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sexta-feira, 11 de abril de 2025

Celebrações da Quaresma e Semana Santa em Tiradentes

A tradição de celebrar a Semana Santa em homenagem aos últimos dias de Cristo teve início logo após sua morte, embora, inicialmente, fosse comemorada apenas no sábado e no domingo de Páscoa. No ano de 325 d.C., durante o Concílio de Niceia, organizado pelo Papa Silvestre I e presidido pelo Imperador Constantino, foram estabelecidas e consolidadas diversas doutrinas da Igreja Católica, incluindo a escolha dos livros sagrados e a definição de datas religiosas. Nesse contexto, decidiu-se que a Semana Santa seria comemorada ao longo de uma semana, desde o Domingo de Ramos até o Domingo de Páscoa. Em Tiradentes, o primeiro registro das celebrações da Semana Santa remonta ao livro de despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento, datado de 1736, que documenta os pagamentos a músicos, sacerdotes e padres que participaram das cerimônias.

As solenidades em Tiradentes têm início nas quatro primeiras sextas-feiras da Quaresma, com as Vias Sacras que percorrem os Passos da Paixão. Essas pequenas capelas, construídas entre 1745 e 1807, abrigam quadros que retratam os últimos momentos de Jesus Cristo. Essas cerimônias marcam a preparação para as solenidades do Senhor Bom Jesus dos Passos, que ocorrem no quinto final de semana da Quaresma. A tradição das celebrações do Senhor Bom Jesus dos Passos, separadas da Semana Santa, foi trazida ao Brasil pelos portugueses e sobreviveu nas cidades onde ainda existem irmandades dedicadas a essa devoção. Em Tiradentes, a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos foi fundada em 1721, e desde então as comemorações ocorreram com algumas alterações nas datas, trajetos de procissão e a inclusão de outras solenidades. Com o início do culto a Nossa Senhora das Dores no final do século XVIII e a criação de sua Confraria em 1801, aliada à conclusão da construção da Igreja de Nossa Senhora das Mercês em 1807, as solenidades do Senhor Bom Jesus dos Passos passaram a ser realizadas no formato que conhecemos atualmente, com quatro Vias Sacras, procissões do Depósito e do Encontro, missas solenes e sermões do Pretório, Encontro e Calvário.

Na quarta-feira que antecede a solenidade do Senhor Bom Jesus dos Passos, inicia-se outra comemoração que antecede a Semana Santa: o Setenário de Nossa Senhora das Dores. São sete dias de celebrações em que a igreja reflete sobre as sete dores que Maria sofreu durante sua missão como mãe de Jesus. Essa festividade é organizada pela Irmandade do Apóstolo João Evangelista e Nossa Senhora das Dores na Igreja de São João Evangelista. Durante o sábado e o domingo de Passos, o Setenário é suspenso, retornando na segunda-feira seguinte e encerrando-se na quinta-feira anterior ao Domingo de Ramos. Neste dia, ocorre a Procissão do Depósito de Nossa Senhora das Dores em direção à Igreja de Nossa Senhora das Mercês, e no dia seguinte realiza-se a Procissão da Soledade, durante a qual a imagem de Nossa Senhora das Dores percorre os Passos da Paixão. Ao final da procissão, é proferido o Sermão das Sete Dores de Maria.

O Domingo de Ramos, que também marca a Paixão do Senhor, dá início à Semana Santa após 15 dias de cerimônias quaresmais. O domingo começa com a Procissão de Ramos, que parte da Igreja de Nossa Senhora do Rosário em direção à Matriz de Santo Antônio, onde, ao som do coro da Orquestra Ramalho, é entoado o moteto "Glória Laus". Após a entrada da procissão, celebra-se a Santa Missa Solene. À noite, ocorre a Procissão Festiva do Senhor do Triunfo, que também culmina em uma Santa Missa.

A Segunda-Feira Santa é marcada pela Procissão da Prisão de Cristo, que sai da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, percorrendo a Rua Direita, onde todas as luzes estão apagadas. Ao chegar à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, realiza-se a encenação da prisão de Cristo. Esta celebração é uma das mais emocionantes, com os soldados romanos chegando com tochas, criando uma cena memorável. Até o momento do sermão, a Banda e os sinos emitem uma atmosfera festiva; após a encenação da prisão, os tambores rufam, os sinos dobram e a Banda começa a tocar marchas fúnebres. O andor com Jesus preso é então levado pelos soldados até a Matriz de Santo Antônio.

