serem
públicas ou privadas. No entanto, o trecho da norma que tratava desse benefício
acabou sendo vetado pela equipe econômica do atual Presidente, sendo mantido
apenas o benefício para projetos culturais, o que gerou grande frustração no
mercado. No entanto, a nova legislação é um alento aos produtores culturais,
que identificam nesse modelo uma aproximação do formato de captação de recursos
destinados a atividades culturais largamente adotado na Europa e nos Estados
Unidos.
A
nova lei é uma importante contribuição para o desenvolvimento do terceiro setor
em nosso País, pois além de oferecer segurança jurídica ao mecanismo do endowment, que até então
não era regulado no Brasil, gera uma grande perspectiva ao segmento cultural
nacional nesse delicado momento de críticas da sociedade em geral às leis de
renúncia fiscal (lei Rouanet, especialmente). Vale mencionar que na
França – País cuja legislação de endowments serviu
de inspiração para a Lei 13.800/19 - foram criados mais de 200 endowments no ano de
promulgação da legislação sobre o tema!
Conclui-se,
assim, que a lei dos fundos patrimoniais promove um ambiente ainda mais
favorável à profissionalização do terceiro setor e à instituição de regras de
governança e de controles financeiros mais transparentes nas entidades sem fins
lucrativos, o que sem dúvida atrairá mais capital para proteção de relevantes e
cada vez mais sustentáveis causas sociais, ambientais e culturais.
Monroe
Fabrício Olsen - Sócio do Marins Bertoldi Advogados
Rachel
de O. Sampaio de Andrade - Advogada da Área de Negócios de Impacto do Marins
Bertoldi Advogados