Doença renal é silenciosa e é preciso ficar atento aos fatores de risco que aumentam a necessidade de fazer exames para investigar a saúde dos rins
O Dia Nacional da Diálise será celebrado nesta última quinta-feira
do mês de agosto, dia 29. A data, criada desde 2023, foi criada para
conscientizar sobre as doenças renais e sua prevenção, bem como fatores de
risco, comorbidades e a importância da diálise, terapia que garante a vida de
pacientes renais crônicos que tiveram 85% dos rins comprometidos por causa de
doenças renais. Atualmente, cerca de 155 mil brasileiros fazem a terapia de diálise,
de acordo com o censo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).
Dr. André Pimentel, nefrologista e diretor médico da Associação
Brasileira do Centro de Diálise e Transplante (ABCDT), que desenvolve em agosto
a campanha "A Diálise Não Pode Esperar", com o slogan "Diálise,
não apenas um tratamento, mas uma ponte para vida", explica como os rins e
a hemodiálise funcionam, além das principais causas.
A doença renal crônica (DRC) é caracterizada pela diminuição da
capacidade dos rins de filtrar os resíduos metabólicos do sangue. Muitas vezes,
ocorre em consequência de outras comorbidades, como hipertensão e diabetes,
além de doenças autoimunes como o lúpus. “As doenças renais são lentas, elas
são progressivas e muito silenciosas. O que eu quero dizer com isso? Não
apresentam nenhum sinal nas suas fases mais iniciais, somente nas suas fases
mais avançadas”, explica Dr. André. E quando o comprometimento dos rins é
maior, a Terapia Renal Substitutiva (TRS), mais conhecida como diálise, se faz
necessária.
Confira abaixo as respostas do diretor médico da ABCDT para as principais dúvidas em relação ao assunto:
Qual o papel dos rins no nosso organismo?
Eles são fundamentais e é por isso que nós temos dois rins para
suportar tamanha responsabilidade com o nosso corpo. Eles estão situados na
região posterior, logo atrás da região lombar. Cada rim tem cerca de 11 a 13
centímetros de comprimento e pode pesar cerca de 150 a 170 gramas. Nesse
espaço, existe o néfron, onde se realiza a filtração. Os rins não param.
Funcionam 24 horas por dia, e por eles passam cerca de 190 litros de sangue,
que são filtrados e ultrafiltrados, retirando as impurezas do nosso organismo e
liberando cerca de 1 a 1,5 litros mais ou menos de urina ao longo do dia. Aí,
tem dois conceitos muito importantes sobre o papel dos rins: a hidratação -
pois é preciso tomar bastante água e líquidos para poder melhorar a filtração e
também urinar bem.
Quais os sinais de que a pessoa pode estar com problemas
renais? Quando é preciso procurar um médico?
Temos que estar muito atentos aos fatores de risco e sempre que
possível corrigi-los ou cuidar para que eles sejam administráveis na jornada
progressiva da doença. Isso é muito importante. É preciso ficar muito atento ao
aumento da pressão arterial e a falta de controle dela. A glicemia
persistentemente elevada também merece atenção. Edemas, inchaço nas pernas ou
até no rosto, podem ter um significado muito importante para as doenças dos
rins. Dor, ardência para urinar, urinar muito à noite, ou seja, inverter o
horário. A noite é dedicada para você ter um sono e quando ocorre a inversão
desse horário com uma frequência muito alta de urinar nesse período, é um sinal
importante que possa estar desenvolvendo alguma doença renal ou prostática. As
alterações da cor da urina, ou seja, uma urina de cor escura também é um alerta
para doença renal. As cólicas renais, as dores lombares também são alerta e
também nós não podemos esquecer a fraqueza, a palidez e uma anemia de causa
ainda indeterminada, que podem ter a doença renal como uma das suas causas.
Temos que ficar muito atentos a esses sinais que possam levar ao diagnóstico de
uma doença renal.
Quais as causas das doenças renais?
Existem algumas informações que são muito relevantes. As principais causas de doença renal são a hipertensão arterial e o diabetes. Para vocês terem uma ideia, de acordo do Vigitel, um programa do Sistema Único de Saúde (SUS), que é a vigilância dos fatores de risco e proteção das doenças crônicas por inquérito telefônico, 10% da população brasileira têm diabetes e 27,9% têm hipertensão arterial. Esses dados são de 2023. É muito significativo porque esses números vêm crescendo ano após ano. Essas doenças são lentas e progressivas e ambas acometem os nossos rins de forma muito silenciosa. Na maioria das vezes, o diagnóstico é feito muito tardiamente.
Além disso, existem outras causas importantes que levam os nossos
rins a não funcionarem, a falharem. São as chamadas inflamações dos nossos
rins, como nefrites, nefroses, doenças autoimunes como o lúpus, doenças
congênitas como os rins policísticos, infecções urinárias de repetição, e
alguns tipos de cálculos também podem provocar o desenvolvimento da doença
renal. Outra coisa muito importante são algumas medicações, que se usadas de
forma abusiva e sem orientação, podem comprometer a função dos nossos rins,
como anti-inflamatórios, que são drogas que podem comprometer a função renal.
