O economista José Roberto Mendonça de Barros considerou fracas as medidas de corte de gastos do governo e disse que, de tudo o que foi colocado à mesa, apenas o aumento da faixa de isenção do IR, que na prática pressiona o orçamento, tem garantia de sair, pois será feito por via administrativa
O pacote de corte de gastos, anunciado na última quinta-feira (28) pelo ministro da Fazenda
Fernando Haddad, prevê economia de até R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030 com
medidas como um pente-fino em programas sociais, revisão de benefícios a
militares e tributação de, no mínimo, 10% sobre a renda de quem ganha acima de
R$ 50 mil por mês. As iniciativas do governo, que em sua maioria dependem
do Congresso para sair do papel, não empolgaram empresários nem economistas.
Um dos pontos mais criticados
foi o anúncio, junto com o pacotes de cortes, de uma desoneração, a isenção do
Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, medida que deve valer a partir
de 2026 e que, na prática, acaba pressionando em vez de aliviar o orçamento.
"O governo perdeu a chance
de promover um ajuste fiscal positivo e estratégico por um tático de curto
prazo, misturando isenção do Imposto de Renda só para dar uma notícia boa. Mas
é uma manchete que se esvai no mesmo dia", afirmou o economista José
Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, que esteve na Associação
Comercial de São Paulo (ACSP) na quinta-feira, dia do anúncio do governo.
Ex-secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda entre 1995 e 1998, Barros disse que o pacote
não é bom porque, enquanto o aumento na isenção do IR é feito por via
administrativa, a criação de um imposto efetivo para quem ganha mais de R$ 50
mil por mês depende de lei. "Com o pacote corremos o risco de ter a
despesa garantida, mas não ter a receita", alertou.
Em conversa com o Diário
do Comércio, o economista analisou os impactos do aumento da faixa de
isenção do IR nos negócios de um Microempreendedor Individual (MEI) e se essa
medida poderia diminuir a desigualdade tributária mencionada pelo governo. Em
sua avaliação, em alguma medida, sim, já que muitos MEIs têm receitas que não
superam os R$ 5 mil mensais, ou R$ 60 mil por ano. Vale lembrar que o teto de
faturamento anual para atuar como microempreendedor individual é de R$ 81 mil.
"Porém, o efeito dessa
isenção sobre a desigualdade é relativamente pequeno, tem que ter mais do que
isso: o crescimento da oferta de trabalho, de educação, esse tipo de coisa. O
IR sozinho não é nada extraordinário. É claro que quem terá menos imposto a
pagar ficará aliviado no dia a dia dos negócios e vai gostar. Mas não é uma
questão-chave para reduzir a desigualdade", reforçou Barros.
Se os efeitos do pacote não
serão sentidos no curto prazo, a compensação entre quem vai pagar menos
(isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil) e quem vai pagar mais (aumento do
IR para quem recebe acima de R$ 50 mil mensais) mostra sua inconsistência: de
um lado, reduz imposto, que é um tipo de gasto, do outro, aumenta. "O
momento atual mostra claramente a necessidade de diminuir esse gasto, porque
gastou-se demais no período recente. O déficit aumentou e agora o governo não
tem como financiar isso."
NÃO
EMPOLGOU
Marcel Solimeo, economista-chefe
da ACSP, também destacou que o pacote não despertou entusiasmo, pois não veio
na linha do que se esperava, que era o foco maior no corte de gastos. A
preocupação de Solimeo é que as medidas possam implicar em maior
tributação.
"É um pacote que criou expectativa
e não cumpriu, afetando a credibilidade do governo. Ele tem inconsistências
claras, como aumentar o limite de isenção do Imposto de Renda no momento em que
é preciso conter o consumo. Não tem como funcionar e o agravante é tentar
compensar em cima da classe média empresarial", diz o economista da ACSP.
A Confederação Nacional do
Comércio (CNC) apontou efeitos que devem impactar o empresariado, como a
inclusão de tributação de dividendos sem a respectiva redução da tributação
sobre as empresas - o que configura bitributação e deve afetar drasticamente a
capacidade do setor produtivo de gerar riquezas. "A atual tributação sobre
a renda e o lucro no Brasil já seguem a lógica de tributar o resultado da
empresa e isentar proventos e dividendos pagos aos acionistas", afirmou a
entidade em nota.