Outra tradição mantida em Tiradentes é o Ofício de Trevas, que ocorre na Terça-Feira Santa na Matriz de Santo Antônio. Um candelabro triangular com 15 velas, representando os 150 salmos da Bíblia, é colocado ao lado do Altar Mor. À medida que os salmos são entoados, as velas vão sendo apagadas, restando acesa apenas a vela do vértice do candelabro, que simboliza a luz de Cristo e a esperança em sua ressurreição. Ao final da liturgia, essa vela é retirada do candelabro e canta-se a Antífona "Christus factus est". Todas as luzes são apagadas, e os fiéis batem os pés no chão, simbolizando as trevas que tomaram conta da terra com a morte de Jesus. Após isso, as luzes são acesas novamente, e a vela é recolocada no candelabro, representando a ressurreição de Cristo. Este ofício da Semana Santa se mantém praticamente inalterado há cerca de 15 séculos. Em Tiradentes, as músicas executadas são de compositores regionais dos séculos XVII e XIX, escritas sobre Salmos e textos bíblicos. O Ofício é realizado pela Orquestra e Banda Ramalho em parceria com a Paróquia de Santo Antônio e a Coroinhas de Dom Bosco da Catedral de Nossa Senhora do Pilar de São João Del Rei. Essa tradição foi reestabelecida em 2006, após mais de 50 anos de esquecimento.

Na Quarta-Feira Santa, ocorre a Via Sacra, que, há uma década, é encenada por fiéis da Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes. A partir da Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza, a encenação termina na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

A Quinta-Feira Santa marca o ápice da Semana Santa, o dia da Ceia do Senhor, onde é instituída a Eucaristia e o Lava Pés. A Santa Missa Solene é celebrada na Matriz de Santo Antônio, e durante a celebração, o Lava Pés é encenado. Após a comunhão, ocorre a desnudação dos altares (onde toda ornamentação é retirada) e a Transladação do Santíssimo Sacramento para a Capela, onde permanecerá em adoração até as 15h da Sexta-Feira Santa.

Na Sexta-Feira Santa (ou Sexta-Feira Maior), às 15h, acontece a ação litúrgica na Matriz de Santo Antônio. Desde os primórdios do Cristianismo, as cerimônias nesse dia incluem leituras e orações, adoração da Cruz e comunhão. Às 18h30, a tocante Via Sacra encenada sai da Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza, terminando na Igreja Matriz de Santo Antônio. Em seguida, realizam-se o descendimento da Cruz e a Procissão do Enterro. O Calvário é montado nas escadarias da Matriz de Santo Antônio; durante o sermão, a imagem de Cristo é retirada da Cruz e colocada em um esquife, sendo levada em procissão pelas ruas históricas da cidade. Em sete pontos da procissão, ouve-se o canto da Verônica. Ao retornar à Matriz de Santo Antônio, a imagem de Cristo fica em exposição para a veneração dos fiéis.

No Sábado Santo, celebra-se a Vigília Pascal na Matriz de Santo Antônio. A celebração inicia-se no escuro e é dividida em partes: Liturgia da Luz, Liturgia da Palavra, Liturgia Batismal e Liturgia Eucarística. Quando é entoado o "Glória In Excelsis", as luzes da igreja são acesas e os altares, que estavam cobertos com panos roxos durante a Quaresma, são descobertos. Esse é o anúncio da Ressurreição de Jesus, a profecia se cumpre.

No Domingo de Páscoa, às 16h, é celebrada a Santa Missa Solene, seguida pela Procissão com o Santíssimo Sacramento, e, em seguida, ocorre a coroação de Nossa Senhora e o Hino "Te Deum Laudamus".

A música sempre teve um papel fundamental nas celebrações em Tiradentes. Em 1860, foi fundada a Sociedade Orquestra e Banda Ramalho, que desde então enriquece as cerimônias da Semana Santa, tocando composições de artistas regionais criadas para cada celebração. Os sons das cerimônias também são complementados pelo toque dos sinos, tradicionais mensageiros dos acontecimentos ao longo do tempo. Durante as celebrações, folhas de rosmaninho (uma planta abundante na região) são espalhadas pelo chão das igrejas, trazendo um perfume característico. Os andores são decorados com plantas medicinais e aromáticas, como alecrim, manjericão e arnica.

Essa combinação de sons, imagens, perfumes e fé transforma as Celebrações da Quaresma e da Semana Santa em Tiradentes em um Patrimônio Cultural e Religioso admirado tanto pelos tiradentinos quanto pelos visitantes. Venham viver dias de intensa emoção em Tiradentes; a experiência será inesquecível.

Texto Henrique Rohrmann, Superintendente de Cultura de Tiradentes

 



Referências:

FILHO, Olinto Rodrigues dos Santos. A Matriz de Santo Antônio em Tiradentes, Brasilia DF, IPHAN, Programa Monumenta, 2010.

FILHO, Olinto Rodrigues dos Santos. Tiradentes Monumentos Preservados, Tiradentes, MG, Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, 2015.

FILHO, Olinto Rodrigues dos Santos. Artigo, A Festa de Passos Através dos Tempos. Tiradentes 2016.

https://brasilescola.uol.com.br/historia/origem-da-semana-santa.htm

http://www.comunidadesiao.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=607:historia-da-semana-santa&catid=23:liturgia&Itemid=87

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832003000200012

 

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