Em artigo de revisão,
pesquisadores destacam a importância de instituições como ABNT, Inmetro e ISO
na definição de normas para caracterizar os biopolímeros e evitar o greenwashing –
prática de marketing que promove enganosamente produtos como sendo ecológicosSegundo os pesquisadores, existe uma confusão conceitual entre
termos como “bioplástico”, “bio-based”, “biodegradável” e “compostável”
(foto: Freepik*)
Uma revisão da literatura sobre
bioplásticos, aliada à análise das legislações europeia e brasileira, revela
que a falta de padronização global tem dificultado a adoção de soluções
sustentáveis e contribuído para o greenwashing – prática de
marketing que promove enganosamente produtos como sendo ecológicos.
Artigo publicado no
periódico Sustainability argumenta que instituições
intermediárias – como a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o
Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), no Brasil,
ou a International Organization for Standardization (ISO), no cenário
internacional – deveriam desempenhar um papel central na normatização desse
mercado.
O trabalho, realizado por um
grupo interdisciplinar composto por professores e pesquisadores da Universidade
de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), das
áreas de engenharia de alimentos, engenharia química, economia e direito, membros
da Rede All4Food, recebeu apoio da FAPESP por
meio de dois projetos (21/11967-6 e 20/13307-0).
“Investigamos como as instituições
intermediárias podem criar definições globais claras para os bioplásticos,
protegendo os consumidores do greenwashing e contribuindo para
a transição rumo a uma economia circular, na qual os resíduos sejam
transformados em recursos. Nosso estudo destaca o papel dessas instituições em
traduzir regras macroinstitucionais, estabelecendo normas técnicas e
monitorando seu cumprimento”, diz Vivian Lara Silva,
professora da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade
de São Paulo (FZEA-USP), no campus de Pirassununga, e primeira autora do
artigo.
Segundo Maria Teresa Freire,
também professora da FZEA-USP e coautora do artigo, existe hoje uma confusão
conceitual entre termos como “bioplástico”, “bio-based” [baseado em
biomassa, segundo a International Union of Pure and Applied Chemistry – Iupac],
“biodegradável” e “compostável”. Um plástico pode ser de origem biológica ou de
base biológica, mas não necessariamente biodegradável e/ou compostável. Como
exemplos, ela cita materiais não biodegradáveis de origem biológica ou de base
biológica que são quimicamente idênticos a produtos de origem fóssil, tais como
o polietileno (PE), produzido a partir do etanol de cana-de-açúcar, e
tereftalato de polietileno de base biológica (PET), produzido a partir de amido
de milho.
“Ao associar o prefixo ‘bio’ a
um material, o consumidor pode achar que está comprando algo que degrada
rapidamente em condições naturais e que não causa impactos ao meio ambiente.
Pode acreditar que o comportamento desse material é diferente daquele que
ocorre nos lentos processos de degradação de materiais provenientes de
derivados de petróleo, que levam décadas, e reconhecidamente geram
microplásticos. Porém, um material obtido a partir de fonte renovável também
pode necessitar de condições específicas para degradação”, afirma.
Um exemplo mencionado por ela é
o ácido poliláctico (PLA), produzido a partir de amido de milho ou de
cana-de-açúcar. Esse material é considerado biodegradável, por ser compostável
segundo padrão ISO. Porém, não se degrada com sucesso no ambiente natural pela
ação de microrganismos e à temperatura ambiente. Em condições industriais,
degrada-se entre seis e nove semanas e, no oceano, pode levar um ano e meio. É
usado principalmente na indústria de alimentos para produção de descartáveis,
como copos, talheres, pratos, bandejas e recipientes para alimentos.
“Há materiais de origem
biológica ou de fontes renováveis que necessitam de altas temperaturas para
degradar ou necessitam de tratamentos específicos em composteiras ou digestores
municipais, ou ainda em aterros sanitários específicos, sob condições definidas
e testadas. Por outro lado, há também materiais provenientes de origem fóssil
que são biodegradáveis a exemplo do poli(butileno adipato co-tereftalato)
(PBAT). Diversos produtos baseados em PBAT encontram aplicação para sacolas,
sacos de lixo, talheres e filme de cobertura, entre outras possibilidades”,
informa Freire.
