A tradição de
celebrar a Semana Santa em homenagem aos últimos dias de Cristo teve início
logo após sua morte, embora, inicialmente, fosse comemorada apenas no sábado e
no domingo de Páscoa. No ano de 325 d.C., durante o Concílio de Niceia,
organizado pelo Papa Silvestre I e presidido pelo Imperador Constantino, foram
estabelecidas e consolidadas diversas doutrinas da Igreja Católica, incluindo a
escolha dos livros sagrados e a definição de datas religiosas. Nesse contexto,
decidiu-se que a Semana Santa seria comemorada ao longo de uma semana, desde o
Domingo de Ramos até o Domingo de Páscoa. Em Tiradentes, o primeiro registro
das celebrações da Semana Santa remonta ao livro de despesas da Irmandade do
Santíssimo Sacramento, datado de 1736, que documenta os pagamentos a músicos,
sacerdotes e padres que participaram das cerimônias.
As solenidades em
Tiradentes têm início nas quatro primeiras sextas-feiras da Quaresma, com as
Vias Sacras que percorrem os Passos da Paixão. Essas pequenas capelas,
construídas entre 1745 e 1807, abrigam quadros que retratam os últimos momentos
de Jesus Cristo. Essas cerimônias marcam a preparação para as solenidades do
Senhor Bom Jesus dos Passos, que ocorrem no quinto final de semana da Quaresma.
A tradição das celebrações do Senhor Bom Jesus dos Passos, separadas da Semana
Santa, foi trazida ao Brasil pelos portugueses e sobreviveu nas cidades onde
ainda existem irmandades dedicadas a essa devoção. Em Tiradentes, a Irmandade
do Senhor Bom Jesus dos Passos foi fundada em 1721, e desde então as
comemorações ocorreram com algumas alterações nas datas, trajetos de procissão
e a inclusão de outras solenidades. Com o início do culto a Nossa Senhora das
Dores no final do século XVIII e a criação de sua Confraria em 1801, aliada à
conclusão da construção da Igreja de Nossa Senhora das Mercês em 1807, as
solenidades do Senhor Bom Jesus dos Passos passaram a ser realizadas no formato
que conhecemos atualmente, com quatro Vias Sacras, procissões do Depósito e do
Encontro, missas solenes e sermões do Pretório, Encontro e Calvário.
Na quarta-feira
que antecede a solenidade do Senhor Bom Jesus dos Passos, inicia-se outra
comemoração que antecede a Semana Santa: o Setenário de Nossa Senhora das
Dores. São sete dias de celebrações em que a igreja reflete sobre as sete dores
que Maria sofreu durante sua missão como mãe de Jesus. Essa festividade é
organizada pela Irmandade do Apóstolo João Evangelista e Nossa Senhora das
Dores na Igreja de São João Evangelista. Durante o sábado e o domingo de
Passos, o Setenário é suspenso, retornando na segunda-feira seguinte e
encerrando-se na quinta-feira anterior ao Domingo de Ramos. Neste dia, ocorre a
Procissão do Depósito de Nossa Senhora das Dores em direção à Igreja de Nossa
Senhora das Mercês, e no dia seguinte realiza-se a Procissão da Soledade,
durante a qual a imagem de Nossa Senhora das Dores percorre os Passos da
Paixão. Ao final da procissão, é proferido o Sermão das Sete Dores de Maria.
O Domingo de
Ramos, que também marca a Paixão do Senhor, dá início à Semana Santa após 15
dias de cerimônias quaresmais. O domingo começa com a Procissão de Ramos, que
parte da Igreja de Nossa Senhora do Rosário em direção à Matriz de Santo
Antônio, onde, ao som do coro da Orquestra Ramalho, é entoado o moteto
"Glória Laus". Após a entrada da procissão, celebra-se a Santa Missa
Solene. À noite, ocorre a Procissão Festiva do Senhor do Triunfo, que também
culmina em uma Santa Missa.
A Segunda-Feira
Santa é marcada pela Procissão da Prisão de Cristo, que sai da Igreja de Nossa
Senhora das Mercês, percorrendo a Rua Direita, onde todas as luzes estão
apagadas. Ao chegar à Igreja de Nossa Senhora do Rosário, realiza-se a
encenação da prisão de Cristo. Esta celebração é uma das mais emocionantes, com
os soldados romanos chegando com tochas, criando uma cena memorável. Até o
momento do sermão, a Banda e os sinos emitem uma atmosfera festiva; após a
encenação da prisão, os tambores rufam, os sinos dobram e a Banda começa a
tocar marchas fúnebres. O andor com Jesus preso é então levado pelos soldados
até a Matriz de Santo Antônio.
Outra tradição
mantida em Tiradentes é o Ofício de Trevas, que ocorre na Terça-Feira Santa na
Matriz de Santo Antônio. Um candelabro triangular com 15 velas, representando
os 150 salmos da Bíblia, é colocado ao lado do Altar Mor. À medida que os
salmos são entoados, as velas vão sendo apagadas, restando acesa apenas a vela
do vértice do candelabro, que simboliza a luz de Cristo e a esperança em sua
ressurreição. Ao final da liturgia, essa vela é retirada do candelabro e
canta-se a Antífona "Christus factus est". Todas as luzes são
apagadas, e os fiéis batem os pés no chão, simbolizando as trevas que tomaram
conta da terra com a morte de Jesus. Após isso, as luzes são acesas novamente,
e a vela é recolocada no candelabro, representando a ressurreição de Cristo.