A confederação também disse
reconhecer a importância de revisar a dinâmica de reajuste do salário mínimo,
bem como de outros benefícios sociais, como o BPC e o Abono Salarial, para
"garantir o amparo aos mais necessitados." Mas enxerga com
preocupação a ampliação da isenção do IR, dado o peso que essa medida terá
sobre o quadro fiscal brasileiro, "tornando todo o esforço do pacote
fiscal praticamente inócuo".
A CNC destacou ainda que a
economia estimada pelo governo de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, ou de
R$ 327 bilhões em cinco anos, é insuficiente diante do cenário de déficits
primários crônicos que, segundo as projeções do mercado, podem alcançar 0,7% do
PIB nos próximos três anos. "É crucial que o Brasil busque uma plena
coordenação entre as políticas fiscal e monetária, garantindo um cenário de
médio e longo prazo estável e previsível, o que permitirá a redução dos juros e
da inflação, fatores que atualmente sufocam o setor produtivo e os consumidores",
completou a confederação.
DESACELERAÇÃO
NO RADAR
Para Mendonça de Barros, o que
interessa nesse momento é o que vai acontecer com a economia nos próximos dois
anos e, por isso, o ideal seria que o governo não fizesse um anúncio do ponto
de vista político, mas pensando em como enfrentar a pressão inflacionária e a
questão fiscal para a economia crescer firmemente até 2026.
"Esse deveria ser o centro
da política econômica para buscar o grau de investimento de volta. Foi um
anúncio atrapalhado, recebido de mau-humor pela imprensa e o mercado, e o preço
pago pelo governo pelo desgaste não será pequeno."
O efeito inicial foi imediato,
com a disparada do dólar, que chegou a bater R$ 6,01 na quinta-feira,
encerrando o dia em R$ 5,99, patamar histórico desde o início da circulação do
real, em 1994. A alta da moeda de 3,36% na semana já indicava qual era a
expectativa do mercado com o pacote. Adiado em um mês, o anúncio do pacote
causou instabilidade e aumentou a volatilidade do câmbio, já pressionado pelas
políticas protecionistas de Donald Trump e tensões no Oriente Médio.
"Se esse pacote tivesse
saído em agosto, quando o dólar estava em R$ 5,60, poderia voltar para R$ 5,40.
Mas ficou nessa novela de 'hoje vai, hoje não vai', até ele chegar aos R$ 5,80,
R$ 5,99. Quanto mais demora, menos credibilidade, e o efeito do pacote vai
ficando cada vez menor. Ou seja, foi um tiro no pé", disse Barros.
Com isso, o desgaste para o
governo não será pequeno, com um câmbio que piorou e a inflação acima de 4%.
Segundo o economista, essa perspectiva pode levar o Banco Central a aumentar
mais intensamente os juros, em até 0,75%.
"Nós, economistas, erramos
nessas projeções de virada de ano, subestimamos o crescimento há três
anos", admitiu Barros, que arrisca dizer que desta vez há certeza
de forte desaceleração da economia para o próximo ano. "Hoje, a renda
das famílias está boa, assim como a oferta de crédito. Mas a pressão
inflacionária não vai ser razoável e a questão fiscal é uma decisão de um
regime presidencialista para atender as suas bases, espalhar bondades, e não um
movimento estratégico para retomar a trajetória de crescimento."
O economista também destacou
que o pacote só será aprovado em 2025 se não houver nenhuma
"armadilha" do Congresso para implementação a partir de 2026. "O
pacote não segura a inflação e em algum momento serão tomadas medidas
adicionais. Lula não chegará na próxima eleição com a inflação controlada, o
que sempre foi determinante para o presidente se reeleger."
Barros também comentou sobre a possível
queda no poder de compra em 2025. Segundo ele, o corte de gastos no curto prazo
deve reduzir a renda de algumas das pessoas, diminuindo a atividade. "Se o
orçamento for mais equilibrado, os juros podem ser muito mais baixos. É através
dos juros, que afetam todas as empresas, que se consegue a sustentabilidade no
crescimento da economia."
Para o economista, a queda no
desemprego deve desacelerar no próximo ano, com os juros subindo muito,
afetando o crédito para as empresas, e com a inflação reduzindo o poder de
compra da população. Ele reforça que o foco do pacote deveria ser a
redução do déficit público. "Mas a mensagem do governo é contraditória:
não se pode falar em corte, nem gastos, só em readequação. Mas a população não
é boba, vai entender que o efeito vai ser ruim", disse.
Karina Lignelli
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/com-o-pacote-o-risco-e-ter-a-despesa-garantida-mas-nao-a-receita
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