O
pacote fiscal recentemente anunciado pelo governo tem se mostrado um equívoco
monumental, tanto na forma quanto no conteúdo, intensificando a instabilidade
econômica no país. A reação do mercado foi contundente: depreciação do real
frente ao dólar, aumento dos juros futuros e maior pressão sobre as contas
públicas. A desconfiança gerada pelas medidas expõe não apenas a ausência de
planejamento consistente, mas também o descaso com os setores mais vulneráveis
da sociedade, sobretudo as pessoas com deficiência e outros grupos hipervulnerabilizados.
Entre
os reflexos mais graves está o aumento da pressão por cortes nos benefícios
sociais. A tentativa de racionalizar gastos sociais não foi acompanhada por
políticas amplas de desburocratização ou de estímulo econômico que pudessem
gerar empregos e fomentar o empreendedorismo. Sem essas iniciativas, as
populações mais vulneráveis permanecem presas a ciclos de pobreza e exclusão. O
verdadeiro "benefício social", como autonomia e emancipação
econômica, continua sendo ignorado em nome de ajustes fiscais regressivos.
Um
exemplo flagrante da desconexão entre as ações governamentais e a realidade das
populações hipervulneráveis é o PL 4614/2004, que endurece as regras para a
concessão de benefícios assistenciais. Relatado pelo deputado federal José
Guimarães (PT/CE), o projeto estabelece critérios draconianos e
desproporcionais, que contrariam o espírito protetivo da Constituição Federal.
Como pilar da Ordem Social, a Constituição garante proteção aos mais
vulneráveis, e qualquer legislação infraconstitucional que a desrespeite é, por
definição, inconstitucional.
O uso
da inteligência artificial, por exemplo, para realizar um "pente
fino" nos benefícios assistenciais pode até parecer uma proposta racional,
mas, em sua aplicação desproporcional, corre o risco de se converter em uma
política excludente e insensível. Embora seja verdade que distorções no sistema
precisam ser corrigidas, a execução dessas medidas sem o devido cuidado ameaça
retirar direitos de quem mais necessita, aprofundando desigualdades
estruturais.
Ainda
mais preocupante é a perpetuação de privilégios a grupos politicamente
organizados, que continuam blindados contra os cortes e ajustes que recaem,
invariavelmente, sobre os menos favorecidos. Essa postura não apenas agrava a desigualdade
social como também perpetua a histórica exclusão econômica no país.
O
resultado é um pacote fiscal que sacrifica os mais necessitados em benefício de
uma elite privilegiada. Um governo comprometido com a Justiça Social deveria
priorizar a correção de privilégios e a implementação de políticas que promovam
a Inclusão Econômica, e não o contrário. Medidas que reforçam a exclusão social
e a precarização são incompatíveis com os valores constitucionais de dignidade
humana e igualdade.
Portanto,
ao invés de desmantelar Direitos Fundamentais, o governo deveria investir em
soluções inclusivas e sustentáveis. Isso inclui a revisão dos privilégios
orçamentários de grupos poderosos, a promoção de uma economia dinâmica e
acessível, e o fortalecimento de políticas sociais que verdadeiramente
emancipem os cidadãos.
O fracasso do pacote fiscal não reside apenas em sua
ineficiência econômica, mas também no grave retrocesso que representa para os
Direitos Humanos, Individuais e Sociais.
André Naves - Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).
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