Este ofício da Semana Santa se mantém praticamente inalterado há cerca de 15
séculos. Em Tiradentes, as músicas executadas são de compositores regionais dos
séculos XVII e XIX, escritas sobre Salmos e textos bíblicos. O Ofício é
realizado pela Orquestra e Banda Ramalho em parceria com a Paróquia de Santo
Antônio e a Coroinhas de Dom Bosco da Catedral de Nossa Senhora do Pilar de São
João Del Rei. Essa tradição foi reestabelecida em 2006, após mais de 50 anos de
esquecimento.
Na Quarta-Feira
Santa, ocorre a Via Sacra, que, há uma década, é encenada por fiéis da Paróquia
de Santo Antônio de Tiradentes. A partir da Capela do Senhor Bom Jesus da
Pobreza, a encenação termina na Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
A Quinta-Feira
Santa marca o ápice da Semana Santa, o dia da Ceia do Senhor, onde é instituída
a Eucaristia e o Lava Pés. A Santa Missa Solene é celebrada na Matriz de Santo
Antônio, e durante a celebração, o Lava Pés é encenado. Após a comunhão, ocorre
a desnudação dos altares (onde toda ornamentação é retirada) e a Transladação
do Santíssimo Sacramento para a Capela, onde permanecerá em adoração até as 15h
da Sexta-Feira Santa.
Na Sexta-Feira
Santa (ou Sexta-Feira Maior), às 15h, acontece a ação litúrgica na Matriz de
Santo Antônio. Desde os primórdios do Cristianismo, as cerimônias nesse dia
incluem leituras e orações, adoração da Cruz e comunhão. Às 18h30, a tocante
Via Sacra encenada sai da Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza, terminando na
Igreja Matriz de Santo Antônio. Em seguida, realizam-se o descendimento da Cruz
e a Procissão do Enterro. O Calvário é montado nas escadarias da Matriz de
Santo Antônio; durante o sermão, a imagem de Cristo é retirada da Cruz e
colocada em um esquife, sendo levada em procissão pelas ruas históricas da
cidade. Em sete pontos da procissão, ouve-se o canto da Verônica. Ao retornar à
Matriz de Santo Antônio, a imagem de Cristo fica em exposição para a veneração
dos fiéis.
No Sábado Santo,
celebra-se a Vigília Pascal na Matriz de Santo Antônio. A celebração inicia-se
no escuro e é dividida em partes: Liturgia da Luz, Liturgia da Palavra,
Liturgia Batismal e Liturgia Eucarística. Quando é entoado o "Glória In
Excelsis", as luzes da igreja são acesas e os altares, que estavam cobertos
com panos roxos durante a Quaresma, são descobertos. Esse é o anúncio da
Ressurreição de Jesus, a profecia se cumpre.
No Domingo de
Páscoa, às 16h, é celebrada a Santa Missa Solene, seguida pela Procissão com o
Santíssimo Sacramento, e, em seguida, ocorre a coroação de Nossa Senhora e o
Hino "Te Deum Laudamus".
A música sempre
teve um papel fundamental nas celebrações em Tiradentes. Em 1860, foi fundada a
Sociedade Orquestra e Banda Ramalho, que desde então enriquece as cerimônias da
Semana Santa, tocando composições de artistas regionais criadas para cada
celebração. Os sons das cerimônias também são complementados pelo toque dos
sinos, tradicionais mensageiros dos acontecimentos ao longo do tempo. Durante
as celebrações, folhas de rosmaninho (uma planta abundante na região) são
espalhadas pelo chão das igrejas, trazendo um perfume característico. Os
andores são decorados com plantas medicinais e aromáticas, como alecrim,
manjericão e arnica.
Essa combinação de
sons, imagens, perfumes e fé transforma as Celebrações da Quaresma e da Semana
Santa em Tiradentes em um Patrimônio Cultural e Religioso admirado tanto pelos
tiradentinos quanto pelos visitantes. Venham viver dias de intensa emoção em
Tiradentes; a experiência será inesquecível.
Texto
Henrique Rohrmann, Superintendente de Cultura de Tiradentes
Referências:
FILHO, Olinto Rodrigues dos Santos. A Matriz de Santo Antônio em Tiradentes, Brasilia DF, IPHAN, Programa Monumenta, 2010.
FILHO, Olinto Rodrigues dos Santos. Tiradentes Monumentos Preservados, Tiradentes, MG, Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes, 2015.
FILHO, Olinto Rodrigues dos Santos. Artigo, A Festa de Passos Através dos Tempos. Tiradentes 2016.
https://brasilescola.uol.com.br/historia/origem-da-semana-santa.htm
http://www.comunidadesiao.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=607:historia-da-semana-santa&catid=23:liturgia&Itemid=87
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832003000200012
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