A pesquisadora acrescenta que é
preciso considerar também que estudos científicos trazem à tona questionamentos
sobre a produção de microplásticos nos processos de degradação de materiais
biodegradáveis. E que se deve levar em conta ainda que, para além da formação
de microplásticos, a decomposição na compostagem produz gás metano,
contribuindo para o aquecimento global.
Na medida em que o conhecimento
tecnológico avança, fica evidente a grande diversidade de produtos finais
obtidos pela combinação de diferentes biopolímeros, que, associados a outros
polímeros de base biológica ou não e a outras substâncias (aditivos), permitem uma
gama variada de aplicações industriais. Nessa perspectiva, avançam igualmente
os estudos científicos que buscam compreender e avaliar os mecanismos de
degradação dessas composições, tendo em vista que diferentes combinações de
materiais podem apresentar comportamentos distintos para a decomposição, seja
em ambiente controlado ou natural.
“Ademais, é preciso conhecer os
impactos ambientais provocados pelo conjunto de substâncias que correspondem
aos resíduos formados no processo de degradação. Esses desafios são peças de um
grande quebra-cabeça que ainda não formam uma imagem bem definida. As
mesoinstituições podem dar uma importante contribuição para o encaixe dessas
peças, constituindo a ponte entre as macro e as microinstituições envolvidas no
universo dos bioplásticos”, comenta Silva.
Diante da abrangência e
complexidade do tema, deve-se, além de compreender os reais impactos causados
ao meio ambiente, buscar a unificação da linguagem e entendimento entre
especialistas e pesquisadores – passos essenciais para ações mais concretas
relacionadas à saúde do planeta, ao atendimento de exigências climáticas e à
redução da extinção de espécies, problemas ambientais urgentes da atualidade. A
falta de definições precisas e claras gera um entendimento equivocado e cria
grandes dificuldades para quem está produzindo, comercializando e usando esses
materiais. E a situação é agravada pela falta de harmonia regulatória, o que
impede a adoção, em escala global, de soluções verdadeiramente sustentáveis.
“Um dos maiores problemas é que
não há consenso sobre o que caracteriza um bioplástico. Na União Europeia, por
exemplo, não existe uma definição oficial. E, sem essa definição, fica difícil
para as empresas atuarem de maneira transparente”, informa Vitor de Batista,
mestre pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP) e coautor do
artigo. Ele destaca que a ausência de normas claras não apenas gera confusão no
mercado, mas também impede que inovações sustentáveis recebam o apoio
regulatório necessário para prosperarem.
De acordo com os pesquisadores,
cabe às instituições intermediárias a responsabilidade por estabelecer essas
normas, com padrões e parâmetros nacional e internacionalmente acordados. “O
papel dessas instituições é traduzir a legislação macroinstitucional em normas
técnicas aplicáveis. E monitorar o seu cumprimento”, pontua Freire.
O artigo também sugere que
soluções tecnológicas para o desenvolvimento de novos materiais precisam estar
alinhadas com esforços de conscientização pública. “A educação ambiental é
crucial nesse processo. É uma falácia acreditar que podemos ter um sistema
alimentar completamente livre de plástico. Mas podemos e devemos reduzir o
consumo excessivo de plásticos, muitos dos quais se popularizaram sem uma
necessidade real”, sublinha Silva.
Para um efetivo processo de
comunicação entre a ciência e a sociedade, é crucial a harmonização das
definições para que se construa uma linguagem única e sem ambiguidades que
possibilite ao mercado e aos educadores disseminar o conhecimento em uma só
voz.
Parte do grupo de pesquisadores
envolvido na revisão da literatura sobre bioplásticos está atualmente
colaborando em outra frente de trabalho: Centro de Ciência para o
Desenvolvimento de Soluções para os Resíduos Pós-Consumo: Embalagens e
Produtos (CCD Circula). Apoiado pela FAPESP, o
centro é liderado pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital)
https://ital.agricultura.sp.gov.br/ e está embasado no modelo de “tríplice
hélice”, em que governo, institutos de pesquisa e universidades e empresas
colaboram na busca de soluções socialmente relevantes.
O artigo Bioplastics and the Role of Institutions in the Design of Sustainable Post-Consumer Solutions pode ser acessado em: www.mdpi.com/2071-1050/16/12/5029.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/bioplastico-falta-de-padronizacao-e-de-regras-claras-dificulta-consumo-sustentavel-diz-estudo/53478
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