E quais são os principais fatores de risco que podem levar a
uma doença renal?
O termo risco, na área de saúde, é usado para definir a chance de
uma pessoa sadia que quando exposta a determinados fatores, sejam eles
ambientais ou hereditários, possam desenvolver uma doença. Os fatores
associados ao aumento do risco de desenvolver uma doença são os chamados
fatores de risco, aqui entramos nos problemas, são fatores de risco para
desenvolver uma doença renal ou algum problema de rim, como a hipertensão
arterial e a diabetes que nós já comentamos. Além disso, o que nós temos mais
de ficar atentos são as doenças cardiovasculares, a obesidade, as pessoas mais
idosas, mais frágeis, tabagismo, aquelas pessoas que estão usando algumas
drogas como os anti-inflamatórios de maneira frequente e abusiva, questões
genéticas como a doença renal policística, esses são alguns fatores de risco
que precisamos ficar muito atentos para um diagnóstico precoce, porque eles vão
se tornar um problema para o desenvolvimento de uma doença renal.
Banco de imagem Istock - Blind Turtle
Há graus de gravidade para as doenças renais?
Sim, existe um grau de gravidade. A doença renal crônica, que é a maior expressão das doenças renais e que é um problema inclusive grave de saúde pública mais contemporânea, pelo seu impacto na população e pelos custos que o seu tratamento impõe, elas têm, sim, forma de se estratificar. É assim que chamamos, na verdade, são estágios. Esses estágios da doença renal crônica eles vão de zero, quando o indivíduo não tem nenhuma doença, até 5, que seria o grau mais avançado que o médico nesse caso vai precisar substituir ou indicar a substituição da função renal. Até os estágios 4 e 5, a doença renal é muito silenciosa, muito pouco percebida.
Nos casos leves, como é o tratamento?
Quando uma pessoa tem algum fator de risco para a doença renal, deve procurar um especialista para avaliar se ela tem doença renal associada, e a partir daí, instituir medidas que possam proteger os rins. Nas fases iniciais, nós podemos implementar uma série de medidas que são chamadas medidas nefroprotetoras. O que significa isso? São medidas que são utilizadas para poder controlar não só os fatores de risco, como a prevenção da doença, tal qual ajustar a alimentação para que ela seja um aliado no controle da doença, revendo as proteínas, os carboidratos, a gordura, estimular a atividade física a que, particularmente, eu gostaria de chamar atenção. Tanto uma alimentação adequada para o grau de doença renal, como uma atividade física que traga benefícios e prazer, tem um impacto altamente positivo no controle da doença.
Assim, preciso também ficar atento ao uso inadequado ou abusivo de algumas drogas que nós chamamos de drogas nefrotóxicas, ou seja, que vão provocar algum grau de toxicidade em nossos rins, como os anti-inflamatórios. Por outro lado, em caso do tratamento, eu trago boas notícias, surgiram recentemente algumas drogas, principalmente uma que era usada para diabetes. Agora, ela se mostrou um grande aliado na proteção dos rins e do coração e há outra também bastante promissora, que ajuda a retardar a progressão da doença renal e se impõe a sua utilização dentro das ferramentas utilizadas para cuidar, para que a doença renal tenha um controle e uma progressão muito mais lenta.
A diálise, eu quero chamar a atenção sobre isso, é uma terapia, é um tratamento proposto para os pacientes que têm comprometimento avançado da doença renal e precisam substituir essa função. Ou seja, os rins da pessoa não dão mais conta de realizar a limpeza de todas as substâncias tóxicas que estão no sangue e elas precisam ser removidas.
O que pode causar a falência renal e quais as consequências?
Os rins irão entrar em falência, os rins iriam falhar se as causas
que levaram à perda da função renal não puderem ser diagnosticadas de forma
precoce, não puderem ser controladas e estiverem avançadas de modo que, o
melhor benefício frente a esse grave risco que a pessoa está correndo, seria
substituir a função renal por diálise ou transplante. Então é preciso ficar
atento a essas falhas, ou seja, a essa progressão. E quando ocorre essa
progressão, a terapia renal substitutiva tem a sua indicação primária para
poder se realizar.
Banco de imagens Istock - crédito: Mailson Pignata |
O que é a diálise e quais são os tipos de Terapia Renal Substitutiva (TRS)?
Diálise significa limpeza, filtração dessas impurezas que pode ser
realizada filtrando sangue. Quando ocorre essa filtração do sangue para remover
essas impurezas, nós chamamos de hemodiálise. Nós também podemos fazer essa
filtração pela nossa cavidade abdominal, que tem uma grande membrana que
recobre e protege os órgãos abdominais que se chama peritônio. Nosso peritônio
tem uma grande superfície de vasos que podem ser utilizados para filtrar o
sangue que está repleto de impurezas. Esse tipo de diálise nós chamamos de
diálise peritoneal e também outra ferramenta muito importante que a gente
precisa destacar como opção é o transplante renal.
