Passada a
fase chocante da tragédia que se abateu sobre o Estado do Rio Grande do Sul,
quando as águas baixam e a limpeza é feita, as luzes voltam a ser ligadas, as
redes voltam a funcionar e a tecnologia, com seu potencial transformador, é
capaz de dar, ao menos, alguns caminhos, insights e soluções para a retomada
das vidas e da economia. Os equipamentos e soluções mais atualizados, e até
alguns já usados no passado, são pontos iniciais para medidas práticas de retomada.
A recuperação vai ser longa, exigindo muita resiliência e persistência, afinal
foram afetados 469 dos 497 municípios do Estado, com 172 mortos e mais de 575
mil pessoas desabrigadas.
Um exemplo é
o uso ampliado da Internet das Coisas (IoT) para monitoramento de rios, do
solo, de encostas e até de infraestruturas como pontes, torres e postes, por
meio da coleta em tempo real de dados, que permitam o uso de ferramentas de
análise computacional e de interação de realidade aumentada na predição e de
atuação para os órgãos de planejamento urbano, defesa civil e gestão climática.
Infelizmente, o adensamento urbano e a ocupação desordenada de várzeas ou
banhados promoveram a excessiva impermeabilização do solo, tornando a situação
mais complexa e com impactos mais graves, o que torna prioritário o uso de
tecnologias avançadas e já disponíveis.
Sensores de
chuva, de nível de água radar, de nível de água capacitivo e de pressão
barométrica são elementos já adotados extensivamente para garantir mais
assertividade em previsões, mas é por meio da Inteligência Artificial (IA),
muito falada hoje, que uma verdadeira revolução pode ser conduzida. Ela não é
nova, tem mais de 50 anos, porém o que ela realmente tem de novo é a capacidade
de “aprender” a partir do armazenamento e processamento de grandes volumes de
dados. A IoT entra nessa equação com dispositivos de baixo custo e de maior
precisão para levantar os dados como avaliações sobre movimentos geomorfológicos,
gerando modelos preditivos muito mais precisos.
A retomada
da conectividade é uma das maiores preocupações - foram 300 mil assinantes sem
conexão e, segundo a InternetSul, associação de provedores gaúchos, o custo do
restabelecimento é estimado em R$ 1,21 bilhão. A recuperação das redes
elétricas e de fibra ótica são um imenso desafio para a volta da conectividade,
uma vez que as operadoras perderam grande parte de sua malha, elementos vitais
para a conexão de residências e interligação entre as cidades. Muitos elementos
das redes de fibra óptica ficaram energizados sob a água, trazendo riscos
terríveis para a população. Além disso, houve interrupções de 4 grandes linhas
de transmissão e milhares de metros de cabos elétricos e de comunicações posteados
levados pela enxurrada - foram cerca de 200 interrupções de cabos, além de
concentradores de rede e pontos de presença, que tiveram operações
comprometidas.
Em momentos
como esses, em que os dutos estão repletos de barro, esgoto e todo tipo de
contaminação, as companhias de telecomunicações sempre olham para a tecnologia
de rádio como alternativa porque ela não consome muita energia e são de rápida
implantação: existem conexões de capacidade média, consumindo pouco mais que
uma lâmpada elétrica, e que habilitam a conectividade com a utilização de
pequenos geradores. Alternativas “sem fio” se apresentam. Rádios ponto-a-ponto
combinados a redes “Mesh” em faixa não licenciada, proporcionam, com algumas
restrições de interferência e capacidade, uma conexão simplificada para os
múltiplos dispositivos em uma estrutura de malha, ao permitir cada nó atuar
como um ponto de acesso, eliminando a necessidade de roteadores e
possibilitando uma boa capacidade de transmissão; e a outra é a conexão
satelital para atuar na restituição de alguns sistemas e na reconstituição de
alguns backbones ainda que com capacidade reduzida e custo mais elevado, mas
que se apresentam como solução razoável neste momento emergencial.
Telemedicina e Saúde Mental
Para atender todas as pessoas que ficaram isoladas após o abalo das redes, o
atendimento remoto pela Telemedicina tem um papel muito importante, pois, à
distância, os profissionais conseguem obter informações sobre os parâmetros do
corpo, como a composição sanguínea, a pressão e temperatura e outra série de
dados encapsulados em formatos para internet ou via rádio em maletas da saúde,
transmitindo-os para que o atendimento à distância possa ser feito com médicos
conectados. O uso desses devices por entidades de saúde,
hospitais e clínicas para promover essa integração maior com especialistas que
não podem estar de forma maciça nas cidades - até porque muitos deles também
podem ter perdidos suas casas e equipamentos - é de grande valia em um momento
tão grave em que se fala em mais de 3 mil unidades de saúde destruídas. O
atendimento de profissionais de saúde mental também é primordial porque muitas
pessoas perderam suas casas, bens, histórias, recordações, sustento e precisam
de apoio e acolhimento para conseguirem fazer parte dessa grande reconstrução.
Realidade local
Todo o trabalho de recomposição no Rio Grande do Sul precisa ser feito levando
em conta o perfil das diferentes populações, os lugares e as formas de
ocupação. O Governo Federal liberou uma parte do Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações (Fust) para atender a conectividade dos
provedores, mas muitos municípios perderam metade da sua área e algumas
milhares de pessoas terão que ser realocadas. Tudo isso demanda um nível de
planejamento extremamente elevado para usar esses recursos em sintonia com os
desafios da natureza, de forma a reduzir os efeitos de outras eventuais
catástrofes com tecnologias associadas à coleta e análise de dados, modelos de
gêmeos digitais e ferramentas de inteligência artificial.
Essas
iniciativas devem partir das cidades para o uso mais eficiente dos repasses que
estão chegando. Cada município tem suas demandas específicas e não dá para
tratar todos de maneira uniforme. Cada localidade possui características
socioeconômicas diversas e distintos níveis de susceptibilidade a impactos
hidro geoclimáticos, impondo a realização de inventários específicos. Passo a
passo, juntando esforços humanos e tecnológicos e levando em conta as
diferentes dinâmicas populacionais do Estado, essa tragédia pode ser superada e
outras podem ter impacto menor. Esperamos que tudo que aconteceu no Rio Grande
do Sul sirva de aprendizado para um futuro capaz de lidar melhor com eventos
extremos, trazendo menos sofrimento e prejuízos aos cidadãos com o apoio da
tecnologia.
Hermano Pinto - Diretor do Portfólio de
Tecnologia e Infraestrutura da Informa Markets, responsável pelo Futurecom,
maior evento de tecnologia, telecomunicações e transformação digital da América
Latina.
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