Então nós temos o tratamento de hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante quando ocorre a necessidade de substituir a função renal nas fases mais avançadas da doença. O indivíduo vai iniciar o tratamento da diálise nessas fases avançadas, no estágio 5, quando não existem mais condições de suportar o excesso de impurezas e de resíduos tóxicos que estão no seu sangue, provocando uma expressão de sintomas bastante significativos e quando existe um risco muito grande, precisa instituir o tratamento de diálise ou transplante.
É possível ter qualidade de vida mesmo fazendo diálise?
Sim! A diálise nas formas que abordei, junto com o transplante, são opções de tratamento oferecidas para o paciente que está numa fase muito avançada da doença renal. Consequentemente, quando você oferece um tratamento, é para poder melhorar a qualidade de vida e bem-estar. Mas veja bem, é preciso se comprometer com isso. Não se pode imaginar: “Olha só, iniciei a diálise e pronto, acabou”. Não é isso. A diálise é uma nova jornada, é um novo percurso, é um recomeço, é outra forma de tratamento. É preciso estar atento às informações, às orientações que a equipe médica, equipe multidisciplinar oferecem ao paciente e seguir sua risca. Na diálise, vamos pensar desta forma: “Nós passamos de fase”. É uma nova abordagem, são novos cuidados, a atenção precisa ser redobrada. Quando a pessoa segue essas orientações, a diálise tem tudo para dar certo. A pessoa realiza o tratamento de diálise e tem uma qualidade de vida bem satisfatória e bastante razoável. Nós temos que aprender a conviver com essa nova etapa. Para isso, é necessário que o paciente se comprometa com o tratamento. Isso é muito importante.
Em qual situação é recomendado um transplante?
O transplante renal pode ser realizado nas fases mais avançadas da doença. E dependendo da situação, uma pessoa que tenha um doador, obviamente saudável, ela pode realizar transplante renal sem ter que fazer diálise. Essa condição nós chamamos de transplante preemptivo. É uma condição mais difícil de ser alcançada, porém, quem já está sendo acompanhado há mais tempo por um especialista tem essa chance ao seu lado. Mas de forma geral o transplante seria recomendado para todos, porém, na maioria das vezes, as doenças de rins vêm acompanhadas de doenças de outro órgão, como doenças cardiovasculares, diabetes. E na maior parte das vezes, o indivíduo não tem uma doença só no rim, tem doença também nesses outros órgãos, e que são mais severas. Nesses casos, o transplante não iria ser benéfico para tratar somente um órgão que está doente, adoecido. Mas, nós estamos bem avançados nisso. Em alguns casos selecionados, nós podemos realizar um transplante duplo, por exemplo, transplante rim e pâncreas, transplante de rim e coração. Provavelmente, vocês devem ter acompanhado o caso do Faustão, que teve uma grande repercussão. Mas o transplante é uma das opções de tratamento e promove uma qualidade de vida e um bem-estar muito grande. Eu queria ressaltar para vocês que o programa de transplante renal no Brasil é um dos maiores programas do mundo, nós temos uma expertise muito grande e funciona muito bem no país.
E como é possível prevenir a doença renal?
Essa é
uma questão crucial, a promoção e a prevenção da doença, nós precisamos o tempo
todo falar sobre isso. Podemos mudar o rumo, a velocidade com que a doença vai
percorrer esses estágios que eu citei anteriormente de maneira rápida, veloz e
sem nenhum tipo de controle. A primeira questão que precisamos abordar diz
respeito ao acesso ao diagnóstico, que é simples. Se você tem algum dos fatores
de risco que eu citei, é preciso realizar um exame de sangue para dosar a sua
creatinina no sangue e também um exame de urina. Caso esses exames estejam
alterados, é necessário procurar um bom profissional para estratificar o risco
da doença renal e iniciar uma série de medidas protetoras que retardam a
progressão da doença renal. Vale ressaltar mais uma vez a alimentação, a
atividade física, a redução do peso e do
tabagismo, o uso de forma criteriosa, adequada e justificada de anti-inflamatórios
ou qualquer outra droga que você possa usar sem uma orientação médica adequada.
Vou insistir nesse tópico. A doença renal é prevenível e controlável. Nós temos
muito trabalho para fazer. Sempre a pessoa, o seu médico e com uma equipe
multidisciplinar. É preciso ter acesso a isso, ter acesso ao diagnóstico
precoce e a partir daí, instituir medidas de proteção da função renal. Há um
grande ganho em relação a isso e nós podemos mudar a história natural da
doença. Converse com o seu médico sobre isso.
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Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante - ABCDT
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